sexta-feira, abril 29, 2011

Mudança de tom - Celso Ming

O Estado de S. Paulo - 29/04/2011


A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) ontem
divulgada mostrou um Banco Central com postura diferente em relação à
inflação e bem mais determinado a retomar a condução das iniciativas
dos marcadores de preços.

Ao contrário do que se leu nas duas atas anteriores e, principalmente,
no Relatório de Inflação publicado em março, desta vez o Banco Central
não tentou fazer pouco caso do veneno da cobra nem sobrevalorizou as
decisões tomadas anteriormente.

A mudança de tom deve ter acontecido nos últimos dias, depois da
decisão tomada dia 20, quando a estocada dos juros pareceu fraca
demais em relação à força da alta dos preços.

Nessa reunião do Copom, por 5 votos a 2, venceu o entendimento de que
bastaria um reforço de apenas 0,25 ponto porcentual nos juros (veja
gráfico). Mas o conteúdo desta ata parece dar razão à posição
perdedora, que votou por um aumento de meio ponto porcentual.

A partir daí fica mais evidente a desproporção entre o tamanho da
inflação e o contra-ataque aplicado. Ou seja, a ata deixou claro que,
até agora, a política adotada é frouxa demais em relação à virulência
da inflação. Falta saber o que será feito para compensar essa falha.

Outra mudança de postura foi a ênfase dada aos efeitos colaterais das
chamadas medidas macroprudenciais. O objetivo básico dessas medidas é
melhorar a qualidade do crédito, mas, desde dezembro, o Banco Central
vinha tecendo louvações sobre a capacidade dessas providências em
combater a inflação. Desta vez, quase não se mencionam esses efeitos.

A ata reconhece um tanto tardiamente - mas reconhece - que a forte
alta do setor de serviços, que praticamente não é alcançado pelas
providências destinadas a moderar o crédito, vem puxando a inflação
para cima. Reconhece que a demanda vai correndo à frente da oferta de
mercadorias e serviços. Reconhece que o mercado de trabalho está
esticado e que esse fator favorece a criação artificial de renda.
Reconhece que se estreitou a capacidade do setor produtivo de
reequilibrar oferta e demanda. E reconhece que "as pressões
inflacionárias são contidas com mais eficiência por meio de ações de
política monetária". Ou seja, parece reconhecer que até agora havia
sido dada ênfase demais às tais medidas macroprudenciais.

O Banco Central poderia reconhecer também - mas isso talvez fosse
exigir demais - que os tais impulsos fiscais excessivos foram a base
da forte expansão de renda, de demanda e de preços. E poderia
reconhecer, ainda, que, nos quatro primeiros meses deste ano, o revide
foi frouxo demais em relação ao tamanho do estrago sobre o salário do
trabalhador.

E este, a despeito da mudança de postura, parece o risco maior. A
atividade econômica continua aquecida demais e o mercado de trabalho
continua pressionado demais. Apesar disso, ainda persiste a estratégia
do Banco Central de ir devagar com o andor e do bocadinho atrás do
bocadinho. Esse gradualismo provavelmente ainda não está
suficientemente calibrado para enfrentar o impacto da inércia
inflacionária, da reindexação da economia e das fortes pressões sobre
os salários (e a renda), num quadro de quase pleno emprego e de
expansão das obras públicas.