sexta-feira, agosto 27, 2010

Um grande paradoxo brasileiro Roberto Lent



O Globo - 27/08/2010
 


É patente para todos os obser vadores independentes que o Brasil conseguiu infletir fortemente para cima, nos últimos anos, a modesta curva de crescimento da Ciência e Tecnologia que caracterizou o século passado.

No entanto, não foi isso que ocorreu na Educação, área em que os indicadores estão estagnados ou sofreram modesta ascensão.

Esse grande paradoxo é simbolizado por dois indicadores internacionais: nosso país ocupa hoje o 13 lugar na produção de artigos científicos em todo o mundo, mas é o último no desempenho em Ciências de jovens de 15 anos.

O paradoxo é tão grave que pode pôr em risco a sustentabilidade do nosso crescimento científico.

Como mantê-lo sem multiplicar o número de cientistas? E como multiplicá-los em uma população de jovens que não compreende minimamente os temas científicos? Como manter e o aporte financeiro à Ciência e Tecnologia no futuro, se a sociedade não compreender o valor que a Ciência tem para o seu bem-estar e o seu progresso? Em qualquer atividade gestora, é preciso priorizar e adotar medidas estruturantes e potencializadoras.

Duas delas me parecem essenciais neste caso: a dedicação exclusiva do professor de ensino básico à sua escola, e o turno único para os alunos.

Como conseguir essa façanha? Primeiro, precisamos estar convencidos de que são esses os dois eixos fundamentais porque repousam no fator humano, e não em laptops, salas de aula, livros e outros elementos materiais, importantíssimos, mas comparativamente fáceis de conseguir.

A façanha é exequível em uma década por que então não eleger esta que começa como a Década da Educação e da Ciência? A dedicação exclusiva do professor à sua escola não depende apenas de legislação: depende de salário. E, por razões financeiras, não há como garantir um salário competitivo por meio dos municípios brasileiros, convençamo-nos disso! A proposta então é que o governo federal assuma essa tarefa: federalização da categoria dos professores do ensino básico, com o objetivo de elevar o seu salário aos níveis de um professor assistente das universidades públicas.

O turno único para os alunos, por outro lado, depende da duplicação da capacidade física da rede escolar em todo o país, combinando o aumento do número de escolas com a ampliação das existentes.

É razoável supor que a federalização dos salários desoneraria as finanças municipais em grande medida, e permitiria que os 20% previstos em lei fossem destinados à ampliação física da rede escolar.

Se esses dois eixos estruturantes forem adotados pelos nossos candidatos à Presidência da República, e aceitos pela sociedade, será fácil eleger o período 2011-2020 como a Década da Educação e da Ciência, e inaugurar um ciclo ideológico forte para a mobilização social, com um Esforço Nacional pela Educação e a Ciência.

A esses dois eixos se somariam todos os pequenos e valiosos programas e iniciativas que muitas instituições e pessoas realizam pelo Brasil afora com financiamento público e privado, tais como atividades de aprimoramento curricular, acesso à internet nas escolas, divulgação científica, bolsas para projetos docentes, e a infinidade de propostas que, cada dia mais, afloram à superfície.

Estamos em um momento histórico virtuoso, e precisamos mantê-lo.

Essa década é nossa: a década da Educação e da Ciência. E a obrigação é de todos nós: um esforço nacional pela Educação e a Ciência.
ROBERTO LENT é diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro.