quarta-feira, setembro 26, 2012

Crise na Comissão de Ética Editorial Estadão


O Estado de S.Paulo - 26/09


A presidente Dilma Rousseff fez o que podia fazer, mas não devia, e recebeu o troco em má hora. Ela podia não renovar os mandatos de dois dos sete membros da Comissão de Ética Pública, que expiraram nos últimos dois meses. Afinal, o órgão integra a Presidência da República, subordinado, portanto, ao chefe do governo. Mas não devia fazê-lo, por dois motivos. Primeiro, porque, desde a sua criação, em 1999, para zelar pela boa conduta dos membros do Executivo federal, nenhum dos presidentes que precederam a atual, Fernando Henrique e Lula da Silva, deixou de reconduzir para um segundo período de três anos os integrantes da comissão cujos nomes lhes haviam sido indicados pelo titular do colegiado.

Em segundo lugar, porque os substituídos, Marília Muricy e Fabio de Sousa Coutinho, desagradaram à presidente não por desídia ou leniência no exercício das suas funções, mas, ao contrário, por terem sido rigorosos na exigência de retidão no comportamento de ministros de Estado - contribuindo, a seu modo, para a faxina ética que Dilma se viu induzida a conduzir, fazendo disparar os seus índices de popularidade.

Deu no que deu. Bem na hora em que o julgamento do mensalão no STF fincou a questão da moralidade política no centro das atenções nacionais, a renúncia do presidente da Comissão de Ética, o jurista e ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence, colocou Dilma no lado errado da narrativa sobre o imperativo da lisura em todos os escalões do poder nacional.

Depois de dar posse aos três novos membros do organismo, Pertence entregou o cargo que deveria ocupar até dezembro de 2013, lamentou abertamente a "mudança radical" criada pelo afastamento de Marília e Coutinho e assinalou ser às vezes "mal compreendida" a finalidade da comissão de "estabelecer uma cultura de ética" no Executivo. Para a presidente, não é o melhor momento para que expressões do gênero, ainda por cima ditas por quem as disse e por que, ingressem no noticiário. Mas ela só tem a culpar a si própria por esse constrangimento. Dilma tinha ficado agastada com a comissão, da primeira vez, em fins de 2011, quando, por iniciativa de Marília, o colegiado recomendou a demissão do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, do PDT, alvo de uma batelada de denúncias de irregularidades nos convênios da pasta com ONGs de fachada.

Desejando manter Lupi no governo, para não se atritar com o patrono Lula, que o indicara para a função, a presidente rejeitou a recomendação, alegando que o relatório de Marília se baseava apenas em denúncias de jornal. Pior ainda, para o seu senso de autoridade à flor da pele, foi ter tomado conhecimento pela imprensa do ato da comissão. A gota d'água foi a declaração de Marília de que a presidente deveria "respeitar as regras do jogo democrático". Contra Coutinho, o outro conselheiro substituído, a zanga de Dilma veio do fato de ter ele proposto aos seus pares, em junho último, que aprovassem uma "advertência" ao ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, amigo de longa data da presidente.

O ministro ficou sob a mira da comissão quando se divulgou que, entre 2009 e 2010, havia prestado nebulosos e regiamente pagos serviços de consultoria à Federação das Indústrias de Minas Gerais - fonte de possível conflito de interesse com o cargo que viria a assumir. A comissão preferiu pedir a Pimentel que esclarecesse se o seu contrato com a entidade ainda estava em vigor quando se tornou ministro. Anteontem, o presidente interino do colegiado, Américo Lacombe, pediu novas diligências sobre viagem de Pimentel à Europa em avião fretado pelo empresário João Dória Jr. O inquérito não tem prazo para acabar. Dilma, é verdade, escolheu nomes insuspeitos de afinidades políticas com o governo para as vagas abertas na comissão. O que não autoriza, salvo fatos novos em contrário, que se fale em seu aparelhamento.

Mas ela não terá como dissipar a impressão de que foi mesquinha ao se vingar dos conselheiros que a irritaram, deixando no ar, além disso, a suspeita de que pretenda neutralizar o órgão que zela pelo padrão ético do Planalto.