sábado, janeiro 26, 2008

Stephen Kanitz


Analise o erro
e não erre mais

"Infelizmente, a maioria das pessoas não admite
quando erra. Mas o verdadeiro idiota não é aquele
que comete erros, e sim aquele que não aprende
com os erros cometidos"

Todos nós cometemos erros, faz parte da vida. Em vez de ficarmos remoendo os erros, o correto seria realizar o que chamamos de "post-mortem do problema" e aprender a lição. Fazer post-mortem significa analisar as razões que nos levaram a tomar a decisão errada. Quem nos aconselhou errado, que dados errados usamos, qual foi o raciocínio ou a teoria equivocada utilizada, que dados temos hoje e quais deveríamos ter tido ao decidir, e assim por diante.

Infelizmente, a maioria das pessoas nem sequer admite quando erra, ou então não aprendeu a técnica na faculdade. Mas o verdadeiro idiota não é aquele que comete erros, e sim aquele que não aprende com os erros cometidos. Portanto, gaste sempre um tempinho analisando os seus erros de uma forma estruturada.

Façamos o post-mortem da CPMF. O deputado João Mellão se arrepende publicamente de ter votado pela CPMF e explica por quê: "O doutor Jatene, por sua biografia e reputação, emprestou credibilidade ao imposto do cheque e como conseqüência o Congresso o aprovou" – inclusive ele. Primeira lição desse post-mortem: emoção é um péssimo critério para tomar decisões, e confiar na reputação intelectual dos outros, pior ainda. Quem tem de pensar é sempre você, e não os outros.

Ilustração Atômica Studio


A CPMF começou com a proposta do imposto único. Os assalariados passariam a pagar somente 1,7% a 2% de imposto no recebimento do salário, mais 1,7% a 2% na compra de bens e serviços. Um total de 3,4% a 4% de imposto somente, uma maravilha. Ou seja, já dava para desconfiar que algo estava errado. O governo precisa arrecadar 37% do PIB, e não 3,4% a 4%. De onde então viria a diferença? Dos empresários, dos atravessadores, dos capitalistas, dos especuladores, dos banqueiros, dos atacadistas, dos varejistas, das empresas, os inimigos de sempre. Só que eles representam 40% do PIB, na melhor das estimativas. Ninguém aceita pagar 83% do que ganha, é confisco, e portanto totalmente inviável. Mesmo assim, é impressionante a quantidade de confederações do comércio e pequenos empresários que dão apoio ao imposto único. E imaginem a fila de prefeitos, governadores e ministros que se formaria atrás do ministro da Fazenda para rediscutir a divisão do imposto único. Paralisaria o país. Foi exatamente o que aconteceu com a CPMF. Dedicada inicialmente a gastos de saúde, ela logo teve a sua fila quilométrica e destinações diversas.

A CPMF jamais deveria ter sido criada, muito menos recriada, como querem alguns. O setor de saúde deveria lutar por parte do IPI da Souza Cruz, pelo menos o necessário para custear os estragos médicos causados pelo tabaco, como o enfisema e o câncer de pulmão. Deveria lutar pela receita das multas de quem não usa cinto de segurança para custear as cirurgias de quem se espatifa no pára-brisa de seu carro. Deveria lutar por parte do IPI ou do ICMS das indústrias de alimentação que exageram no sal para custear as complicações médicas da hipertensão. Em administração, isso se chama custeio ABC: achar a correspondência, mesmo que indireta, entre despesas e receitas. Quanto mais cigarros forem vendidos, maior será a receita da área de saúde.

A Fiesp quer redução de impostos sem reduzir despesas de saúde. Mas como? O custeio ABC permite uma inteligente forma de reduzir tributos. Negociar a redução de sal nos alimentos e biscoitos em troca da redução do imposto, por exemplo, algo que a Fiesp poderia fazer. Reduzir carcinogênicos em troca de redução do IPI do fumo. Imposto criado sem destinação é convite à malversação e à gastança e permite sonegação de serviços públicos acordados em lei.

Os economistas são normalmente a favor da desvinculação de receitas porque eles não são bobos. Desvincular receitas facilita a vida deles e aumenta o poder do ministro da Economia. Nem toda despesa do governo pode ser rateada, logicamente o custeio ABC não é uma panacéia, mas tem sua aplicação em muitos casos. Na dúvida, ficaria o padrão usual: os ricos pagariam mais pelos serviços prestados pelo estado, via imposto de consumo ou imposto de renda. Por todas essas razões, a CPMF entrará na história econômica do Brasil como um imposto mal votado, mal concebido, mal pensado, desvirtuado, cuja alíquota de 0,38% vai continuar, incorporada que foi em outros impostos que não carregam o seu nome.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)