terça-feira, novembro 28, 2006

Eliane Cantanhede - "Piloto automático"



Folha de S. Paulo
28/11/2006

Nos depoimentos de 13 controladores de vôo à PF, obtidos pela Folha e resumidos no sábado (pág. C6), surge mais um elo na cadeia de erros/falhas da queda do Boeing da Gol: um jovem de 22 anos de Brasília orientou a torre de São José dos Campos a autorizar o Legacy a voar em 37 mil pés, sem referência a outras altitudes.
Quando o delegado lhe perguntou se ele sabia que o plano de vôo previa três níveis até Manaus, respondeu que não. Por que não? Porque sua preocupação era com o seu setor, o nº 1, até Brasília. Ponto.
O controlador de São José, 52, disse que sabia dos três níveis, mas autorizou o vôo nos "exatos termos" que recebera de Brasília.
Um terceiro controlador, 27, teve sete minutos para mandar corrigir o nível para 360 (36 mil pés) quando o Legacy sobrevoou Brasília com o transponder funcionando e registrando 370, mas não o fez. Alegou para o delegado que "dividia sua atenção com outros tráfegos [aviões]". Eram cinco. O limite é 14.
Além disso, relatou que, quando prestou atenção no Legacy, o radar tinha ajustado o nível automaticamente, de acordo com o plano de vôo -ou seja, para 360. O substituto dele ainda questionou se havia algo errado com essa altitude. Ele disse que não. Tinha, como se viu.
Os pilotos americanos também não baixaram de nível nem questionaram nada ao passar por Brasília, não viram que o transponder estava inoperante e não tentaram acionar o código de falta de contato.
O Cindacta-1 e o Legacy tentaram se falar pelo rádio 27 vezes.
Em sentido oposto, o Boeing tinha plano de vôo repetitivo para 41 mil pés, mas, justamente naquele dia, foi autorizado para 37 mil. E ninguém avisou Manaus sobre um Legacy perdido, na mesma altura. Enfim, o que parece é que os envolvidos ligaram uma espécie de piloto automático, os equipamentos sofreram uma pane conjunta e... o azar fez o resto.

elianec@uol.com.br