domingo, setembro 30, 2012

Consumo evitou PIB menor - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 30/09


O relatório do Banco Central divulgado quinta-feira projeta crescimento de apenas 1,6% este ano, mais próximo da previsão do mercado. A leitura atenta do documento revela que o resultado só não foi pior devido ao consumo interno que, diz o BC, deve crescer ainda mais neste trimestre e no próximo ano, razão pela qual sinaliza um PIB de 3,3% nos próximos doze meses. O banco prevê forte crescimento da demanda interna, algo em torno de 4,2%, bem acima dos 2,5% nos últimos doze meses. É uma previsão "consistente, com as perspectivas relacionadas à trajetória do mercado de trabalho e do crédito", diz o relatório.

Ou seja, não se confirmou a perspectiva de que o consumo interno já havia chegado ao seu limite e não se podia mais contar com ele para sustentar o crescimento.

Dados confirmam. E é esse cenário que se confirma a partir da leitura dos indicadores da Boa Vista, empresa que administra o Serviço Central de Proteção ao Crédito(SCPC), que fez também pesquisa sobre mitos e verdades do mercado de crédito, divulgada no mesmo dia do relatório do BC. São 1.300 entrevistas pessoais feitas em todo o país.

A Boa Vista trabalha com 350 milhões de informações sobre transações realizadas por consumidores e mais 42 milhões sobre empresas.

O presidente da Boa Vista, Dorival Dourado, diz que os dados mostram que o consumidor está cauteloso. Essa postura não significa que o consumo das famílias esteja parado, muito pelo contrário. Tanto é que as vendas do varejo, na estimativa da Boa Vista, devem ter crescimento próximo dos 7% em 2012.

Pior já passou. Dois indicadores importantes levantados pela Boa Vista em agosto dão pistas de que a fase de maior incerteza que surgiu no meio do ano, passou: estabilidade no registro de inadimplência e a alta de 2% na recuperação do crédito.

Mais ainda, recorda Dourado, há três meses a Boa Vista vem registrando desaceleração da inadimplência e, em 2012, o crescimento das renegociações de dívidas deve superar o crescimento dos novos registros de inadimplentes. "A situação é considerada sustentável se for mantido esse quadro até o fim de dezembro". Esse contexto contribui para a manutenção do consumo.

Por quê? O presidente da Boa Vista aponta algumas razões já conhecidas, como juro consideravelmente menor, prazo mais amplo, salário maior. Mas há dois fatores importantes: a inflação não aumentou e, acima de tudo, o consumidor parece confiar na manutenção do emprego.

Somados esses fatores e o anúncio do governo de que adotará mais estímulos para produção, emprego e renda ainda este ano, poderiam explicar por que, apesar de já ter contraído dívidas anteriormente, as famílias pretendem continuar aumentando o consumo de alimentos de bens duráveis e agora lazer.

Mas isso, acrescenta Dourado à coluna, só deve ser sentido a partir deste mês de outubro em diante, quando as medidas do governo, que aumentaram a confiança do consumidor, se intensificaram. Ele espera mais e tudo indica que mais medidas virão.

Poderíamos até dizer que, em termos de reação da demanda interna, do consumidor, que o ano econômico acabou em setembro. Foi mais curto, mas as pesquisas da Boa Vista, assim como o aumento em agosto de 3,9% das vendas dos supermercados (em julho tinha sido apenas 1,7%,) confirmam essa tendência de maior consumo das famílias.

Endividamento. Para Flávio Calife, economista da Boa Vista, o endividamento das famílias não está pesando muito no ânimo para consumir. A fatia do crédito vem crescendo, atualmente é mais alto, superior a 50% do PIB, mas as pessoas estão destinando parte da nova renda para pagar dívida antiga e realizam novas operações com juros menores e prazos maiores.

Calife lembra também que o nível de endividamento ainda não justifica excessiva preocupação, mas que o comprometimento da renda já está em 22% (índice formado por amortização da dívida, responsável por 14%, e juros, com 8%) e merece atenção. Outro dado do BC destacado pelo economista foi a revisão da projeção de crescimento do crédito este ano, de 15% para 16%, o que mostra um certo reaquecimento dos empréstimos.

Prestação, aluguel. Neste quadro, Calife inclui o estímulo provocado pela substituição do aluguel pelas aquisições da habitação, no programa Minha Casa, Minha Vida. As pessoas substituem o pagamento do aluguel por prestações com valor declinante. Isso implica maior demanda por outros itens.

Pode melhorar. Com base nessas pesquisas, projeções do BC e em sondagem da Confederação Nacional da Indústria, a coluna pode concluir que a economia só volta a crescer nos próximos meses via expansão do consumo e demanda. Consultados esta semana pela CNI, cerca de 50% dos empresários disseram que preveem aumento das vendas nos próximos meses, mas não investimentos. O ideal num modelo sustentável é ter ambos ao mesmo tempo, mas enquanto o investimento não vem, é continuar contando com o mercado interno que já representa 60% do PIB. E tudo indica que há espaço para mais.