sábado, setembro 30, 2006

CELSO MING

Descompasso

celso.ming@grupoestado.com.br

Há dois meses, o Banco Central vai sendo passado para trás na antecipação dos fatos econômicos. E esse atraso pode estar tirando eficácia à condução de sua política.

Espera-se de um banco central que se antecipe aos fatos e que lidere os formadores de preços em direção à convergência das expectativas. Enquanto os agentes econômicos seguirem dançando o ritmo orquestrado pelo banco central fica sempre mais fácil a derrubada da inflação - ensina a teoria. Mas, desde julho, o Banco Central do Brasil está alguns compassos atrasado em relação à economia e ao próprio mercado.

Esse descompasso começou quando o Copom entendeu que devesse alertar para a redução do ritmo dos cortes dos juros. Foi quando o comunicado oficial após a reunião de julho passou o recado de que estava próxima a temporada de 'maior parcimônia na flexibilização monetária'. Ficou entendido que, para o Banco Central, o cumprimento da meta de inflação neste ano e no próximo dependia de doses mais baixas nos cortes de juros.

Mas os fatos conhecidos depois contra-indicam o procedimento da maior 'parcimônia'. A novidade é a evolução dos preços bem menor do que a esperada para o último trimestre de 2006, que, por sua vez, aponta para uma acumulada da inflação para todo o ano entre 2,5% e 3,0%, substancialmente mais baixa do que a do centro da meta, que é 4,5%. O Banco Central continua acenando com 3,4%.

Assim, pareceu precipitada a sinalização do emprego de 'parcimônia' na condução da política monetária. Mas, em vez de admitir a precipitação, o Banco Central preferiu não passar recibo de que estava oferecendo comida crua. Ao contrário, tentou plantar a impressão de que anda preocupado com o risco de que esteja a caminho fornada extra de inflação, que ninguém vê.

Ao avisar, na Ata do Copom de agosto, que passou a esperar para ainda este ano um reajuste interno dos combustíveis (até então fora das projeções), o Banco Central deixou a impressão de que estava atrás de justificativas para não admitir o adiamento do período de 'parcimônia'.

Os efeitos de uma inflação bem mais baixa em 2006 não se esgotam aí. Reduzem também a fornada esperada para 2007 na medida em que a inércia (arrasto) para o período seguinte também fica menor.

No Relatório de Inflação de setembro, divulgado quinta-feira, em nenhum momento reconhece que esteja sendo surpreendido por uma inflação mais baixa do que a apontada pelos seus modelos econométricos. E ainda tenta justificar o decepcionante crescimento econômico, cujas projeções foram agora rebaixadas de 4,0% para 3,5%, com desculpas de qualidade duvidosa. Como ontem foi observado aqui neste espaço, ficou dito no Relatório que boa parcela de responsabilidade do PIB bem mais magro deste ano é da interrupção do processo produtivo durante os jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo (que durante três tardes em junho suspenderam a atividade econômica), da greve dos auditores da Receita Federal e da parada para manutenção de plataformas da Petrobrás.

Todos os dias os analistas internacionais vêm demonstrando que o fator China é antiinflacionário. Ao despachar mercadorias por uma fração dos preços antes praticados nos mercados, os asiáticos (e não só os chineses) contribuem para um enorme achatamento global dos preços, independentemente do tamanho dos juros impostos pelos bancos centrais.

Talvez a ação desse efeito seja incipiente no Brasil porque esta é uma economia bem mais fechada do que as outras. Mas não dá para negar o impacto positivo sobre a inflação brasileira provocado pelo aumento de importações mais baratas (não só da China), que nos últimos 12 meses cresceram 33,9%. Estranhamente, o Relatório de Inflação não dá importância a esse fator.

É compreensível que às vezes até mesmo bem informados e competentes dirigentes de banco central se deixem surpreender por fatos novos. Mas nada justifica que, logo a seguir, não os levem em consideração e não ajustem seu compasso.

Enfim, se um dos objetivos-chave da política monetária é manter os agentes econômicos convencidos de que a inflação está sob controle, não pode o Banco Central atrasar as sinalizações só porque foi ultrapassado pelos acontecimentos.