quinta-feira, junho 25, 2009

CARLOS ALBERTO SARDENBERG Dinheiro dado

O Globo - 25/06/2009
 

Primeiro, o presidente Lula disse que estava pensando em tornar permanente a redução de imposto (IPI) para automóveis, caminhões e eletrodomésticos.


Depois, nesta semana, disse que, em vez de reduzir impostos, era melhor cobrá-los e distribuir dinheiro aos pobres.

Bobagem tentar encontrar coerência entre as duas afirmações ou adivinhar qual a posição de verdade do governo.

O presidente não é dado a essas preocupações.

Ele fala o que lhe dá na telha, conforme o momento.

Pode-se dizer, porém, que sua percepção básica está na segunda afirmação.

Se há algo que Lula mantém desde os tempos de oposição é essa fé na ação do Estado e do governo, combinada com uma desconfiança em relação à atuação dos empresários em geral.

As circunstâncias o levaram a manter a política econômica herdada, assim como o induziram a topar privatizações (estradas e usinas hidrelétricas, por exemplo), mas sempre a contragosto.

A crise e a intervenção dos governos pelo mundo afora, inclusive nos EUA, deram a Lula a oportunidade de voltar ao tema, naquela sua maneira: "Estão vendo? Agora todos jogam fora aquela bobagem neoliberal ..." O curioso é que dar dinheiro aos pobres é uma ideia de economistas liberais ou conservadores. Diante da questão — como ajudar os pobres? —, esses economistas rejeitavam a ideia de o governo, diretamente, entregar comida, roupas ou casas.

Achavam que se formaria uma enorme burocracia, que acabaria não chegando aos pobres. Melhor, mais simples, entregar o dinheiro, supondo que cada família saberia o que fazer.

Na origem, portanto, tratava-se de propor menos Estado. Na versão Lula, é mais Estado, pois o presidente entende que o governo deve fazer tudo, dar o dinheiro e tudo o mais, inclusive obras e financiamentos públicos.

Para isso, claro, precisa arrecadar muito imposto.

O problema é que o governo brasileiro já é um campeão de carga tributária.

Também é um campeão de gastos há muitos anos. Em muitos outros países, faz sentido afirmar: na crise, diante da falência do setor privado, o governo vai aumentar seus gastos.

No Brasil, porém, o governo já vinha gastando muito e, sobretudo, aumentando seus gastos muito antes da crise e gastando quase tudo em custeio, salários e aposentadorias. Até faz sentido dizer que não é o momento de o governo reduzir suas despesas, mas certamente faz sentido uma redução geral dos impostos que asfixiam empresas e pessoas.

Diz o presidente que o governo deixou de arrecadar R$ 40 bilhões com a derrubada da CPMF e "não se viu melhora na economia".

Um imposto sobre transações financeiras se espalha por toda a economia, não existe um ponto onde sua retirada possa ser exclusivamente medida.

Mas é evidente que R$ 40 bilhões nas mãos das empresas e das pessoas tiveram destinação muito melhor do que, por exemplo, o governo contratar pessoal e aumentar salários, a despesa que mais cresce neste ano.

Ou seja, com crise ou sem crise, a elevadíssima carga tributária e o maluco sistema de cobrança formam o maior problema da economia brasileira hoje.

À moda Lula...

Do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em entrevista ao "Estadão" de domingo passado: "... O excesso de valorização (do real) é uma preocupação, mas estamos comprando reservas.

Foi uma estratégia que introduzimos no governo a partir de (março) 2006, quando me tornei ministro da Fazenda. Foi uma das primeiras questões que levei ao presidente Lula e ao Henrique Meirelles..." Comunicado do Banco Central, em 6 de janeiro de 2004, dois anos e dois meses antes da posse de Mantega: "(…) O BC não se compromete a alcançar nenhuma meta específica, embora tenha por objetivo aumentar as reservas do país. A política de compra de divisas, que terá início amanhã, será pautada primordialmente pelas condições de liquidez existentes a cada momento e terá como objetivo não adicionar volatilidade ao mercado cambial nem interferir na tendência de flutuação da taxa de câmbio... O processo que está sendo iniciado deve ser entendido, portanto, como um esforço de recomposição de reservas no contexto de um regime de metas de inflação com câmbio flutuante".