sábado, novembro 21, 2009

O Original de Laura, de Nabokov

Rascunhos de gênio

A publicação de um romance incompleto de Vladimir Nabokov causa
polêmica. O esboço, porém, em nada diminui a estatura do escritor


Jerônimo Teixeira

Horst Tappe/hulton Archive/Getty Images
EXILADO NO ESTILO
Vladimir Nabokov: nascido na Rússia, o autor de Lolita foi um dos maiores escritores americanos do século XX


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Ao morrer na Suíça, em 1977, aos 78 anos, de infecção generalizada, Vladimir Nabokov deixou inacabado o romance em que vinha trabalhando nos últimos dois anos. A viúva, Vera, tinha instruções para destruir os esboços da obra, mas preferiu guardar os manuscritos no cofre de um banco suíço. Vera morreu em 1991. Dmitri, filho único do casal Nabokov, herdou o dilema da mãe: o que fazer com aquelas fichas anotadas a lápis? Neste ano, finalmente, o septuagenário Dmitri decidiu-se a publicar O Original de Laura (tradução de José Rubens Siqueira; Alfaguara; 304 páginas; 59,90 reais), que também está chegando às livrarias brasileiras. Houve quem considerasse a atitude uma traição à vontade soberana de Nabokov, um esteta da língua inglesa (ainda que russo de nascimento). Mas autores da estatura de Nabokov - um clássico inconteste do século XX - já não pertencem a si mesmos: os escritos que eles deixam devem, sim, ser publicados e celebrados.

Nos anos 40, escapando ao comunismo em seu país natal e ao nazismo na Europa continental, Nabokov estabeleceu-se nos Estados Unidos. Foi quando começou a escrever em inglês, com um domínio estilístico inalcançável para muitos escritores nativos. Atingiu a celebridade com o escandaloso Lolita, de 1955, que narrava a paixão pervertida de Humbert Humbert, um homem de meia-idade, pela personagem-título, de tenros 12 anos. Depois, viriam outras tantas obras-primas, como Pnin, Fogo Pálido e o autobiográfico Fala, Memória. Por seu caráter embrionário, Laura (cuja edição inclui fac-símiles do manuscrito, para delícia dos fetichistas literários) não pode ser comparada a essas obras.

Das notas que Nabokov deixou, depreende-se um enredo surreal: Philip Wild, dublê de neurologista e escritor, descobre um método para apagar partes do próprio corpo com a força do pensamento - seria o "suicídio transformado num prazer". Em um episódio da infância de Flora, a esposa adúltera de Philip, aparece um abusador frustrado chamado Hubert H. Hubert, ecoando o protagonista de Lolita. E, como em outras criações de Nabokov, esse é um livro sobre outros livros virtuais: Philip está escrevendo um romance, e um amante de sua mulher publicou um roman à clef baseado no seu caso com Flora. Alguns dos primeiros comentaristas na imprensa inglesa e americana têm se referido à obra incompleta com constrangimento, como se ela diminuísse o gênio de Nabokov. Bobagem: mesmo que fosse uma porcaria - e não é -, não roubaria o escritor de suas impressionantes realizações anteriores. Desconjuntado como ficou, O Original de Laura ainda traz algumas das melhores páginas já publicadas neste ano.