sábado, fevereiro 28, 2009

Míriam Leitão Ousadia de Obama


Já começou a guerra no Congresso americano contra as mudanças que o governo Barack Obama incluiu no Orçamento. Há, na reordenação de despesas, propostas inovadoras e mudanças radicais de rumo. Mas as críticas começaram e os lobistas iniciaram sua pressão. Disposto a não deixar um dia sem novidade, Obama anunciou ontem a retirada das tropas do Iraque.

Ele tinha avisado que subiria o imposto dos ricos e dos derivados de petróleo. E fez isso. É a revogação da renúncia fiscal promovida por George W. Bush. A boa notícia para nós, do corte do subsídio agrícola, já está mobilizando a bancada ruralista de lá. Em compensação, os defensores da energia solar e de vento se armam em defesa dos fortes investimentos no setor. Mas a ousadia maior do Orçamento é em relação à mudança climática.

Na verdade, é uma aposta. Obama incluiu receitas que terá com um novo sistema de limite de emissão de carbono e com a cobrança de quem emitir acima daquele limite. Há várias propostas sobre isso tramitando no Congresso americano. O que Obama fez foi apostar que o sistema será criado, e que uma lei será aprovada por deputados e senadores. E já cria despesas com base no que arrecadará. Assim, ele consegue mais aliados para uma causa revolucionária: incluir os Estados Unidos dentro do clube dos países que, por lei, impõem um teto declinante às emissões dos gases de efeito estufa; e muda radicalmente a posição americana em relação ao aquecimento global. O que parecia tão distante na era Bush está agora escrito na proposta de Orçamento. Será fácil? Certamente não, mas uma das delícias da democracia é ver o voto mudando as escolhas feitas por um país.

As ousadias de Obama têm contas a acertar com a realidade fiscal. Difícil conciliação, aliás. O déficit é gigantesco, como se viu, e a dólares de hoje pode-se concluir que é equivalente ao PIB somado de um Brasil e duas Argentinas. Em porcentual do PIB deles, passa de 12%. Mais do que o déficit, o que impressiona um defensor da austeridade como o “Wall Street Journal” é o salto nas despesas. O jornal alerta que elas pulam de 21% para 27% do PIB.

Claro, houve uma crise econômica, um colapso bancário e um estouro de bolha imobiliária herdados do governo anterior. Isso, sim, uma real herança maldita! O problema é que o governo, no documento que enviou ao Congresso, projeta que o país, neste ano, vai ter uma queda do PIB de 1,2%, mas que em 2010 vai crescer 3,2% e daí para diante 4%. E se não for assim tão fácil? Ontem mesmo apareceu o terrível número do PIB do último trimestre de 2008: 6,2% de queda. Se o país não se recuperar tão rápido, a previsão de que o déficit voltará a 3,5% do PIB em 2012 não se realiza.

As contas só fecham se a economia retomar o crescimento. Para que a economia retome o crescimento, é preciso remover uma pedra no meio do caminho: o colapso bancário. Ontem, novo choque de realidade foi dado logo cedo, quando o governo oficialmente virou o maior acionista do Citibank, com 36% do capital votante, e as ações despencaram instantaneamente, chegando a uma queda de 42%. Há uma pedra no meio do caminho de Barack Obama, diria o nosso poeta, e é daquelas imensas pedreiras.

Ontem mesmo, Obama anunciou seu plano de retirada das tropas do Iraque. Ele projetou um declínio importante dos gastos de defesa, mas, evidentemente, a retirada de tropas custa dinheiro. Aliás, será, do ponto de vista logístico e de segurança, um desafio. Mas o que houve nas últimas horas foi o gigante americano fazendo uma movimentação dramática: de reduzir a ênfase no orçamento militar para aumentar os gastos com saúde, novas energias, educação.

É previsível que haja em torno desse Orçamento a mais ferrenha batalha que se viu em tempos recentes. Ele mexeu com interesses demais. Os republicanos, que sustentaram governos que produziram déficits fiscais, já estão falando no déficit como se fossem puros fiscalistas. As críticas terão apoio de quem vai pagar mais imposto, das empresas que terão suas emissões de carbono taxadas e dos sinceramente convencidos de que a equação fiscal de Obama se equilibra em base frágil.

Não há ilusão: o que sairá será diferente do que foi proposto, mas o envio da peça orçamentária foi precedido por aquele discurso do presidente no Congresso, na última terça-feira, em que ele explicou as opções que fez. O roteiro do documento é claro, por isso foi fácil entender as decisões. Lá também há despesas obrigatórias, mas elas ocupam espaço menor do Orçamento. Lá há também emendas. Mas os temas que estão dominando o debate são as escolhas das políticas públicas.

No Brasil, o Orçamento é engessado, escrito de forma incompreensível, a barganha das emendas apaga o debate sério das políticas públicas e, no fim, ele nem é cumprido, porque as despesas são contingenciadas e os gastos decididos na boca do caixa, por critérios muitas vezes obscuros. Um Orçamento que reflita a vontade do eleitor, que seja entendido, e cumprido, é uma das bases da democracia. Afinal, para isso se organizou o Estado: para que ele recolhesse os impostos e os redistribuísse segundo a vontade do cidadão.