terça-feira, outubro 31, 2006

Imprensa ameaçada: no dia em que jornalistas apanham de petistas, presidente do PT critica o... jornalismo!


Por Reinaldo Azevedo
Num post abaixo, vocês têm relatados os ataques de que foram vítimas os jornalistas na frente de Palácio da Alvorada. A questão é grave. Alguns dos agressores são funcionários comissionados do governo federal. A hostilidade dos petistas já começou no aeroporto, em Brasília: “Ou, ou, ou, a Veja de ferrou” e “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

Como já se informou aqui, um jornalista foi agredido com o mastro de uma bandeira do PT. “Tem alguém da Veja por aí?”, perguntavam, como se estivessem caçando pessoas. Na frase mais significativa do dia, afirmou um deles: “A ditadura era melhor do que a imprensa, eles matavam com baionetas, vocês matam com a língua". E pediam o fechamento dos jornais. O PT ficou chocado com isso, certo? Ah, Marco Aurélio Garcia, presidente da legenda, criticou, claro, os atos de violência. Mas gastou a maior parte do tempo atacando a imprensa, que apanhara havia pouco.

No meu artigo desta semana na Veja, digo que faz 26 anos que o sistema político tenta civilizar o canibalismo petista. Não adianta. Escrevam: eles vão querer alguma forma de censura. Vão tentar nem que seja a econômica. Vão estimular grupos de pressão a se comportar como horda. O trabalho já começou. Garcia cobra “da imprensa” um desmentido sobre o mensalão. Segundo ele, o PT fez apenas caixa dois. Ele deveria perguntar por que Valdemar da Costa Neto renunciou. Confessou ter recebido R$ 10 milhões do PT. Ok, não foi em parcelas. A compra se fez de uma vez só. E em dinheiro vivo. Ele deveria cobrar ainda uma autocrítica do procurador geral da República.

Garcia também quer uma “auto-reflexão” da imprensa sobre o seu comportamento durante as eleições. A sugestão é que prejudicou o PT. Vejam só: o presidente do partido que, até agora, não disse de onde saiu o dinheiro sujo do dossiê fajuto tem a coragem de fazer cobranças ao jornalismo. Não só cobranças. Também intrigas e ameaças.

Para Marco Aurélio Garcia, esse sentimento de crítica à mídia “atravessa uma parte dos jornalistas nas redações.” E acrescentou: “Tenho informações disso e sei que existem instituições da sociedade civil preocupadas. Da mesma forma que sei que há movimentos crescentes de consumidores de órgãos de imprensa que estão manifestando a sua inconformidade através do cancelamento de assinaturas”. Certamente ele não está se referindo aos veículos que puxam o saco do governo. Para os petistas, todos os jornais e revistas seriam cartilhas. Cartilhas capitais.

Ele chamou esse movimento de “sadio”, sugerindo a sua espontaneidade. Nós sabemos muito bem como essas coisas funcionam no PT. As "instituições da sociedade civil" são as ONGs que o partido cria para patrulhar a sociedade. Por dia, recebo mais de mil e-mails malcriados de militantes. Trata-se de um movimento organizado.

PS: Uma equipe da TV Globo teve de se esconder no veículo da emissora com medo de agressões. O Jornal Nacional ignorou o caso. Não sei por quê. Jornalista não é mesmo para ser notícia. A não ser quando apanha de militantes de um partido que cobram o fechamento dos jornais.

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FOLHA

Presidente do PT cobra uma "auto-reflexão" da imprensa

Para Garcia, a mídia deve ao país a informação de que não teria havido mensalão

"Isso terá que ser esclarecido em algum momento", diz; "Historiadores talvez façam isso", completa ele, pedindo jornalismo mais consistente

FÁBIO ZANINI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No dia em que jornalistas foram agredidos por militantes petistas em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente interino do partido, Marco Aurélio Garcia, repudiou o ato de violência, elogiou a liberdade de imprensa, mas criticou a mídia pedindo uma "auto-reflexão" sobre sua atuação na campanha.
Também disse que a imprensa deve ao país a informação de que não teria havido a compra de deputados pelo governo, conforme descrito pelo ex-deputado Roberto Jefferson, em entrevista à Folha em junho de 2005, no escândalo do mensalão. Se houvesse jornalismo investigativo "mais consistente", de acordo com o petista, isso já teria sido explicitado.
Ele se irritou ao responder a uma pergunta sobre o escândalo do "valerioduto". Disse que o fato de ter havido um esquema irregular de financiamento de campanha promovido pelo PT não significa compra de partidos aliados.
"Tanto é assim que a imprensa investigativa não foi capaz de estabelecer nenhuma conexão entre votos e ingressos de dinheiro. Não há nenhuma evidência, e essa é uma das dívidas que setores da imprensa têm com a opinião pública, de que posições no Parlamento de apoio tenham sido cobradas", afirmou.
Ele cobrou da mídia que explique isso à população. "Esse é um problema que vai ter que ser esclarecido em algum momento. Historiadores talvez façam isso. Ou, se aparecer um jornalismo investigativo mais consistente, se lance luz sobre esse problema."
A entrevista de Jefferson à Folha gerou uma das maiores crises do governo Lula. Quatro deputados renunciaram e José Dirceu deixou o Ministério da Casa Civil.
Sobre a cobertura das eleições, Marco Aurélio disse que a "imprensa deve ser avaliada sobre seu desempenho. Caberá em primeiro lugar aos jornalistas fazerem uma auto-reflexão sobre o papel que eles tiveram na campanha eleitoral", disse.

Sentimento
O petista diz que tem informações de que parte dos profissionais de imprensa partilha de sua opinião. "Sei que esse é um sentimento que atravessa uma parte dos jornalistas nas redações. Tenho informações disso e sei que existem instituições da sociedade civil preocupadas. Da mesma forma que sei que há movimentos crescentes de consumidores de órgãos de imprensa que estão manifestando a sua inconformidade através do cancelamento de assinaturas", declarou.
Para Garcia, essa realidade é "sadia". "Esses movimentos no passado permitiram que a imprensa se repensasse", afirmou. Deixando claro que espera um movimento espontâneo de autocrítica, ressaltou que "essa não é uma tarefa de governo".
Garcia disse que o PT condena "de forma muito clara" agressões a jornalistas. "Não compartilharemos de forma nenhuma com essas práticas. Muitas vezes nós divergimos com a imprensa, mas isso nunca foi ao ponto de negar o papel que ela tem. Tudo é irrelevante diante do valor mais alto que é a liberdade de imprensa."

Petistas fazem ato de protesto contra imprensa

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os militantes petistas que se reuniram ontem para receber o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio da Alvorada e na base aérea de Brasília substituíram históricos gritos de apoio ao petista por palavras de ordem contra a imprensa. Os principais alvos foram a Rede Globo e a revista "Veja", mas houve também gritos contra os jornais, entre eles a Folha.
Mesmo enquanto Lula abraçava e beijava os petistas, os gritos contra a mídia prosseguiram. Alguns pediam ao presidente reeleito que expulsasse os jornalistas e fizesse a comemoração somente com os militantes.
O tom da hostilidade começou na base aérea, quando alguns petistas puxaram "Ou, ou, ou, a Veja se ferrou" e "O povo não é bobo, abaixo à Rede Globo". Mais tarde, no Alvorada, alguns militantes, muitos deles funcionários comissionados do governo federal, passaram a interrogar um a um os jornalistas: "Tem alguém da Veja por aí?", perguntavam.
Enquanto os repórteres aguardavam Lula, os militantes provocavam "A ditadura era melhor do que a imprensa, eles matavam com baionetas, vocês matam com a língua", disse um militante.
"Vamos fechar todos os jornais", gritou outro. Uma mulher de aparentes 50 anos, repetia: "Se perguntar de dossiê, leva um dossiê bem na cara".
No Alvorada, o clima ficou mais tenso com a chegada de Lula. Uma militante bateu três vezes com uma bandeira, de cabo de plástico, na cabeça de um repórter. Outro foi cercado, com gritos. Funcionários da Globo se trancaram no caminhão da empresa, temendo represálias, além das verbais.
(ES E PDL)