sábado, outubro 28, 2006

CELSO MING O microcrédito não avança


celso.ming@grupoestado.com.br

As operações de microcrédito no Brasil começaram três anos antes da criação do Banco Grameen, em Bangladesh, primeira instituição especializada em microcrédito. Há duas semanas, o Banco Grameen recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua contribuição para redução da pobreza no mundo. Enquanto isso, apesar do seu pioneirismo, o microcrédito continua malparado no Brasil.

A primeira rede de microcrédito do País surgiu em 1973, com a União Nordestina de Assistência a Pequenas Organizações, conhecida como UNO. Funcionou no Recife e em Salvador até 1991, distribuindo pequenos empréstimos a pessoas do setor informal urbano. Fechou por não conseguir se auto-sustentar. E essa é uma história que se repete com outros projetos desse tipo.

Não dá para dizer que faltam recursos para o microcrédito. Para dar força à idéia, em 2003, uma resolução do Conselho Monetário Nacional determinou que 2% da média diária dos depósitos à vista dos bancos brasileiros deveriam se destinar a operações de microfinanças. Por esse meio, há hoje R$ 950 milhões disponíveis, segundo dados do Ministério do Trabalho. No entanto, a carteira nacional de microcrédito ativa não passa dos R$ 300 milhões.

Os bancos preferem deixar esses recursos parados no Banco Central a utilizá-los na distribuição de microcréditos, como explica Luiz José Bueno de Aguiar, diretor para assuntos institucionais da Associação Brasileira das Entidades Operadoras de Microcrédito (Abcred). Os dirigentes dos bancos argumentam que não conhecem o negócio e que não conseguem administrar essa carteira para a qual não há garantias formais, como estabelecem as normas do Banco Central. Acrescentam que esse crédito é caro demais na medida em que os obriga a fazer provisões.

Além dos recursos provenientes dos depósitos à vista, os bancos oficiais também têm à sua disposição outros R$ 200 milhões provenientes do Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT). Mas os dirigentes dos bancos estatais repetem os argumentos dos administradores dos bancos privados. Decididamente, não se sentem em condições de tocar o negócio.

O professor Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária, reconhece que este não é um segmento que deve ser administrado pela rede bancária convencional. 'Banco existe para dar crédito para quem tem crédito. Microcrédito é para quem não tem crédito e isso é coisa para especialistas, para as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e para as cooperativas de crédito.'

Para que funcione, os candidatos à obtenção de um microcrédito devem ser orientados por um agente de crédito, que faz as entrevistas, analisa as relações do microempreendedor com fornecedores e clientes, fecha a operação e, depois, faz seu acompanhamento. Uma das maiores dificuldades das instituições que atuam nesse ramo é segurar esses funcionários. A Associação VivaCred, por exemplo, que atua na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, leva seis meses para formar os agentes, que recruta entre universitários ou mesmo entre secundaristas que moram na favela. 'Mas eles abandonam o trabalho quando terminam a faculdade ou quando conseguem outro emprego', lamenta-se Antônio César Martins, gerente da entidade.

O diretor-superintendente para microcrédito do Sebrae, José Luiz Ricca, entende que falta coordenação nacional. Observa que existem muitas iniciativas desse tipo no Brasil, mas estão muito isoladas, cada uma atuando do seu jeito. Para ele, além de integração, falta definição de mecanismos que facilitem o acesso à informação.

Almir Pereira, coordenador do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), subordinado ao Ministério da Fazenda, acredita que a padronização do plano de contas e regras de uniformização do setor trarão transparência e isso deverá ajudar a desenvolver o projeto.

Paul Singer observa que os benefícios do microcrédito na erradicação da pobreza são comprovadamente altos. 'Simplesmente, dobram a renda das pessoas. E este é um resultado bom demais para que seja abandonado à sua própria sorte.' Mas ele prefere que o microcrédito saia da área dos bancos, que não estão preparados e não querem operar nesse nicho, e se concentre nas cooperativas de crédito.

COLABOROU DANIELLE CHAVES