segunda-feira, março 26, 2007

Tarso e a verdade- Demétrio Magnoli



Artigo
O Globo
26/3/2007

O ministro itinerante Tarso Genro desistiu do processo criminal que movia contra mim. Mas, ao tornar pública a desistência, em entrevista à "Folha de S.Paulo", Genro agride duplamente a verdade factual.

A interpelação judicial referia-se a uma coluna publicada na mesma "Folha de S.Paulo", em 2005, na qual critiquei a imposição da classificação racial nominal nas fichas de matrícula escolar. Meu texto intitulava-se "Ministério da Classificação Racial" e caracterizava o então titular da pasta da Educação como "ministro da classificação racial". Obviamente, não se tratava da pessoa privada de Genro, mas de uma autoridade pública que entrou nas escolas para colar rótulos "raciais" oficiais às crianças.

Ao desistir do processo, Genro atribui a responsabilidade pela decisão de iniciá-lo ao advogado-geral da União. Não é verdade: a Advocacia Geral da União representava o ministro Genro, que figura nos autos como parte. Isso é o de menos, embora seja razoável esperar que o titular da Justiça assuma a responsabilidade pelos seus atos, como os demais adultos. Mais grave é a afirmação de que o advogado-geral da União (sempre ele!) decidiu encerrar o processo pois, na resposta, eu teria declarado que não tive "a intenção de ofender". A resposta (disponível em www.clubemundo.com.br) não trata de intenções e reafirma tudo que escrevi na coluna.

Ano e meio atrás, ocupando o cargo de presidente do PT, Genro escreveu uma resolução partidária que tomava de empréstimo a linguagem dos ditadores e escondia os crimes nos altos escalões da República atrás da cortina da "postura fascista" da imprensa e do "golpismo midiático". Agora, na sua entrevista inaugural como ministro da Justiça, ele arquiva o passado. Diz que "no país não existe problema de mau exercício da liberdade de imprensa" e externa uma sensata avaliação pessoal: "Não acho que existe qualquer campanha conspiratória contra o governo Lula."

Mudou Genro ou mudou seu cargo? Em qualquer caso, melhor que jogar esconde-esconde com a verdade seria dar continuidade ao processo, como o convidei a fazer em coluna publicada neste jornal. Pelo menos teríamos um claro pronunciamento da Justiça sobre a liberdade de imprensa.

DEMÉTRIO MAGNOLI é sociólogo e doutor em geografia humana pela USP. E-mail: magnoli@ajato.com.br.