sábado, novembro 25, 2006

Roberto Pompeu de Toledo Agruras dos inventores

Agruras dos inventores

Enfim, uma coluna que não fala
do
Iraque nem do PMDB, mas dos
tempos em que o mundo se criava

Conta-se que o presidente americano Rutherford Hayes, ao ser apresentado à nova criação de Graham Bell, uma bugiganga chamada telefone, comentou: "É uma invenção curiosa, mas quem vai querer utilizá-la?". Dura é a vida do inventor. Pode-se calcular a incompreensão que sofreram outros, mais primitivos e anônimos, ao apresentar invenções hoje consagradas. Aqui vão dois exemplos.

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A cadeira é uma genial invenção. Bem, antes da cadeira certamente veio o banco, o modesto e singelo banco. A reação dos circundantes, quando o inventor apresentou o banco, foi a previsível: "Mas para que serve?". Esse é um momento embaraçoso para os inventores. Felizes são os poetas. Eles têm a resposta na ponta da língua quando lhes perguntam para que serve a poesia: "Para nada". Os inventores não podem dar a mesma resposta. E então o inventor do banco teve de responder: "Para sentar". Gargalhada geral. Os circundantes, nesse momento, estão todos sentados – no chão, como recomenda o bom senso e a etiqueta. O único de pé é o inventor do banco. Um engraçadinho grita lá do fundo: "Será que você ainda não aprendeu a sentar?".

O inventor refreia a vontade de jogar o banco na platéia. Argumenta: "No banco, vocês podem sentar na mesma altura em que dobram as pernas, vejam" – e faz uma demonstração. "Exige menos esforço. Também é mais fácil se levantar dele do que do chão, vejam." Novas objeções: "Mas se já existem as pedras", diz um. "E os barrancos...", acrescenta outro. O inventor responde mostrando o assento impecavelmente liso e horizontal que tanto trabalho lhe deu. "Um assento desses proporciona conforto e estabilidade", afirma. A platéia não se deixa convencer. "A pedra onde eu descanso é lisa e horizontal", diz alguém. E outro: "No barranco que dobra (ele queria dizer em degrau, palavra inexistente ainda) dá até para recostar". O verbo "recostar" lembrava movimento ainda mais requintado do que o de sentar, que sem dúvida escapara ao inventor. Ele entregou os pontos. Disse à mulher, em casa: "Fracassei". A platéia fizera-o experimentar a suprema humilhação para um inventor: a de ter inventado algo que já existe.

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A mesa não teve melhor sorte na primeira demonstração. A platéia já está lá, observando aquela indecifrável tábua sustentada por quatro pernas. O inventor ainda não chegou. Demoram-se a examiná-la, curiosos e intrigados. "Sabe o que eu acho?", diz finalmente alguém. "Que isto é a maquete, o protótipo de um objeto de morar (as palavras "maquete" e "protótipo" já existiam, mas não "casa"). "Objeto de morar?", estranham. Ele explica: "Imaginem esse objeto ampliado. Quatro fortes estacas sustentando uma ampla cobertura. Pode-se até fechar o objeto dos lados, preenchendo-os com uma estrutura inteiriça – chamemo-la de parede, já que não temos palavra para designá-la. Podemos prever aberturas, para passar ou para ventilar, coisas que poderemos chamar de...". Hesitou. "Porta", sugeriu um. "Janela", sugeriu outro. "Obrigado. São bons nomes. Já deu para perceber? Podemos morar aí dentro." "Mas já não existem as cavernas? Os abrigos sob as árvores?" "Sim, mas com inconvenientes. Umidade, vento, bichos. Falta de privacidade. O objeto de morar pode nos servir individualmente, ou a cada família, e ser montado onde quisermos." A platéia se animava. Colaborava para o aperfeiçoamento da idéia. "Poderíamos prever uma inclinação na tábua de cima, para a chuva escorrer", apartou alguém. "Bem pensado. E sugiro que a tábua seja chamada de telhado", disse um. "E que o objeto se chame casa", disse outro, triunfante. O entusiasmo era não só com a invenção, mas também com o enriquecimento do vocabulário.

Manifestou-se um que até então estivera calado. "Estou pensando outra coisa", disse. "Lembram-se daquele sujeito que outro dia nos apresentou um objeto redondo, que rolava pelo chão?". (Era a roda, que ainda não tinha nome.) "Ninguém soube para que aquilo servia. Pois bem, podíamos pegar aquele objeto, que proponho chamar-se..." "Ventoinha", disse alguém. "O.k., pegamos quatro ventoinhas" (foi o único nome que não pegou naquele dia), "pregamos nos pés desse objeto e criamos um meio de transporte." (Meio de transporte todos sabiam o que era.) Um outro levantou a mão: "E se treinássemos um animal para puxar a tábua?". Aplausos. "Isso mesmo!"

Nesse momento, entra o inventor. "Perdão pelo atraso", diz. E então começa, orgulhoso: "Este é um objeto que batizei de mesa". Corre os olhos pela platéia, para saborear o sucesso. "Serve para fazer as refeições. Pega-se um banco (o banco já estava entendido e assimilado), senta-se, põe-se a comida na mesa..." A platéia murchava. Comida aí em cima? E para quê?, pensava-se. Silêncio decepcionado, enquanto prosseguia a exposição. "Quem vai querer comer com tanto fricote?", alguém enfim desabafa. As pessoas se retiram. O inventor fica só. Sente a humilhação insanável, para um inventor, de apresentar-se muito abaixo da expectativa dos circundantes.