sábado, novembro 24, 2007

O celular que funciona como cartão eletrônico

O celular paga a conta

A França testa o uso do telefone como cartão eletrônico.
A tecnologia já é empregada por 20 milhões de japoneses


Carlos Rydlewski

Frederick Florin/AFP

Encostou, pagou: quatro operadoras e seis bancos franceses uniram-se para transformar o celular num novo cartão de crédito


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Quadro: Como funciona o pagamento

Quase ninguém sai de casa sem carregar dois acessórios básicos da vida moderna – o cartão de crédito e o celular. Que tal unir os dois num só aparelho? Essa fusão começou a ser testada em grande escala neste mês na França. O responsável pela experiência, o consórcio Payez Mobile, reúne as quatro maiores operadoras de telefonia móvel e os seis maiores bancos do país. Nos próximos seis meses, um grupo de 1 000 pessoas utilizará o celular para comprar de tudo, de croissant a pasta de dentes, em 200 lojas de cidades francesas. O uso do telefone para pagamento de contas já existe em vários países, inclusive no Brasil, com diversas modalidades e tecnologias. O sistema francês utiliza um pequeno emissor adicionado ao SIM card, o chip que guarda os dados do telefone. De tamanho minúsculo, ele estabelece a ligação sem fio entre o celular e as máquinas de cartões de crédito das redes Visa e MasterCard num raio de 15 centímetros (veja como o sistema funciona).

O objetivo da experiência francesa não se resume a conferir o desempenho do equipamento. O projeto é colocar o país na vanguarda da tecnologia aplicada ao celular e transformá-lo em uma referência desse tipo de pagamento na Europa. A França tem bons antecedentes no campo da inovação na área de comunicações. Na década de 70, quando a internet ainda estava restrita às universidades, os franceses desenvolveram o Minitel, um serviço de videotexto extremamente popular no país. O pagamento de contas pelo celular é um negócio em expansão global – estima-se que vá movimentar 37 bilhões de dólares no próximo ano –, e não será fácil para a França liderar esse processo fora da Europa. O sistema atualmente com maior número de usuários é o japonês, implantado em 2004 pela gigante NTT DoCoMo. É utilizado por 20 milhões de pessoas até para pagar a passagem no metrô. Em termos operacionais é igual ao francês. A diferença está na tecnologia. Em vez de um acréscimo ao SIM da rede GSM, o emissor japonês usa um chip criado pela Sony, chamado FeliCa.

Itsuo Inouye/AP
No Japão, telefone paga passagens de trem


Desde setembro, a operadora Oi presta um serviço similar nos doze estados brasileiros onde atua. Chama-se Oi Paggo. Em termos de tecnologia, o processo é bastante simples: os débitos são autorizados por meio de mensagens de texto. O processo é similar ao empregado pelas empresas de cartões de crédito. Inicialmente, o cliente é submetido a uma avaliação de crédito e recebe autorização para gastar dentro de determinado limite. Ao vender um produto, o comerciante envia uma mensagem ao número do celular do comprador com o valor a ser debitado – à vista ou em parcelas. O comprador então autoriza o pagamento por meio de uma senha. Um detalhe: não é preciso estar na loja. O débito pode ser autorizado remotamente. Basta receber a mensagem e digitar a senha correta. A Oi tem 340.000 clientes cadastrados nesse serviço, usado em 13.000 estabelecimentos comerciais, e movimentou 5 milhões de reais com o sistema no mês passado. "No começo, as pessoas usam o telefone para fazer pequenas compras, como pagar um táxi ou encher o tanque de combustível do carro. Depois os valores aumentam e o celular vira um cartão de crédito como outro qualquer", diz Leonardo Caetano, gerente de Mobile Payment da Oi.

Em todos os modelos de pagamento por celular, a segurança é feita pela autenticação prévia dos telefones, pelo uso de senhas, pela confirmação dos débitos e pelo emprego de mensagens criptografadas. No primeiro semestre, a empresa britânica VoicePay anunciou a criação de uma tecnologia que pode trazer uma garantia adicional a esse tipo de pagamento. Nesse caso, o débito é autorizado a partir do reconhecimento da voz do dono da conta. Para isso é feita uma análise biométrica da voz, à semelhança do que ocorre com a impressão digital. São analisados 117 parâmetros do som emitido por uma pessoa. Nick Ogden, um dos fundadores da VoicePay, tem um argumento a favor do produto: "O uso de celulares cresce, e eles têm um número menor de teclas. Isso torna o reconhecimento por voz a melhor solução". É um bom argumento.

Na África, o celular substitui os caixas eletrônicos

George Esiri/Reuters
Telefone móvel: usos inesperados entre os africanos

Apenas duas em cada dez famílias na África têm conta bancária. Na Suazilândia, o pequeno reino encravado no território da África do Sul, uma mulher precisa do consentimento do pai, do marido ou de um irmão para conseguir um empréstimo bancário. Por onde se vá no continente, o risco de ser assaltado é enorme. Limites como esses têm conferido especial destaque ao celular como instrumento de pagamento de contas entre os africanos. No Quênia, o telefone substitui até caixas eletrônicos. Antes de partirem numa viagem, é comum que as pessoas façam depósitos nas operadoras de telefonia móvel. Ao chegarem ao destino, o crédito é convertido em dinheiro numa loja da operadora. Dessa forma, o viajante não corre o risco de perda ou roubo da quantia ao longo do trajeto. Os créditos nos celulares pré-pagos também são usados na compra de produtos de pequeno valor.

O número absoluto de celulares é relativamente pequeno na África – apenas 190 milhões de aparelhos numa população que ultrapassa 900 milhões de pessoas. Só a Oceania tem uma quantidade menor. Mas, entre 2001 e 2006, o continente apresentou o maior ritmo de crescimento de telefones móveis em todo o mundo, em torno de 660%. É uma boa notícia para os africanos. Um estudo do economista Leonard Waverman, da London Business School, indica que o crescimento de 10% no número de telefones celulares produz um avanço de 0,6% no produto interno bruto (PIB) de um país em desenvolvimento. O paradoxal é o uso na África de uma moderna tecnologia para recriar o sistema medieval das cartas de crédito, que está na origem do sistema bancário.


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