segunda-feira, julho 31, 2006

Pacto de governabilidade e dívida social Bruno Lima Rocha Blog do NOBLAT

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Na última quinta-feira, dia 13 de julho, o Rio Grande assistiu a materialização de um de seus maiores pactos e acordos políticos desde o tratado de Pedras Altas, que deu fim a luta oligárquica entre Chimangos e Maragatos. Mas, ao contrário do passado heróico de caudilhos e lanças, as armas foram articulações de bastidores e a formação de um consenso midiático digno de um texto de Noam Chomsky.

 


Por ironia da história recente deste estado, os mesmos que convidaram para dar palestras no Gigantinho ao intelectual de origem judia considerado pelo Pentágono como o maior inimigo interno dos EUA, foram co-autores do acordo de governabilidade que exclui aos servidores públicos.

 


A essência do chamado Pacto pelo Rio Grande foi a tentativa de congelamento do orçamento do poder Executivo. Como isto não foi possível, o acordo selou a correção vegetativa de 3%, nos próximos quatro anos, e aplicada para o conjunto dos poderes.

 


Ao incluir no “quase-congelamento” a toda a folha salarial do Executivo, o acordo entre todos os partidos da Assembléia, exclui automaticamente a possibilidade de melhoria salarial e das condições de trabalho da massa de servidores do estado.

 


A votação, adiada por duas vezes, marcou 45 a 0 no Plenário da ALERGS; chamando as forças políticas para assinarem a emenda incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2007.

 


O pivô das articulações políticas para o chamado Pacto pelo Rio Grande, foi o economista Cézar Busatto. Homem de larga trajetória, o político oriundo do antigo MDB passara também pelo MR-8, antes e depois da abertura de Geisel, é atual deputado estadual pelo PPS e até poucos meses atrás exercia função-chave na prefeitura do poeta José Fogaça.

 


Centro da mídia local, literalmente à beira de um ataque de nervos, Busatto oferecera o pescoço ao sacrifício para fazer o acordo funcionar. Deixou a prefeitura em meio à conturbada licitação do lixo da capital, voltou ao Parlamento para articular quase tudo, embora com somente alguns setores, e proclamou que não era candidato a nada. Busatto obteve algum sucesso neste acordo de governabilidade.

 


A mídia local, e justiça seja feita, todos os grupos regionais com peso, Caldas Jr., RBS, Rede Pampa e Band RS, bateram duro e firme, mais uma vez fazendo lembrar ao já clássico documentário com Chomsky e apropriadamente chamado de “O consenso fabricado”. Vestisse bombachas e o tão temido judeu nova-iorquino poderia ganhar a vida como profeta na esquina democrática de Porto Alegre. Como sua análise, com a qual modestamente concordamos, é sistêmica e não episódica, a força da mídia local, estrategicamente levou o tema à exaustão dos formadores de opinião do Rio Grande.

 


É fato e verdade, o estado gaúcho está mal das pernas, falido, sem capacidade de investimento e com um déficit cumulativo. As projeções oficiosas, em contra-parte, como a publicada na página 6 de Zero Hora de sexta-feira 14/07, é triunfalista. Após o pacto, o déficit seria de R$ 887 milhões para 2007; R$ 386 milhões para 2008 e em 2009 a roda já estaria girando ao inverso. Assim, o estado teria superávit de R$ 286 milhões neste ano e R$ 983 milhões. Detalhe, estes números são uma projeção, antevendo uma vitória do Pacto sobre várias demandas reprimidas no Rio Grande, dentre elas as lutas do funcionalismo.

 


Outras medidas virão, como o acertado teto salarial máximo para qualquer servidor, de carreira ou temporário, do estado. O problema inicia aí, justo no teto salarial. Terminou o acordo inicial por afirmar a autonomia de cada poder em fixar seu ordenado. Chegaram a afirmar um texto cujo salário máximo seria a astronômica quantia de R$ 22.111,25, equivalente a 90,25% do salário do presidente do Tribunal de Justiça do RS. Mas, como era esperado, a gritaria foi generalizada, encabeçando a chiadeira a elite togada, representada pelos desembargadores reclamando de seus “parcos vencimentos”. A questão do teto salarial será a próxima pauta da agenda do Pacto, talvez o último, antes que estoure de vez a corrida eleitoral no estado.

 


A primeira medida do pacto é a economia de R$ 100 milhões nas despesas de governo. Se e caso todas as medidas forem implantadas na íntegra, a economia do Rio Grande pode chegar ao montante de R$ 2,5 bilhões até 2010. Mas, segundo as declarações para a Zero Hora do consultor do projeto para a Assembléia Legislativa, Darcy Carvalho, ele próprio elaborador destes números, ainda com esta economia ficará difícil do estado gaúcho cumprir suas obrigações legais. Ou seja, os percentuais fixos para a saúde e educação, ficarão contingenciados, tanto para manter a corda bamba da rolagem da dívida interna, como para atender poderosos lobbies corporativos e empresariais.

 


Neste artigo, não queremos nos estender no tema específico do Pacto. Reconhecemos que este tem aspectos positivos, como o intento de teto salarial, o fim das isenções fiscais e o rebaixamento da alíquota de ICMS, mas afirmamos que pactos de governabilidade como estes, têm uma base por essência injusta.  Esta é a discussão de fundo, a diferença entre a isonomia corporativa e a luta justa de servidores por melhoria salarial.

 


A congelar os orçamentos, dotando-os apenas de correções irrisórias, esta medida aceita a isonomia como justa. Ou seja, toma como ponto de partida algo que é essencialmente um absurdo social.

 


Não é razoável de se pensar um gatilho de salários que iguala proporcionalmente no aumento, a “marajás” e “barnabés”. Não levar em conta a diferença salarial e os choques de interesse de classe no interior do funcionalismo é negar a própria sociedade que vivemos.

 


Ou seja, um aumento de 10% sobre um salário de R$ 450,00, remuneração média de um professor da rede estadual não implica o mesmo peso na folha de um suposto aumento dado para a magistratura. Não se pode equivaler o aumento de salário de um contínuo de repartição, merendeira de escola, técnico da CEEE (eletricitário) ou da CORSAN (urbanitário) com aumentos para coronéis da Brigada Militar (PM), delegados da Polícia Civil ou ministros do TCE.

 


A situação vivida hoje no estado pode ser uma analogia com os problemas das demais unidades do país. Ter o maior IDH do Brasil, não assegura para o Rio Grande a prosperidade econômica. O que segura o estado é seu passado, a intervenção anterior do governo estadual ainda no antigo mandato de Leonel Brizola, a estrutura dos minifúndios erguida sobre a agricultura familiar, o sistema de crédito solidário e cooperativo – como a gigante Sicredi, com mais de R$ 1 milhão de cooperados – e o que resta de desenvolvimento regional.

 


As razões da crise não passam necessariamente por “técnicas gerenciais” tipo Programa Gaúcho de Qualidade Total (PGQT). Os problemas são de fundo, de destinação de recursos e acordos corporativos.

 


xemplos são vários, como o próprio “pacto federativo”, executor de uma dívida estadual que vai corroendo orçamentos ano a ano; os gordos e polpudos empréstimos do Banrisul – como o montante oferecido ao Grupo Azaléia, recordista absoluto em fechamento de fábricas – programas absurdos como o Fundopem e outras formas de sacar o dinheiro do Estado e dar para quem já tem. Assim fomos por décadas financiando e re-financiando aos grandes grupos econômicos que aqui operam, acumulando uma outra dívida, muito mais dura de sanar que a orçamentária.

 


A dívida social, não incluída jamais em pactos de elite ao longo da história, tampouco será paga no “Pacto pelo Rio Grande”. Os operadores do acordo, como o já citado deputado estadual pelo PPS César Busatto, seus colegas de Assembléia Fernando Záchia (PMDB), Jair Soares (PP) e Raul Pont (PT), assim como o Procurador-Geral do RS Roberto Bandeira Pereira, não pensaram e nem tem como pensar em diminuir esta divida estrutural. Fizeram a sua parte, ajeitarando a cama para o próximo governador deitar em berço esplêndido sobre um fato já consumado.

 


Como sempre, a parte mais bruta deste latifúndio orçamentário cabe aos trabalhadores. Estas categorias outrora centrais nos projeto de governo social-democrata, terão a dura e histórica tarefa de reconstruírem seu próprio caminho. Será isso ou apenas mais arrocho em nome da “governabilidade”.

 


Longos quatro anos nos aguardam nestes pagos do Sul.

 


Bruno Lima Rocha é cientista político