sábado, novembro 24, 2007

Michel Schlesinger: um jovem na Congregação Israelita

O rabino é pop

Como o jovem rabino Michel Schlesinger
conquistou o respeito e o afeto da maior e
mais poderosa congregação judaica do Brasil


Adriana Dias Lopes

Lailson Santos
Keiny Andrade
O rabino Michel (na foto, com o pergaminho da Torá): o sucessor de Sobel

A poderosa Congregação Israelita Paulista (CIP), que conta com 5.000 afiliados e o apoio das mais ricas e influentes famílias judaicas de São Paulo, sofreu um abalo em março passado, com a detenção do rabino Henry Sobel em Palm Beach, na Flórida, acusado de furtar, de diferentes lojas, gravatas de marcas famosas. Sobel era presidente do rabinato da entidade havia 24 anos e, nessa condição, tornou-se um dos mais visíveis líderes religiosos do país. A notícia da prisão, recebida com óbvia estupefação geral, deixou ainda mais perplexo o jovem Michel Schlesinger, de 30 anos, assistente de Sobel na presidência da CIP desde 2005. "Ao ler a história na internet, liguei imediatamente para o celular dele, mas não consegui falar", lembra. Os dois só se encontrariam no dia seguinte, no hospital onde Sobel foi internado com o diagnóstico de transtorno de humor, descontrole emocional e alterações de comportamento. Depois do incidente, o rabino de língua enrolada nunca mais voltaria a exercer a presidência da CIP. Em seu lugar, entrou Michel. "O afastamento brusco de Sobel me obrigou a amadurecer mais rapidamente. Não será fácil manter o padrão", diz ele, um presidente sem presidência, visto que o cargo de 30 000 reais mensais foi formalmente extinto em outubro.

Do hebraico rav, rabino é sinônimo de mestre, professor. Tanto que Jesus era chamado pelos apóstolos de rabi, uma transliteração de rav. Os rabinos são a principal referência espiritual e cultural na religião judaica. Eles fazem celebrações e aconselham os congregantes. Para isso, devem estudar pelo menos quatro anos em tempo integral. Os estudos incluem não só as leis da Torá, o livro sagrado do judaísmo, como aulas de oratória, cultura de outras religiões e psicologia. Já que não há hierarquia entre os rabinos, a sua permanência na CIP depende diretamente de seu desempenho junto à comunidade. Pelo que mostrou até agora, Michel terá muitos anos à frente do seu rebanho.

"Ele tem um equilíbrio fantástico. Estimula as tradições e, ao mesmo tempo, é um homem acessível, que fala de igual para igual com as pessoas", diz Boris Ber, presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo. Com seu jeitão de amigo mais experiente, Michel tem conquistado um grupo bastante arredio, o dos adolescentes. Ele tem lá seus truques. Nas aulas de preparação para o bar-mitzvá, ritual de passagem para a vida adulta dos garotos de 13 anos, por exemplo, ele inclui os vídeos do YouTube como fonte de pesquisa de cultura judaica. O rabino tem até página no site de relacionamentos Orkut.

Na juventude, chegou a pensar em seguir a carreira artística. Teve aulas de teatro com o ator Dan Stulbach, mas logo percebeu que não iria muito longe. "Como ator, Michel é um ótimo rabino", brinca Stulbach. A escolha religiosa nasceu quando ele cursava o 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A opção não surpreendeu os parentes e amigos mais próximos. Desde a infância, na escola Renascença, ele participava intensamente das atividades ligadas à religião judaica. Aos 17 anos, já dava aulas de bar-mitzvá. Em 2001, formado em direito, Michel mudou-se para Jerusalém, a fim de freqüentar a escola de rabinato. Geralmente, os custos desse curso cabem ao futuro rabino ou à sua família. No caso de Michel, seus estudos foram pagos pela CIP. Depois de quatro anos no exterior, ele voltou ao Brasil e assumiu o posto de rabino-assistente da congregação. Ele imaginava permanecer como braço-direito de Sobel por pelo menos mais uma década. O episódio das gravatas, no entanto, encurtou o seu caminho até o topo. "Michel é um rabino completo. É trabalhador, culto e consegue tocar a vida das pessoas. Ele tem um grande futuro", diz Sobel, hoje rabino emérito da congregação. Michel gosta de ouvir elogios, é claro, mas se coloca sempre na posição de devedor. "Eu sou meu pior avaliador", afirma. Duas vezes por semana, faz análise freudiana. "Na medida em que me conheço melhor, consigo ser mais útil às pessoas."

Pela tradição judaica, de modo a servir de exemplo para a comunidade, é esperado que o rabino tenha sua própria família. Michel casou-se com a antropóloga Juliana, sua amiga de adolescência, em dezembro de 2005. Em todo Shabat, o dia de descanso para os judeus comemorado semanalmente (do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol de sábado), o casal Schlesinger recebe alguns congregantes para jantar. É Michel quem põe a mesa e, vez por outra, faz a comida. Suas especialidades são macarrão com legumes e feijoada. Feijoada kosher, fique bem claro, sem carne de porco e preparada com uma série de prescrições que não a contaminem do ponto de vista religioso. Os convidados dificilmente se repetem. "Os congregantes devem sentir-se abrigados. Convidá-los a jantar em minha casa é uma demonstração dessa minha preocupação", diz. O estilo acolhedor de Michel é um sucesso de audiência. Ele recebe cerca de 100 e-mails diários, a maioria de jovens com dúvidas sobre tradições judaicas e pedidos de aconselhamento. Todas as mensagens são respondidas, de casa, ao longo das manhãs. É durante as manhãs também que Michel prepara seus discursos, escreve artigos para cinco jornais judaicos e estuda a Torá. Às 3 da tarde, começa seu expediente na CIP. Quando se afastou da presidência da entidade, Sobel recomendou a Michel: "Cuide bem da lojinha". A julgar pela opinião da comunidade, ela nunca esteve tão bem cuidada.