sábado, novembro 21, 2009

Os absurdos do sistema eleitoral brasileiro

"Obama não teria vez"

Fernando Cavalcanti
Antonio Lavareda: "O lulismo tem semelhanças com o varguismo, o peronismo e o chavismo"


A legislação brasileira permite que os governantes façam campanha no rádio e na TV desde sua posse. Já a oposição só dispõe do mês e meio que precede a eleição. Se as mesmas regras estivessem em vigor nos Estados Unidos, um senador desconhecido e em primeiro mandato como Barack Obama jamais chegaria à Presidência, como ocorreu no ano passado. A conclusão é do sociólogo Antonio Lavareda, de 58 anos. Com uma bagagem de 76 campanhas políticas acumuladas desde 1985, ele já analisou 5 000 pesquisas de intenção de voto e é considerado um dos maiores estrategistas do país. Nesta semana, lança Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais (Editora Objetiva), no qual disseca as eleições ocorridas nos últimos vinte anos. Recém-filiado ao PSDB, para tentar se candidatar ao Parlamento do Mercosul, Lavareda falou ao editor Felipe Patury e à repórter Sandra Brasil sobre o livro e as perspectivas políticas para 2010.

O NOVO ELEITOR
O brasileiro está mais educado. Desde a redemocratização, o analfabetismo caiu pela metade e o número de pessoas com mais de oito anos de estudo duplicou. O eleitor também está mais experimentado. Uma pessoa de 42 anos pode já ter votado sessenta vezes. Portanto, é mais exigente. Em 1989, um dos fatores apontados nas pesquisas para a escolha de Fernando Collor era o fato de ele ser novo na política. Isso não ocorre mais, porque o eleitor passou a exigir experiência e biografia.

DESVIOS DA LEGISLAÇÃO ELEITORAL
As leis eleitorais estão repletas de absurdos. Um exemplo: uma mesma coligação dará ao seu candidato a prefeito um tempo de TV cinco vezes maior do que ao que postula a Presidência. Isso acontece porque quem disputa o Planalto divide o tempo de TV com quem concorre a governador, senador e deputado. Os candidatos a prefeito não o dividem com ninguém. Outro: cantores não podem mais aparecer nas campanhas. Se essa regra valesse em 1989, perderíamos uma das peças mais bonitas do nosso marketing político: o coral do Lula lá. O pior é a restrição do período de campanha eleitoral, que prejudica as oposições. Os governantes fazem propaganda desde que tomam posse. Já a oposição só tem um mês e meio para se apresentar. Se fosse assim nos Estados Unidos, Barack Obama não seria presidente. Senador de primeiro mandato, ele simplesmente não conseguiria se tornar conhecido. O ideal seria acabar com o programa eleitoral gratuito e distribuir seu tempo em comerciais que seriam veiculados por um prazo mais estendido.

Antonio Ribeiro
Collor e Lula, em 1989
Os mais pobres foram decisivos na eleição do primeiro, há vinte anos, e do segundo, em 2006



POLARIZAÇÃO
Depois da Constituição de 1988, esperava-se que houvesse um grande número de candidatos no primeiro turno das eleições e que as alianças ficassem para o segundo turno. O efeito foi o contrário. As pesquisas introduziram uma lógica de viabilidade eleitoral no início do processo. Já no primeiro turno, o brasileiro leva em conta não só sua preferência como a rejeição que sente em relação a outros candidatos. Isso contribuiu para diminuir o número de candidaturas. Na eleição de 1989, havia 21 nomes no primeiro turno. Em 2006, foram oito, dos quais só o presidente Lula e o tucano Geraldo Alckmin eram competitivos.

LULISMO
Dos partidos brasileiros, o PT é o que tem a maior taxa de preferência: entre 25% e 30% do eleitorado. O lulismo é ainda maior. Não chega aos 82% de aprovação de Lula, mas alcança 55% da população. Faço essa estimativa com base nos votos que ele teve no primeiro turno de 2006. O lulismo é fruto da fragilidade partidária. Nesse contexto, os líderes carismáticos assumem um papel que é dos partidos: traduzir a política. O lulismo tem semelhanças com o varguismo, o janismo e o malufismo. Também se parece com o peronismo argentino e o chavismo venezuelano.

CLASSE C
A classe média emergente encorpou na gestão Lula. Ninguém sabe ainda qual será seu comportamento político. A tendência é que assuma os valores da classe B. Mas, em 2010, pode ser que ainda aja como as classes D e E. Mesmo que isso ocorra, não é seguro que ela modifique a eleição presidencial. Todas as classes sociais votaram de forma semelhante em 1994, 1998 e 2002. Nessas ocasiões, os vitoriosos ganharam em todos os segmentos de renda e escolaridade. Só houve alteração em 1989 e 2006. Em 1989, Collor perdeu na faixa superior a cinco salários mínimos e entre os que tinham chegado ao ensino médio. Em 2006, Lula perdeu entre os que ganhavam mais de dez mínimos e chegaram à universidade.

OS TEMAS DE 2010
O tema da campanha de Dilma Rousseff, do PT, está claro: a continuidade. Ciro Gomes (PSB) seguirá nessa linha. O tema de Marina Silva (PV) será o desenvolvimento sustentável. O que está em aberto é qual será o norte do PSDB, que só poderá ser definido quando o partido resolver se seu candidato será o governador paulista José Serra ou o mineiro Aécio Neves. O candidato tucano será o anti-Lula ou o pós-Lula? O interessante é que o PSDB nem sempre disputa com seu nome mais forte. Em 2002, Serra era fraco, porque era identificado com Fernando Henrique Cardoso, que tinha muita rejeição. Era preferível que apoiasse alguém de um partido aliado. Em 2006, Serra era o mais forte, mas o candidato foi Alckmin. O PSDB perdeu de novo. ■