quarta-feira, novembro 09, 2011

De mal e benfeitores ZUENIR VENTURA

O Globo - 09/11/2011

No último fim de semana, voltei a Nova Friburgo pela primeira vez após a tragédia de janeiro que causou a morte de 900 pessoas. Ainda são visíveis os estragos e as cicatrizes deixadas pelas chuvas. O que não é visível é o destino dado às verbas recebidas para a recuperação da cidade onde passei minha adolescência. São R$10 milhões destinados a obras que ou não foram realizadas ou estão sendo numa lentidão suspeita.

Recaem sobre o prefeito Dermeval Filho sérias acusações de improbidade administrativa, fraudes e desvio de recursos públicos. São tantas as denúncias que anteontem a Justiça Federal decretou o seu afastamento temporário do cargo, junto com o secretário de Governo José Ricardo Carvalho de Lima, além do bloqueio de bens dos dois, do secretário de Educação e de dois empresários da região. Todos teriam sido favorecidos de maneira ilegal. A decisão ordenou ainda a quebra de sigilo bancário e de gastos com cartão de crédito.

Quando, seis meses depois do temporal, houve manifestações de protesto e cobrança de providências concretas - o cenário continuava o mesmo, os desabrigados não tinham para onde ir -, Dermeval deu uma entrevista coletiva tentando justificar-se: "Seis meses não é nada, vamos ter trabalho para mais de dez anos", disse aos jornalistas, esquecendo-se de que na mesma época o Japão, arrasado em março por terremoto e por tsunami, já expunha os primeiros resultados de sua reconstrução. Eram imagens impressionantes do "antes e depois", que contrastavam vergonhosamente com o que não se estava fazendo em Friburgo.

Mas não só de malfeitos tem vivido a Região Serrana pós-tragédia. Ouvi várias histórias edificantes de voluntários e benfeitores, como a do cidadão carioca que se comoveu lendo e vendo o noticiário do temporal. Resolveu então socorrer desalojados em Friburgo e Teresópolis, doando quatro casas a famílias que ficaram sem ter onde morar. Interessou-se especialmente por um casal que perdera quatro filhos soterrados e, para agravar o drama, não podia ter mais porque o marido fizera vasectomia. Além de lhes oferecer uma casa, o doador trouxe os dois ao Rio, levou-os a um grande especialista em inseminação artificial e, com o tratamento, a mulher ficou de novo grávida. Na segunda-feira de manhã, encontrei por acaso o discreto benfeitor no calçadão de Ipanema. Ele se surpreende com minha descoberta e, constrangido, explica que não quer divulgação. Quase se desculpou pelo gesto: "como não podia socorrer todos, fiz o que estava ao meu alcance."

Não resisto e revelo aqui a sua identidade: Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope. Ficou provado mais uma vez que no Brasil tem quem rouba e quem faz. Mas em geral não são a mesma pessoa.