domingo, dezembro 20, 2009

Dora Kramer Dedo na ferida

O ESTADO DE S. PAULO

O procurador-geral da República, Roberto Rangel, tomou uma atitude que pode fazer pelo País o que nenhuma reforma política seria capaz.

Na quinta-feira, ele pediu ao Supremo Tribunal Federal autorização para investigar as atividades do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, sem autorização da Câmara Distrital, a Assembleia Legislativa de Brasília.

Roberto Gurgel apresentou o STF uma ação direta de inconstitucionalidade contra uma lei aprovada pela própria Câmara do DF que vincula a abertura de ações contra o governador à decisão dos deputados distritais (estaduais).

O argumento do procurador é meridiano: considerando a maioria da "base aliada" ao governador, é obviamente inviável qualquer possibilidade de se obter o aval da Câmara para a investigação pretendida pelo Ministério Público.

"Todos sabemos que não apenas no Distrito Federal, mas na grande maioria dos Estados, senão na totalidade deles, o governador sempre tem maioria na Assembleia Legislativa e essa maioria recusa a licença ou simplesmente não examina, não aprecia, o pedido de licença formulado pelo Judiciário. Os anos se passam, nada acontece e se assegura a impunidade do agente político", justificou o procurador-geral.

Tocou num ponto essencial da deformação do sistema, das relações entre Poderes Executivo e Legislativo e da degradação da política, decorrente das infrações escancaradas sob a proteção de instituições que deveriam resguardar o cumprimento da lei e guardar o decoro nos procedimentos.

O procurador-geral deu ao Supremo a oportunidade de desmontar um dos pilares da impunidade: a conivência por conveniência. Além disso, expôs a natureza do problema: a servidão das maiorias parlamentares formadas a partir do critério da troca de favores.

Se conseguir ganhar a causa, Roberto Rangel terá ido além do caso específico da Câmara Distrital, que aprovou uma lei concedendo a si direitos superiores aos conferidos pela Constituição. Pela Carta, a competência para processar e julgar governadores é do Superior Tribunal de Justiça.

Se julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, o STF estará mandando um recado de atenção a vários tipos de abusos que, por repetidos, já vão se incorporando à rotina de transgressões como se fossem atos muito naturais.

Não é apenas a Câmara Distrital do DF que adotou como prática a edição de leis que transgridem a Constituição e a subserviência de resultados, em nome de seus interesses imediatos.

No Congresso Nacional, nas Assembleias e Câmaras Municipais Brasil afora ocorre o mesmo. A maioria que se comporta como mercadoria - em todos os governos - impede investigações, produz artificialmente resultados convenientes à chefia e está sempre disposta a prestar quaisquer serviços mediante a distribuição de benesses.

O gesto do procurador não soluciona o problema, mas joga luz sobre a questão.

Deslustre

Depois de 140 dias de imposição de censura ao Estado, o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado desistiu da ação contra o jornal, a fim de reafirmar, com o gesto, seu apreço pela liberdade de imprensa.

Pena que o Poder Judiciário tenha deixado passar a oportunidade de condenar a agressão ao Estado de Direito e com isso evitado o regozijo do cinismo.

O limbo

Enquanto puder, José Serra esticará a oficialização da candidatura ao máximo. Pelas razões já expostas - não quer antecipar o confronto com Lula, quer completar o período regulamentar de governo até o prazo de desincompatibilização etc. -, mas também por um motivo de caráter prático.

Serra argumenta que até a convenção oficial do partido não há nada de objetivo que um candidato possa fazer. A campanha é proibida pela legislação eleitoral e o eleitorado ainda não está devidamente engajado na disputa.

As articulações políticas não contam, porque essas já estão sendo feitas há muito tempo e ocorrem longe dos olhos do público.

Em 2006, quando deixou a prefeitura em abril para ser candidato ao governo do Estado, Serra operou o estômago e passou um mês de molho sem que isso tivesse qualquer efeito sobre a campanha.

Máscaras

Aécio Neves assumiu a desistência alegando que não estava mais disposto a sustentar uma "falsa candidatura".

José Serra, em sua resistência de assumir, sustenta agora uma falsa não-candidatura.

Gato escaldado

Desde o estouro do escândalo, o governador José Roberto Arruda só faz reuniões na ausência de telefones celulares.

Todos os assessores e secretários são obrigados a deixar os aparelhos do lado de fora da sala, aos cuidados de um guardião.