sábado, março 31, 2007

Malharias catarinenses ganham as passarelas

Básico? Que básico?

Malharias de Santa Catarina compram grifes do
sSudeste, mudam de cara e ganham as passarelas


Silvia Rogar, de Jaraguá do Sul e Brusque

Otavio Dias de Oliveira
Amir Slama, entre Donini e Gil Karsten, da Marisol: Rosa Chá "made in" Jaraguá do Sul

O momento mais aguardado do Fashion Rio, o principal evento da moda carioca, é a entrada de Gisele Bündchen na passarela. Curiosamente, ela não veste a camisa de nenhuma marca local: desde 2005, desfila com exclusividade para a Colcci, grife controlada pelo grupo catarinense AMC Têxtil. Ter a top model como garota-propaganda é apenas um sinal das mudanças nas malharias de Santa Catarina, que ganharam projeção nacional graças à mão-de-obra com disciplina germânica e ao maquinário de ponta. Agora, uma nova geração de empresários vem apostando num ingrediente que era escasso no estado: estilo. Por isso, eles têm arrematado marcas de roupa badaladas e contratado profissionais experientes do eixo Rio–São Paulo. Até na moda praia estão conquistando seu naco: antes de parar no corpinho de fãs da grife, entre elas a modelo Naomi Campbell e a socialite Paris Hilton, boa parte dos biquínis da Rosa Chá já é produzida em Jaraguá do Sul, uma cidade com 133.000 habitantes. É lá que fica a sede e a principal fábrica da Marisol, que, em abril do ano passado, comprou 75% da linha paulistana de moda praia.

O casamento das duas empresas teve como impulso a gestão de marcas, idéia repetida como um mantra pelos jovens executivos têxteis catarinenses. O sonho deles é ambicioso: guardadas as devidas proporções, querem consolidar, nas próximas décadas, conglomerados brasileiros a exemplo do gigante francês LVMH, que controla a Louis Vuitton e a Dior, entre outras grifes. "Vender malha a quilo e roupa barata é uma coisa que, hoje, qualquer um pode fazer. Fomos atrás do produto acabado para aumentar o valor agregado do que fabricamos", diz Arnaldo Sampaio, diretor comercial da Colcci. Isso porque a competição vem agora de todas as partes. A partir do início dos anos 80, surgiram pólos têxteis em todas as regiões do país. Depois, foi a vez de a China barrar a velocidade do crescimento da indústria brasileira. "Dar mais personalidade ao produto virou uma necessidade, principalmente para as empresas que têm a ambição de crescer no mercado internacional", comenta Giuliano Donini, 32 anos, diretor de marketing da Marisol, que faturou 440 milhões de reais em 2006.

Além da compra da Rosa Chá, fundada pelo estilista Amir Slama, que continua no comando da criação, a escalada da malharia na moda inclui a Lilica Ripilica, linha infantil que tem 119 franquias e bate ponto em 2 800 multimarcas. A Marisol deu a sua maior cartada em setembro passado, quando inaugurou uma loja de 70 metros quadrados da Lilica na Via della Spiga, a poucos passos da Prada e da Dolce&Gabbana – ponto comercial dos mais nobres de Milão. Desde 2004, a etiqueta também é patrocinadora e desfila suas graciosas roupas para meninas no Fashion Rio.

Eduardo Marques/Tempo Editorial
Thaís Losso e equipe da Sommer: modernos invadem a pequena Brusque

Caso ainda mais impressionante é o da AMC Têxtil. Fundado em 1980, o grupo começou a trilhar novo caminho em 2000, quando deixou de ser apenas fabricante de malhas e comprou a Colcci, até então uma marca jovem de roupas, voltada para as classes C e D. Sob nova administração, a linha virou fenômeno. Com crescimento que gira em torno de 40% ao ano desde 2004, a etiqueta vendeu 3 milhões de peças em 2006 e já tem franquias nos Estados Unidos, na Guatemala, na Espanha e nos Emirados Árabes. Por trás do sucesso da AMC está Alexandre Menegotti, 35 anos, herdeiro e executivo do grupo. De desconhecido completo, ele passou a um dos manda-chuvas da moda nacional ao adquirir também as marcas paulistanas Sommer – sucesso entre os descolados – e Carmelitas, que cria roupas com acabamentos e detalhes sofisticados. "Nossa preocupação é não deixar o design ficar em segundo plano", diz Alexandre. A nova ênfase em estilo também teve seus reflexos nas universidades: Santa Catarina é hoje o segundo estado em cursos de moda do país, perdendo apenas para São Paulo.

Na AMC, chama atenção o vaivém de modernos pelos corredores. Com roupas e acessórios extravagantes, eles contrastam com o clima pacato de Brusque, município onde fica a sede do grupo. "Meus amigos de São Paulo achavam que eu não passaria nem três meses aqui. Mas já estou há um ano e meio – e muito feliz. Agora, muita gente de lá pergunta se há novas vagas na AMC", diz Thaís Losso, 32 anos, estilista da Sommer. Ela substituiu Marcelo Sommer, que, em 2004, vendeu sua grife à AMC e, dois anos depois, se desligou totalmente da direção criativa. Dos seis profissionais da equipe de Thaís, cinco vieram de marcas paulistanas.

Para profissionais vindos do Sudeste, as empresas têxteis de Santa Catarina costumam pagar salários até 50% maiores que os de São Paulo. Edinho Vasques, que tinha no currículo passagens pela Zoomp e pela Hugo Boss, é um deles. Já completa quatro anos no estado e, atualmente, é gerente de marketing da Dudalina. "Quem vem para cá tem de saber que a disciplina é mais rigorosa: o trabalho começa pontualmente às 8 horas", diz ele, que morava num apartamento alugado de dois quartos nos Jardins e, agora, é dono de uma casa de 250 metros quadrados com piscina e decoração impecável, em Brusque. "Existe um choque cultural para os dois lados, mas temos todo o cuidado para minimizar os contrastes", reconhece Ciro Roza, prefeito da cidade. Acostumado a trabalhar em São Paulo, cidade onde fundou a Slam, grife associada à ferveção das pistas de dança, o estilista Giuliano Menegazzo ainda diz sentir a diferença. Com visual clubber e tatuagens enormes, ele trabalha há seis meses em Blumenau, onde coordena o estilo das marcas da Dudalina. "Às vezes me olham demais na rua, eu me sinto praticamente um E.T.", comenta.