sábado, novembro 24, 2007

Interferência política e concessão de empréstimos

Crise de identidade

Livro questiona o papel dos bancos públicos diante
da abundância de dinheiro privado na economia


Giuliano Guandalini


Lucas Lacaz Ruiz/AE
O BNDES ajudou na decolagem da Embraer, mas hoje ela pode se financiar no mercado privado

Os bancos públicos tiveram papel essencial no desenvolvimento do país nos últimos dois séculos. Quando praticamente não havia bancos privados, cabia somente às instituições financeiras controladas pelo governo guardar as economias dos brasileiros, financiar a agricultura e investir em empresas. Essa história tem início em 1808, data da fundação do Banco do Brasil, após a chegada da família real portuguesa. Mais recentemente, nos momentos de inflação elevada das décadas de 70 e 80 do século passado, quando não havia dinheiro privado de longo prazo disponível, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), outro banco público, emprestou os recursos necessários para a construção de obras de infra-estrutura e a criação de grandes empresas, como a Embraer. Isso foi no passado. Nos últimos anos, as instituições controladas pelo estado perderam parte de sua razão de existir. Há sobra de capital externo, a bolsa de valores virou fonte de recursos para as empresas e os bancos privados nunca fizeram tantos financiamentos. Nesse novo cenário, uma pergunta se impõe: o país ainda precisa de bancos estatais?

Com o objetivo de incitar a reflexão sobre essa questão, será lançado nesta semana o livro Mercado de Capitais e Bancos Públicos. O trabalho, organizado pelos economistas Armando Castelar e Luiz Chrysostomo, traz o resultado de um ciclo de seminários e pesquisas do Instituto de Estudos de Política Econômica, mais conhecido como Casa das Garças, feito em parceria com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). O livro, ao qual VEJA teve acesso antecipado, reúne artigos de alguns dos mais célebres economistas brasileiros – entre eles Edmar Bacha e Persio Arida, dois dos pais do Real, os ex-ministros Maílson da Nóbrega e Edward Amadeo e o presidente da escola de negócios Ibmec São Paulo, Claudio Haddad. Sendo a Casa das Garças um instituto liberal e contrário ao gigantismo público, as análises são majoritariamente céticas em relação às funções de bancos estatais. Mas o livro abriga também defensores dos bancos públicos, entre eles o atual presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Divulgação
Agência Postal: popularização financeira


Na avaliação de Armando Castelar, que é pesquisador do Ipea, os bancos estatais se distanciaram do papel que motivou sua criação no passado. "Essas instituições existem para reduzir deficiências do mercado, como financiar projetos arriscados e de cunho social, que muitas vezes não encontram outras formas de crédito. Mas nem sempre é isso que vem ocorrendo", afirma. "O BNDES se concentra em financiar empresas de grande porte, como a Petrobras e a Vale do Rio Doce, que poderiam perfeitamente sobreviver apenas com recursos privados." Para Edward Amadeo, os subsídios generosos concedidos pelos bancos públicos atrasam a modernização econômica do país. Segundo ele, o mercado de capitais só vai se expandir plenamente quando a torneira do crédito público barato for fechada e se estimularem as fontes privadas. Luciano Coutinho, que escreve a quatro mãos com Bráulio Borges, reconhece que os bancos estatais precisam se atualizar. Mas ele ainda vê um papel essencial na atuação deles, particularmente em projetos de longo prazo, nas áreas de infra-estrutura, pesquisa tecnológica e habitação. VEJA submeteu as principais críticas contidas no livro à direção da Caixa Econômica Federal. A instituição informou que "tem sido o agente de políticas públicas na área de saneamento, habitação, inclusão bancária, atendimento a programas sociais e assistência técnica".

Não há dúvida de que os bancos públicos são usados para fins políticos e perderam espaço na economia. Por outro lado, como a economia do país não atingiu sua maturidade plena, eles ainda desempenham uma função de destaque em alguns projetos sociais e no financiamento de longo prazo. Nenhum dos autores imagina que eles desaparecerão da noite para o dia. Mas isso não significa que eles prescindam de adaptar-se aos novos tempos. Para Luiz Chrysostomo, diretor da Anbid, o Brasil deveria seguir o exemplo de outros países em desenvolvimento, como China e Índia, onde os bancos estatais aprimoraram sua gestão e ampliaram a transparência. No Brasil, no entanto, os bancos públicos ainda sobrevivem como um elo perdido de uma era de anomalia econômica. A hora, dizem os autores, é de repensar o atual sistema.