sábado, abril 26, 2008

As células-tronco e o tratamento de males do coração

As embrionárias é que curam

Pesquisa na área da cardiologia mostra a superioridade
das células de embriões sobre as adultas


Vanessa Vieira

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Uma equipe de pesquisadores do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra acaba de dar um passo decisivo para que as pesquisas com células-tronco embrionárias se convertam em tratamentos efetivos nas clínicas e nos hospitais. Pela primeira vez, eles conseguiram induzir uma célula-tronco embrionária humana a se transformar em três tipos específicos de tecidos cardíacos, todos importantes para o funcionamento do coração. O estudo é um avanço rumo aos transplantes de tecidos desenvolvidos em laboratório. Há muito tempo a comunidade científica sabe que as células-tronco embrionárias são capazes de se converter em qualquer um dos 216 tipos de célula do corpo humano. Isso faz delas, hoje, a principal esperança para tratar problemas tão distintos como diabetes e doença de Parkinson, ou para devolver os movimentos a pessoas paraplégicas ou tetraplégicas. Apesar disso, as pesquisas com células-tronco embrionárias continuam proibidas em muitos países, entre eles o Brasil. A alternativa que se oferece são os estudos com células-tronco adultas, com potencial infinitamente mais limitado no tratamento de doenças (veja o quadro).

Nas pesquisas com células-tronco embrionárias, o desafio consiste em dominar o processo pelo qual elas dão origem a cada tipo de tecido. Na prática, os cientistas ainda não sabem que comandos determinam se uma célula-tronco vai se transformar em osso, fígado ou sangue. Foi exatamente essa barreira que a equipe chefiada pelo geneticista Gordon Keller, do McEwen Centre for Regenerative Medicine, em Toronto, conseguiu driblar no caso de células cardíacas. Ao tratar as células-tronco embrionárias humanas com fatores do crescimento nas quantidades e nos momentos corretos, os cientistas descobriram que poderiam favorecer sua transformação nas chamadas células progenitoras cardiovasculares. Essas células progenitoras, por sua vez, são capazes de dar origem a qualquer uma das células especializadas do coração: os cardiomiócitos, as células da musculatura lisa dos vasos e as células endoteliais.

A segunda fase da pesquisa incluiu transplantar as células cardíacas criadas em laboratório para o coração de ratos com deficiência cardíaca. A função cardíaca dos ratos foi melhorada em 31%, sendo que nenhum dos animais transplantados desenvolveu tumores, o que é comum acontecer em experiências similares com células-tronco adultas reprogramadas para se comportar como embrionárias. Num estudo recente em que se tentou transplantar esse tipo de célula para 36 camundongos, dezesseis morreram e muitos desenvolveram tumores. O estudo da equipe de Keller é o quarto publicado desde o ano passado que demonstra que as células cardíacas derivadas de células-tronco embrionárias melhoram as funções do coração quando transplantadas para roedores com infarto. Para a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, o sucesso no desenvolvimento e no transplante de células cardíacas obtidas a partir de embriões mostra que a pesquisa com células-tronco adultas não substitui os estudos com células-tronco embrionárias, apenas os complementa. "As células-tronco embrionárias ainda têm muito a nos ensinar", ela diz. "Disso depende o futuro da medicina."




Foto: Photodisc
Certifica.com

Genética

Mayana Zatz

Geneticista e diretora do Centro
de Estudos do Genoma Humano (USP)
E-mail: mayanazatz.ciencia@gmail.com

Quarta-feira, 23 de Abril de 2008
Células-tronco embrionárias humanas desvendam os segredos do coração
Getty

Um time de pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra conseguiu identificar, a partir de células-tronco embrionárias humanas, um tipo de célula progenitora (célula cardíaca "mãe") capaz de formar três tipos de células (cardiomiócitos, células endoteliais e células da musculatura lisa dos vasos) fundamentais para a formação e o funcionamento do coração. Essa pesquisa, que acaba de ser publicada na revista Nature, dá suporte a três estudos recentes publicados em 2007, nos quais outros cientistas estão desvendando, a partir de células-tronco embrionárias humanas, os segredos do coração. Essas pesquisas vão revolucionar o futuro dos transplantes. Imagino que no futuro poderemos "recauchutar" nosso próprio coração. Por enquanto, porém, esses estudos confirmam, mais uma vez, que ainda temos, com muita humildade, muito o que aprender com as células-tronco embrionárias humanas.

O que é uma célula progenitora

Para entender o que é uma célula progenitora – ou célula mãe - vamos voltar um pouco à embriologia. Aproximadamente cinco dias após a fecundação, o blastocisto ou pré-embrião tem cento e poucas células que são chamadas pluripotentes. Elas conseguem formar todos os tecidos do corpo humano. São "células-curingas" como alguns gostam de chamá-las. Mas conforme o embrião continua a se dividir essas células, em uma fase posterior, deixam de ser pluripotentes e começam a se diferenciar em tecidos: cardíaco, nervoso, ósseo e assim por diante. As células que irão originar cada um desses tecidos são chamadas de progenitoras ou "célula-mãe" na linguagem leiga.

Ou seja, a célula progenitora cardíaca vai originar as diferentes células que compõem o coração, a células progenitora hepática dará origem às células do fígado e assim por diante. O grande desafio é entender como se dá essa diferenciação. Qual é o "comando" ou os fatores que determinam, no nosso corpo, o que cada uma das células pluripotentes vai originar: coração, fígado, rim, osso, sangue? Como a célula sabe que ela tem que ser coração e não fígado ou osso? São questões fundamentais. Só depois de respondê-las e identificar os mecanismos responsáveis nós poderemos controlar esse processo.

O que há de novo no estudo publicado?

O líder da pesquisa publicada na Nature desta semana, o americano-canadense Gordon Keller, já havia realizado um estudo semelhante com células-tronco embrionárias de camundongos e demonstrado que a partir de uma célula progenitora cardíaca, chamada de KDR, era possível derivar três tipos de células vitais para a formação do coração. Agora eles deram mais um passo extremamente importante na direção humana e que poderá revolucionar os transplantes cardíacos. Ao adicionar um coquetel de fatores em culturas de células progenitoras cardíacas, originadas de células-tronco embrionárias humanas, na quantidade e seqüência correta, os pesquisadores conseguiram fazer elas se diferenciarem naqueles três tipos de células vitais para o funcionamento cardíaco.

Em seguida essas células foram transplantadas para o coração de camundongos. Formaram também os três tipos celulares (cardiomiócitos, células endoteliais e células da musculatura lisa dos vasos) comprovando "in vivo" o que havia sido observado nas culturas " in vitro", isto é, em laboratório. E temos duas ótimas notícias: a primeira é que os animais injetados mostraram uma melhora de cerca de 31% na função cardíaca. A segunda é que em nenhum dos animais transplantados observou-se a formação de tumores (teratomas), ao contrário do que foi observado em outro estudo recente onde foram injetadas células adultas "reprogramadas" em um modelo murino de doença de Parkinson.

O que o futuro nos reserva?

A pesquisa publicada na revista Nature confirma três estudos publicados em 2007 nos quais os pesquisadores mostraram que cardiomiócitos derivados de células-tronco embrionárias humanas melhoraram a função cardíaca quando transplantados em roedores com infarto do miocárdio. Os pesquisadores salientam que embora houve a melhora, os mecanismos ainda não são conhecidos. Mas os resultados apontam que é esse o caminho a seguir.

Não há dúvida que essas pesquisas vão revolucionar o futuro dos transplantes. Ao invés de esperar na fila, às vezes por muitos anos, por um doador compatível, imagino que no futuro poderemos "recauchutar" nosso próprio coração. Ou outros órgãos. Dependendo da lesão, eles não precisarão nem ser substituídos. Só iremos trocar os tecidos danificados. Mas essas quatro pesquisas recentes são mais uma evidência daquilo que estamos repetindo insistentemente. As células-tronco embrionárias humanas ainda têm muito o que nos ensinar. Temos que nos curvar humildemente e tentar aprender com elas. Disso depende o futuro da medicina.




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