segunda-feira, abril 25, 2011

Os cupins da governança irresponsável se alastram - Marco Antonio Rocha

O Estado de S. Paulo - 25/04/2011

Ooops... deu cupim na "cumiera"?

É o que parece.

E quem apontou o cupim foi a Standard & Poor"s (S&P), uma das "três
grandes" do mercado financeiro mundial empenhadas no duro ofício de
avaliar a dose de risco apresentada por países - os chamados "riscos
soberanos", que na maioria dos casos envolvem países que não têm
soberania nenhuma.

Mas agora a coisa parece séria, porque o que ocorreu na semana passada
foi que a agência, em nota oficial, colocou sob "perspectiva negativa"
os títulos emitidos pelo governo americano, os mais seguros do mundo.
Equivaleria a dizer que barras de ouro são de latão...

E o que é que coloca sob perspectiva negativa um título desses? É a
possibilidade de que seu emissor (no caso o governo americano) possa
vir a não honrá-lo num futuro qualquer, em virtude de o crescimento
exponencial da sua dívida torná-la impagável. Em outras palavras, a
economia americana estaria perdendo condições de gerar os recursos
necessários ao financiamento da dívida do país, e o governo ianque
acabaria tendo de se declarar em default e dizer algo como: devo, sim,
mas só pago a metade, ou um terço, ou seja lá o que for, mas não tudo.
Como já fez o governo da Argentina tempos atrás.

Só que a dívida da Argentina não era de abalar o mundo.

Uso a imagem cabocla do cupim na cumeeira porque os títulos do governo
americano são as telhas do telhado que cobre o imenso circo em que se
transformou o mercado financeiro internacional. E todo mundo sabe que
cupim pode fazer desabar todo o telhado. De modo que, quando uma firma
de engenharia financeira, como a S&P, acha que tem cupim nesse
principal telhado, todo mundo olha para cima para ver se ele já está
desabando ou olha para os lados para saber como sair debaixo.

E a ironia do caso é que ninguém tem como sair debaixo. As bolsas
despencaram no dia da nota da S&P, mas depois se estabilizaram. Sim,
porque todo mundo sabe que não há o que fazer: se ficar o bicho come,
se correr o bicho pega. Não há como se livrar dos títulos do governo
americano. Para fazer o quê? Trocar por títulos do governo inglês, do
governo francês, do governo italiano, irlandês, português, grego? Mas,
se o governo americano entra em default, os desses países também vão
para o brejo.

A China seria de longe a maior vítima de um calote dos EUA, pois tem
mais de US$ 3 trilhões de reservas, dos quais a maior parte deve ser
em treasuries bonds. Em tempos antigos corriam no Brasil histórias de
incautos que caíam no conto do bonde - do caipira paulista que vinha
conhecer a capital, ficava maravilhado com os bondes da Light e logo
um vigarista lhe propunha que comprasse um. Não sei se alguém já caiu
nesse conto, mas o mundo moderno caiu no conto dos bonds americanos.
Não por ingenuidade ou falta de cautela, mas por não ter onde mais
aplicar o dinheiro. O problema é que o mundo, hoje, produz mais
liquidez financeira do que bons negócios para absorvê-la. Isso começou
na primeira grande alta dos preços do petróleo, no final de 1973,
viabilizada por pelo menos dois fatos: o abandono do padrão-ouro pelo
governo americano (*); e os EUA terem deixado de ser autossuficientes
em petróleo e passado a importadores.

Essa primeira onda de liquidez errática, dos "petrodólares", fascinou
vários governos de países pobres, inclusive o do Brasil. Aquela
dinheirama não encontrava projetos, empresas e empreendimentos sérios
onde fosse aplicada com segurança. Começou, então, a ser "vendida",
sob forma de crédito barato, para governos perdulários, que queriam
dinheiro para gastar a rodo (como sempre querem). O nosso vivia,
então, sua fase de "pra frente Brasil", com o que engambelava o povão
da época, e os bancos internacionais apostaram num governo estável
(pois, claro, era militar), que pagaria suas dívidas. Enchemos os
bolsos... de dívidas - que mais tarde nos encheriam de vergonha.

Mas as ondas de liquidez se sucederam, a partir de então, por razões
que só economistas podem tentar explicar. O fato é que o mundo navega
numa delas atualmente.

Dinheiro em excesso produz as pressões inflacionárias, sempre
ameaçadoras, que os governo tentam enquadrar, a cada ano, com maior ou
menor sucesso; e uma outra "inflação", a de empresários de papel -
essas figuras que amealham fortunas imensas, a partir de "ativos" que
nada mais são do que o computador, a caneta e o papel timbrado.

A grande arte do "financista" moderno não é "empinar papagaios", como
o roleiro de antigamente com as notas promissórias. O de hoje empina
IPOs. Mas os governos empinam papagaios e IPOs, e o dos EUA é o mais
audacioso do planeta nesse mister: mais de US$ 14 trilhões de
papelório empinado é para qualquer larápio das arábias morrer de
inveja...

Toda essa desordem está em busca de uma nova ordem. Deve ser isso que
George Soros pensava quando, há dias, reuniu um grupo de luminares da
economia e finanças em Bretton Woods, o mesmo lugar onde nasceu o FMI.

(*) Em 1971 o governo americano rompeu o compromisso de entregar
sempre uma onça-troy de ouro por US$ 35 (hoje ela vale US$ 1.500).