domingo, agosto 31, 2008

''A riqueza do pré-sal depende do tamanho dos investimentos''

Entrevista

Luiz Paulo Vellozo Lucas: deputado (ES); para o deputado tucano, as descobertas das reservas gigantes na Bacia de Santos são fruto da Lei do Petróleo, de 97

Christiane Samarco, BRASÍLIA

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O debate sobre as reservas do pré-sal não deveria tratar de receitas e gastos, mas de investimentos. O alerta é feito pelo ex-prefeito de Vitória (1996-2004) e deputado federal Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES). Ele fala com a autoridade de quem participou, como alto funcionário do BNDES, no início dos anos 90, dos primeiros estudos sobre a regulação do mercado de petróleo e gás e do modelo que transformaria a Petrobrás numa potência investidora e líder do mercado depois do monopólio quebrado - o que foi feito no primeiro mandato do governo Fernando Henrique (1995-1999).

Vellozo Lucas diz que o governo está produzindo desconfianças desnecessárias entre os investidores privados e desvalorizando o trabalho e as ações da Petrobrás. O poder da estatal, afirma, deve ser controlado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), mas desde que o governo não use politicamente o órgão regulador.

Qual é a sua avaliação sobre o debate em torno das reservas do pré-sal?

Acho que o governo está conduzindo muito mal o debate. Desde descoberta de Tupi, no ano passado, e da retirada dos 41 campos próximos a Tupi da nona rodada (de leilões da ANP), o governo vem bombardeando sociedade com ameaças de mudanças regulatórias, fala em adequação do modelo e diz que as gigantescas reservas pertencem ao povo brasileiro. As reservas já pertencem ao povo, como está na Constituição. Esse negócio de ficar dizendo que o pré-sal precisa gerar riqueza para o povo brasileiro é má fé. Não é só desinformação.

O governo e seus porta-vozes dizem que é fundamental saber se a riqueza ficará com o Estado ou irá para o balanço das empresas?

A riqueza entra no balanço das empresas para remunerar os investimentos, como se aprende no curso básico das escolas de Economia. A remuneração do Estado se dá na forma dos bônus, royalties e participações especiais. Só haverá investimento se houver remuneração. Quem compra ações da Petrobrás é um investidor, e ele compra porque a empresa gera dividendos e lucros.

Por que o sr. defende que não se mexa no modelo atual, que é baseado na Lei 9.478, de 1997, mesmo diante das descobertas do pré-sal?

De todas as reformas estruturais feitas no País, a do setor de petróleo, foi a mais espetacularmente bem sucedida. Produziu o sucesso da reestruturação competitiva do setor de petróleo e gás. E a prova do sucesso absoluto do modelo são as descobertas do pré-sal.

O que foi que Lei de 1997 fez de tão espetacular?

O setor de petróleo e gás era 2% do PIB, e hoje representa 10%. O Brasil produzia 800 mil barris de petróleo/dia, dez anos depois a produção/dia saltou para 1,9 milhões de barris. Não produzia nada de gás, e hoje são 62 milhões de metros cúbicos/dia. O Brasil tinha uma empresa de petróleo operando no mercado, a Petrobrás, e hoje são 71 empresas. Há dez anos, os investimentos eram do tamanho da capacidade da Petrobrás, da ordem de R$ 4,5 bilhões, mas em 2007 os investimentos ficaram na casa dos R$ 25 bilhões: em torno de R$ 5 bilhões do setor privado e cerca de R$ 20 bilhões da Petrobrás.

Mas não precisa mudar nada, mesmo diante da nova realidade das reservas?

É claro que tem de fazer ajustes. Todo mundo acha que pelo nível atual dos preços, pelo gigantismo das reservas, e pela redução do risco exploratório, a parte que cabe ao Estado brasileiro pode aumentar muito. Mas esqueçam a nova estatal. Isso é coisa de quem está querendo um Ministério do Petróleo.

Dá para aumentar a parte da União e manter investimentos sem a nova estatal?

Não há nenhum ajuste que não possa ser feito dentro do marco regulatório da Lei do Petróleo (9.478/1997). Adaptações precisam ser feitas para que o Estado brasileiro participe da rentabilidade desse negócio nas proporções justas, que permitam os investimentos. Mas nada disso precisa de contrato de partilha nem de nova estatal. As multinacionais preferem contrato de partilha onde tem risco político, como no Iraque. É modelo mais primitivo que concessão, que dá mais segurança política, jurídica, contratual. Não há nada que o contrato de partilha faça que o contrato de concessão não permita. A remuneração do Estado se dá através de bônus - outorga que a concessionária paga no leilão. Quanto menos risco, maior o valor do bônus de assinatura. Isso foi inventado exatamente para permitir que a participação do Estado brasileiro possa se adaptar a níveis mais altos de rentabilidade, seja quando o preço sobe muito ou se descobrem novas reservas, que é exatamente o caso do pré-sal.

O governo argumenta que a Petrobrás só fica com 30% do lucro do que produz, que o resto fica com o capital privado, boa parte internacional.

A Petrobrás é uma operadora de petróleo, igual à Shell, à BG, à Galp etc. A remuneração do setor público não se dá pelos lucros da Petrobrás. Essa é outra confusão que o governo está fazendo. A missão da Petrobrás é ser empresa líder, o que inclusive dá segurança a seus parceiros internacionais, garante que não haverá no Brasil mutretas do tipo das que foram promovidas por Evo Morales na Bolívia.

E o argumento sobre o valor estratégico das reservas do pré-sal, o controle do óleo, se fica aqui ou pode ser exportado?

Petróleo vira riqueza na hora que é vendido. A agregação de valores é uma questão de política industrial. A discussão a partir dessas descobertas é como vamos mobilizar os investimentos necessários para aproveitar esse potencial de riqueza. Antes de mais nada, essa é uma discussão sobre investimentos, e não sobre receita e gastos. A riqueza de verdade virá dos investimentos públicos e privados que vamos mobilizar. O tamanho do setor depende do tamanho das reservas, mas depende principalmente do volume de investimentos que se consegue alavancar. Uma fazenda só vira riqueza se um produtor investir e plantar.

O governo não fez bem em retirar 41 blocos da nona rodada de leilões da ANP, porque estavam próximos do pré-sal de Tupi e outros campos?

Deixe lembrar o seguinte: as descobertas de Tupi foram da rodada de 2000, sete anos depois. Está lá a Petrobrás junto com a BG, a Shell, a Repsol, a Petrogal, a Galp. Não é só Petrobrás. Tem as empresas que em grande parte investem junto com a Petrobrás, que é quem melhor conhece o setor e quem mais conhece a exploração em águas profundas.

Esse debate que está enfraquecendo a Petrobrás?

A Petrobrás já foi enfraquecida quando falaram em desapropriação dos contratos dela. Isso é uma sandice. Serviu para George Soros (megainvestidor dos EUA) comprar um monte de ações a preço baixo. Foi para isso que serviu a especulação negativa feita pelo falatório do governo.

Há no governo muitas queixas contra a Petrobrás, que ela é uma empresa poderosa e que ninguém controla.

Se não controla, então vamos fortalecer a ANP, que está enfraquecida. A agência ficou sem diretor, a Fazenda contingência verbas que ANP necessita para pesquisa. O governo desmoralizou as agências desde o primeiro dia. Agora dizem que Petrobrás está forte demais?! Culpa do governo que não fez o que devia. É só deixar a ANP fazer o trabalho dela, colocar gente competente lá, gente que sirva ao Estado brasileiro, e não a governo ou partido político.

O sr. quer dizer que a Petrobrás está agindo no vazio da ANP?

Na fraqueza normativa do Estado regulador. O governo do PT não acredita no Estado normativo. Contribuiu para desmoralizar o poder de normatização do Estado. Ele gosta de exaltar o papel do Estado produtor, provedor, quando o que é nobre na função do Estado não é lambuzar a mão de petróleo, mas fazer normas e regras para que o petróleo gere tecnologia, empregos, renda e impostos. O modelo é moderno. Quando foi criado, o presidente da ANP, Haroldo Lima era deputado (PC do B-BA) e esbravejava contra a Lei do Petróleo e o marco regulatório. Mas foram os "entreguistas", como ele dizia, que fizeram a auto-suficiência e a Petrobrás se internacionalizar para chegar à descoberta do pré-sal.

E o debate sobre a nova divisão dos royalties?

Esse debate dos royalties é parente do debate da reforma tributária e do pacto federativo. Nós, do PSDB, achamos que há dois debates. Estamos bem avançados em um, que é a questão do modelo, as adaptações da Lei do Petróleo e da exploração. O segundo é federativo porque trata da destinação dos recursos e não cabe misturar com o primeiro. Não vamos paralisar o setor porque os royalties não estão bem distribuídos. Se o governo federal acha injusto, que faça como fez o Espírito Santo, o único Estado que tomou a iniciativa de mexer no reparte. O governador Paulo Hartung (PMDB) pegou 25% dos royalties do Estado e distribuiu para os municípios que não têm petróleo, inversamente proporcional ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A União pode fazer o mesmo e distribuir parte da fatia que lhe cabe entre os Estados que não têm petróleo.


Quem é:
Luiz Paulo V. Lucas

Engenheiro de produção formado pela UFRJ, com pós-graduação em desenvolvimento econômico (BNDES) e economia industrial (IEI-UFRJ)

Eleito Prefeito de Vitória (ES) em 1996 e foi reeleito no ano 2000

Foi Secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda no governo FHC, entre 1995-96