sexta-feira, novembro 30, 2007

Muy amigos...



EDITORIAL
Folha de S. Paulo
30/11/2007

Tensões diplomáticas e conflitos internos se alastram pela América do Sul e requerem mudança de atitude do Brasil

SERIA EXAGERO afirmar que a América do Sul vive uma situação de crise política generalizada, mas é inegável reconhecer que emergem sinais preocupantes de todos os pontos do subcontinente.
A troca de agressões verbais entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Álvaro Uribe, da Colômbia, é apenas o mais recente numa série de lances adversos. A animosidade em alta testa a capacidade do Brasil de exercer a liderança regional acalentada por sua diplomacia.
Além do novo entrevero entre Chávez e Uribe, continuam às turras o presidente argentino, Néstor Kirchner, e seu homólogo uruguaio, Tabaré Vázquez. O motivo da disputa é a instalação de fábricas de celulose na porção do rio Uruguai pertencente ao país vizinho, que Buenos Aires rejeita a pretexto do impacto ambiental em seu território.
Em grau bem mais civilizado, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva nutre desentendimentos com o colega paraguaio, Nicanor Duarte, por conta de desacordos acerca de Itaipu.
As dificuldades não estão restritas a disputas de egos. Há também situações de risco político concreto, como a da Bolívia, que flerta com a secessão. Na Venezuela, a escalada autoritária do chavismo eleva os riscos de um desfecho violento.
Acrescentem-se a tudo isso disputas de fronteira às vezes centenárias entre países num contexto em que a Venezuela amplia seus gastos militares e anuncia um projeto de construção de usinas nucleares. Caracas tem questões fronteiriças não resolvidas com a Colômbia e com a Guiana.
Há outra fonte potencial de instabilidade comum a vários países. Chávez e seu aliado Evo Morales, da Bolívia, não são os únicos a planejar alterações constitucionais que lhes permitam estender o período de mando. Partidários de Uribe, na Colômbia, e vozes por ora isoladas do lulismo, no Brasil, também acalentam esse projeto.
Habilidade para lidar com cenários multiconflituosos é atributo básico de uma potência regional. Na América do Sul, apenas o Brasil -por suas dimensões econômicas, demográficas e territoriais- tem condições de exercer esse papel. Não se trata, é claro, de impor soluções e pontos de vista, mas de promover o diálogo e atuar para reduzir danos.
É incrível, por exemplo, que, convidado a mediar a crise entre argentinos e uruguaios, o presidente Lula tenha preferido omitir-se. Espantosa, também, foi sua manifestação a favor do terceiro mandato de Chávez a poucos dias de os venezuelanos decidirem o tema nas urnas.
Liderança não vem por gravidade. Um desenvolvimento regional harmônico exige um Brasil mais atuante, que não tome partido, mas aja para facilitar soluções. E é bom agir depressa.