sábado, abril 25, 2009

Entrevista: Abilio Diniz "O pior da crise já passou"


O empresário Abilio Diniz, dono do Grupo Pão de Açúcar,
diz que os brasileiros estão mais racionais na hora de
gastar, mas aposta que o país logo vai se recuperar da crise


Monica Weinberg

Edu Lopes

"Vivemos um momento em que nenhuma estratégia de vendas será tão eficiente quanto estampar a palavra ‘oferta’ ao lado de um produto"

Poucos empresários no Brasil observaram tão de perto as mudanças no varejo e nos hábitos de consumo dos brasileiros quanto Abilio Diniz, 72 anos, dono do Grupo Pão de Açúcar. Ele está no ramo desde os 19 anos, quando ingressou como gerente de vendas na empresa fundada pelo pai, Valentim Diniz, em 1948. Depois de comandar o grupo por oito anos, Abilio passou a ocupar, em 2003, a presidência do conselho – de onde continua a apitar em tudo. Sua visão em relação à crise atual (uma de várias que testemunhou) é otimista. Ele está respaldado nas próprias vendas, que subiram quase 10% neste ano, e na crença de que os fundamentos macroeconômicos do país são bons. "Há uma solidez que torna o Brasil menos vulnerável", diz Abilio, pai de cinco filhos (entre eles, uma menina de 2 anos) e casado, pela segunda vez, com uma mulher 35 anos mais jovem.

Quais são os efeitos mais evidentes da crise nos supermercados? O preço passou a pesar muito mais do que antes. Pode-se dizer que esse é hoje o fator decisivo para a compra. Uma mudança fundamental em relação ao cenário pré-crise. Até há pouco, as pessoas buscavam, em primeiro lugar, uma loja bem localizada e que conferisse a sensação de segurança. Valorizavam a comodidade. Era o que aparecia em nossas pesquisas e o que dizia qualquer cartilha moderna sobre o comportamento dos consumidores no supermercado. Isso em todas as classes sociais. A crise nos fez reverter à velha lógica. Vivemos um momento em que nenhuma estratégia de vendas será tão eficiente quanto estampar a palavra "oferta" ao lado de um produto.

As pessoas estão optando por artigos mais baratos? Períodos de crise são extraordinários para o sucesso de marcas menos conhecidas. Enquanto elas ganham terreno, as líderes perdem. Ainda que os números não estejam consolidados, essa é, sem dúvida, a tendência atual. Mas não a única. Na crise, há quem tenha reação justamente contrária no supermercado, sobretudo nas classes mais altas. Forçadas a adiar a compra de bens mais caros, como um carro, ou mesmo se privar de um bom restaurante, essas pessoas se oferecem certos agrados, do tipo trocar queijo prato por brie. Funciona como uma espécie de recompensa. O balanço final é que as vendas nos supermercados crescem, apesar da crise. No nosso caso, o aumento foi de quase 10% neste ano.

"Deixar o comando do grupo foi uma decisão pragmática, mas exagerei na dose e acabei me afastando demais. Errei. Hoje, preciso ser convencido de que uma ideia faz sentido antes de ela ser levada adiante"

A reação à crise varia de acordo com a faixa de renda? A classe A foi a que mais deu sinais de ter sentido a crise, logo que a situação piorou. Muita gente ali perdeu dinheiro. Essas eram, também, as pessoas mais bem informadas. Mesmo que nem todas tenham empobrecido, sempre estiveram sob o efeito psicológico da crise. É o que explica o fato de terem se tornado mais criteriosas em relação a dinheiro num momento em que tantos brasileiros se viam ainda alheios à crise. A esta altura, todo mundo já entendeu a extensão do problema e está mais conservador na hora de gastar.

O senhor chegou a afirmar que alguns empresários tomaram decisões equivocadas e, por isso, hoje sentem mais os efeitos da crise. Onde, exatamente, estava o erro? Esta é uma crise originária do setor privado e deve se encerrar nele. Muitas empresas estavam vivendo, havia pelo menos duas décadas, em um mundo artificial, época da ganância do setor financeiro, em que prevalecia a filosofia do dinheiro fácil, rápido, produto da especulação. Acredito que esse mundo não tenha volta. Felizmente. O fim da crise depende, afinal, da compreensão de que terminou esse tempo do dinheiro fácil, em que os negócios eram administrados sobre bases irreais. Ocorreu com empresas de diversos países, inclusive com as brasileiras.

Seria o caso da Aracruz ou do Grupo Votorantim, que apostaram na valorização do real perante o dólar? Prefiro não dar os nomes, mas amplio minha crítica. Alguns donos e controladores de empresas supervalorizaram o poder de seus CEOs e se eximiram das responsabilidades que também eram suas na tomada de decisões importantes. Acreditaram que bastava distribuir bônus milionários aos melhores executivos que eles se encarregariam, sozinhos, do sucesso do negócio. Permaneceram distantes demais – um grande equívoco.

Mas o senhor também se manteve longe das decisões de sua própria empresa... Sim, cometi o mesmo erro em certo momento. Sair do comando do grupo foi uma decisão pragmática, mas acabei me afastando demais. Sabia que precisava profissionalizar a empresa e que não dava para fazer isso sem mudar a minha posição. Naquela época, éramos conhecidos no mercado como "a empresa de um rosto só". Lisonjeiro, mas pouco realista para fazer o negócio durar. Em 2003, deixei de estar à frente dos negócios e passei a ocupar o cargo de presidente do conselho. Nesse processo, meu grande equívoco foi ter dado liberdade desmedida para os executivos. Quando me dei conta, voltei atrás.

Então, apesar de não ter mais o cargo de presidente, hoje é o senhor que manda, de fato, na empresa? No momento em que o Claudio Galeazzi (atual presidente do grupo) assumiu, em 2007, instituí outro sistema. Antes de bater o martelo sobre qualquer questão relevante, ele precisa me convencer de que faz sentido. Se não for bem-sucedido, levo o caso para a apreciação do conselho. Lá, a ideia pode ser barrada. Acredito que o poder de um presidente deve ser sempre relativo, seja no comando de um país, seja no de uma empresa. Acho que consigo, no entanto, dar a liberdade necessária para que comandem a minha empresa.

Cássio Casseb (à frente do Pão de Açúcar entre 2006 e 2007 e ex-presidente do Banco do Brasil) disse, em entrevistas, que o senhor sofre ao compartilhar a tomada de decisões em sua empresa. É verdade? Essa pessoa passou dois anos aqui sem entender o que era a empresa. Não tenho, nem de longe, tal sofrimento, como também não foi doído abrir mão do cargo de presidente. Profissionalizar o Pão de Açúcar era imperativo para o sucesso do negócio. Do contrário, não sobreviveria. Posso afirmar também que, depois de trinta anos me consultando com psicanalistas, cheguei a um bom grau de entendimento sobre essas coisas.

Foi difícil profissionalizar a empresa? Nunca é um processo fácil e sempre há erros pelo caminho. Um dos nossos foi ter demitido milhares de pessoas. Não apenas porque tiramos gente competente dos nossos quadros, o que não é bom, mas principalmente porque a maior parte delas saiu das lojas. Resultado: o nível do serviço, que é essencial para o sucesso de um negócio como o meu, caiu. Seria mais inteligente ter feito o inverso: investido no atendimento, para que os clientes voltassem. Parece básico, mas, num momento em que um ajuste se torna necessário, às vezes é difícil tomar a melhor decisão.

Como é a relação com os franceses do grupo Casino, com quem o senhor mantém sociedade há dez anos? Eles têm cadeira no conselho do Pão de Açúcar e eu também participo lá. Mas dou muito mais opinião sobre os negócios deles do que os franceses sobre o nosso. O Casino está particularmente interessado em nosso sistema de tecnologia da informação e também em nosso modelo de distribuição. No Brasil, ninguém sobrevive no meu ramo sem se especializar em logística, e os franceses sabem disso. A contribuição deles está mais nos detalhes. Um exemplo? Passamos a vender produtos da marca própria Casino, que fazem grande sucesso – e ajudam a reforçar a ideia de um supermercado mais chique. Os brasileiros adoram produtos importados. Mas o que me fez ir atrás do Casino foi a busca por capital. Era preciso mais dinheiro para crescer e continuar na briga.

"A competição no Brasil é dura. Basta dizer que convivemos há mais de trinta anos com o Carrefour, uma das maiores redes de supermercados do mundo. Sua presença nos forçou a avançar. Do contrário, seríamos engolidos"

A competição é dura no mercado brasileiro? Sempre foi. Basta dizer que convivemos há mais de trinta anos com o Carrefour, que por muito tempo foi o número 1 entre as redes de supermercados no mundo. Tenho consciência de que sua presença no Brasil nos forçou a avançar, do contrário seríamos engolidos. Competir é, também, um exercício de humildade. Nunca tive problemas em absorver o melhor dos meus concorrentes. Ao contrário. Se o que eles fazem é bom, por que não copiar?

O Pão de Açúcar esteve no topo do ranking brasileiro de supermercados durante oito anos seguidos. Recentemente, perdeu o lugar para o Carrefour. Isso o abalou? É claro que o primeiro lugar é sempre bom. Quem não gosta de estar no topo? Competi a minha vida inteira e não fiz isso pelo espírito olímpico. Mas a questão central é que estar hoje na frente ou no segundo lugar desse ranking não significa muito. Estamos falando de um patamar de vendas semelhante, que é o que importa. Quando os números não são satisfatórios, aí, sim, é sofrido. Na década de 90, o Pão de Açúcar quase faliu, e passei por um dos piores momentos da minha vida. Foi na mesma época em que briguei com dois de meus irmãos. Depois que comprei a parte deles e assumi o comando da empresa, em 1994, os dois passaram anos sem falar comigo.

E o episódio do sequestro, o senhor superou? Foi traumático. Fiquei enterrado dentro de um caixote apertado, durante sete dias, à base de bolacha e água. Não via muitas chances de sair vivo. Um amigo meu tinha passado por um sequestro pouco tempo antes e permanecido em cativeiro durante 65 dias. Seria impossível ficar vivo por tanto tempo naquela caixa. Quando fui libertado, passei a andar sempre cercado de seguranças, o que até então me recusara a fazer. Achava, ingenuamente, que jamais alguém se meteria comigo. No começo, estranhava a presença deles. Hoje, faço o que mandam. Mas me sinto privado de liberdade. Quando vou trabalhar na França, adoro. Lá me sinto livre. Ando na rua e entro em loja sem ter ninguém do meu lado. Só minha família, se quiser.

Aos 72 anos, o senhor voltou a ser pai. Que tal a experiência? Ter uma filha de 2 anos a esta altura da vida só aumentou minha obsessão por envelhecer em bom estado. Faço tudo para evitar, um dia, escutar algo do gênero: "Quem é aquele velhinho que veio pegar a Rafaela na escola?". É bom lembrar que também tenho uma mulher de 37 anos. Para quem está numa situação como a minha, só resta uma opção: fazer muito esporte. E isso eu faço. Treinamos três horas por dia.

Não é a primeira vez que o senhor se refere a si mesmo no plural... Não tenho pretensões políticas. É que somos sempre uma equipe mesmo. No caso do treino, ela é composta de um especialista em nutrição e outro em esportes.

Com a crise, a decisão do Pão de Açúcar foi pisar no freio em relação a novos investimentos? No ano passado, deixamos de investir 300 milhões de reais do que estava previsto. Foi por precaução. Mas estou mais otimista para 2009. O Brasil se apoia em fundamentos macroeconômicos bastante sólidos, o que deixa o país menos vulnerável do que outros. O Banco Central está no rumo certo ao se decidir pela queda nas taxas de juros. Falo com o presidente Lula com boa frequência e posso dizer: o astral dele está sempre ótimo.

Objetivamente, o senhor manterá o plano de expansão para sua empresa traçado antes da crise? A princípio, sim. Temos 1,7 bilhão de reais em caixa, o que nos favorece muito num momento em que o crédito está mais caro e escasso. Pretendo abrir, ainda neste ano, mais 100 lojas e ganhar espaço no mercado durante a crise. Não acredito que surgirão fatos novos e, ainda que isso ocorra, será um pouco mais do mesmo que vivemos hoje. Além disso, há sinais de retomada da economia em países como Estados Unidos, China e Brasil. Estou convicto de que o pior da crise já passou.