sábado, julho 26, 2008

Os sem-terra em Genebra

O Estado de S. Paulo EDITORIAL,


"Se o governo não nos ouvir, vamos usar nossas táticas, que todos conhecem." Há um equívoco nessa frase do coordenador nacional de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Gilmar Pastorio, um dos seis representantes de "movimentos sociais" do setor rural que foram a Genebra acompanhar as negociações da Rodada Doha. O erro está na condicional "se o governo não nos ouvir", pois, mesmo que o governo as ouça - como tem feito invariavelmente -, essas entidades assemelhadas ao MST continuarão a usar, à exaustão, as táticas que todos conhecemos muito bem.

E que táticas são essas? São o desrespeito sistemático à lei: o esbulho possessório, a depredação de sedes de fazendas produtivas, a matança de animais, a destruição de material de pesquisa, a colocação de funcionários em cárcere privado, a ocupação de prédios públicos ou de empresas privadas, o bloqueio de rodovias e ferrovias, os saques e vandalismos praticados contra cabines de pedágio e um sem-número de formas de manifestação de violência, contra pessoas e patrimônios. Essa é a substância real desses movimentos.

A declaração do militante da Fetraf teve como pretexto a eventual aceitação, por parte da diplomacia brasileira, de algum acordo no âmbito da OMC sobre a liberalização do comércio agrícola. Entre outros assuntos, discute-se lá a redução das barreiras e subsídios concedidos a produtos agrícolas pelos países ricos - uma forma de protecionismo que tanto prejudica os países em desenvolvimento. Mas a fala do sr. Pastorio em Genebra se aplicaria a qualquer outro assunto. "Estamos aqui para atrapalhar e evitar a qualquer custo que haja um acordo." É que esses chamados "movimentos sociais" são visceralmente arredios a acordos, pois é do confronto que eles obtêm dividendos políticos, seja aparecendo na mídia, seja levando o governo às cordas.

O governo afirma de pés juntos que aumentou muito o número de assentados e realizou melhorias substanciais nos programas de crédito destinados a eles, construção de moradias e assistência técnica, dentro de seu plano de reforma agrária. Além disso, nunca antes, na História deste país, um presidente da República havia recebido em seu gabinete a diretoria de uma entidade fora da lei, como fez o presidente Lula, que chegou a colocar na cabeça o boné da entidade ilegal. Mas para o MST nada disso vale, pois "as políticas do governo nessa área são tímidas e ineficientes".

Agora, com as novas ameaças que faz, em razão do acordo que possa surgir na Rodada Doha, o MST e bandos coligados aspiram conquistar o status de grupos de pressão internacionais. Os bonés e bandeiras vermelhas da entidade ainda não apareceram nas sessões plenárias da ONU. Mas esses símbolos certamente serão desfraldados quando o MST cumprir a promessa de levar à Comissão de Direitos Humanos da OEA denúncias sobre as ações iniciadas contra ele pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Até agora impunes por todas as violências que praticaram, os militantes emessetistas classificam como intolerável "criminalização" a cobrança enérgica, que faz o Ministério Público gaúcho, de que sejam punidos os que cometeram o que a legislação define como crime.

Agora, poderão acrescentar à lista a denúncia mais bombástica contra a Justiça Federal de Marabá, no Pará, que, não podendo condenar o MST a pagar uma alta indenização à mineradora Vale, por descumprir decisão judicial que proibira a interdição da ferrovia de Carajás, pelo simples motivo de o MST "não existir" legalmente, encontrou uma forma de não deixar esse "movimento social" sem punição: condenou três de seus líderes, na região, a pagar multa de R$ 5,2 milhões, dentro de 15 dias. O MST havia fechado a linha férrea por duas vezes, no decorrer de 2007, impedindo o transporte do minério de ferro do Pará até o Porto de Itaqui, no Maranhão. Certamente os líderes condenados - Luis Salomé de França, Eurival Carvalho Martins e Raimundo Benigno Moreira - não terão patrimônio suficiente para arcar com essa indenização. Mas a decisão judicial é uma boa advertência aos líderes emessetistas - de que suas atitudes ilegais porão em risco, inclusive, o patrimônio que tiverem.