segunda-feira, abril 23, 2007

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Dois diagnósticos


A excessiva carga tributária deve ser diminuída através da redução, para um terço, do nível atual da taxa de juros

HÁ DOIS DIAGNÓSTICOS para a quase estagnação da economia brasileira: ou sua causa fundamental está na taxa de câmbio sobreapreciada e na taxa de juros exorbitante, como afirma o novo desenvolvimentismo, ou o problema é da carga tributária excessiva e da falta de reformas, como afirma a ortodoxia convencional.
Sem dúvida, é possível combinar as duas explicações, como tenho feito, mas isso não significa que possamos comodamente deixar de fazer a escolha. O problema é evidentemente de ênfase, já que os dois tipos de problema existem, mas, se quisermos ter uma opinião significativa, temos de nos identificar ou com o novo desenvolvimentismo ou com a ortodoxia convencional.
Para o novo desenvolvimentismo, que busca ser uma estratégia nacional de desenvolvimento, o Brasil só voltará realmente a experimentar crescimento econômico quando for capaz de resolver o problema de sua alta taxa de juros de curto prazo (que só se explica porque a sociedade brasileira permanece refém da alta inflação) e principalmente se for capaz de neutralizar a tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que deriva da doença holandesa e da política de crescimento com poupança externa. Para isso, reformas econômicas e um forte esforço para reduzir os gastos desnecessários serão indispensáveis, mas como meios para ajudar a resolver aqueles dois problemas.
A ortodoxia convencional é o conjunto de diagnósticos, recomendações e pressões que os países ricos fazem aos países em desenvolvimento. Seu órgão de imprensa mais competente é a revista "The Economist", que, em seu número de 14 a 20 deste mês, dedica um relatório especial ao Brasil ("Dreaming of Glory"), assinado por seu correspondente no país, Brooke Unger.
No seu longo relatório, de 16 páginas, praticamente nem uma palavra sobre a taxa de juros (é a esquerda que quer juros menores, segundo a revista) e muito menos sobre a necessidade de uma taxa de câmbio competitiva (esse é assunto proibido para a ortodoxia convencional, já que os países ricos têm horror à prática de taxas de câmbio competitivas pelos países que já têm mão-de-obra barata). Em compensação, a revista não deixa dúvidas sobre qual é "o maior inimigo do país": é o Estado: "grande demais, ganancioso, ineficiente e corrupto".
Esse tipo de diagnóstico fundamentalista neoliberal faz parte de uma estratégia clássica: a de dividir para governar. Através dela os países ricos, nossos concorrentes, dividem a nação brasileira, colocando toda a responsabilidade pelos nossos males na elite político-burocrática.
Ora, uma nação é um acordo envolvendo toda a sociedade e, principalmente, seus dois grupos estratégicos: a elite econômica e a elite político-burocrática. Quando a primeira, em nome de um liberalismo que não está em discussão (não há dúvida sobre a importância do mercado para coordenar a economia), aceita o diagnóstico da ortodoxia convencional, a idéia de nação e a possibilidade da formulação de uma estratégia nacional de desenvolvimento ficam prejudicadas.
É claro que a carga tributária, em torno de 34% do PIB (Produto Interno Bruto), é excessiva, deve e pode ser diminuída, mas não como a direita neoliberal quer, através da redução das despesas sociais -essas despesas são um salário indireto que a sociedade brasileira decidiu pagar para reduzir os escandalosos níveis de desigualdade ainda existentes no país. A diminuição da carga tributária deve ser feita através da redução, para um terço, do nível atual da taxa de juros (o Copom reduziu-a em 0,25 ponto percentual na quarta-feira, para 12,5% ao ano), que onera os títulos públicos, e pela eliminação dos desperdícios e abusos que existem no setor público.
Escolhi "The Economist" para criticar a ortodoxia convencional porque seu texto é claro, e não deixa dúvidas sobre quais são os valores e os interesses que estão por trás. O triste, porém, é que uma parte importante das elites brasileiras econômicas, intelectuais e políticas aceita esse tipo de diagnóstico.
Dessa forma, nos mantemos dependentes; dessa forma, não reassumimos nossa condição de nação; dessa forma, ficamos para trás na grande competição internacional que é a globalização.