segunda-feira, junho 26, 2006

VEJA Os melhores reservas do mundo



Com Juninho Pernambucano,
Robinho e Cicinho e Ronaldo
outra vez artilheiro, o Brasil
desencanta e cria um ótimo
problema para Parreira


Carlos Maranhão e André Fontenelle, de Dortmund



Juninho e Ronaldo comemoram um dos quatro gols do Brasil contra o Japão: a melhor atuação na primeira fase


Uma piada espalhou-se pela internet às vésperas do jogo entre Brasil e Japão. Desesperado com a iminente desclassificação de sua equipe, o técnico Zico ligou para o colega Carlos Alberto Parreira.

– Por favor, Parreira, me ajude.

– Tudo bem, Zico, vou escalar os reservas contra vocês.

– Não, pelo amor de Deus! Os reservas não...

Os reservas entraram mesmo em campo na quinta-feira passada, em Dortmund. E, nove dias depois de estrear na Copa do Mundo, a seleção brasileira finalmente fez o que dela se espera: começou a jogar o seu futebol. Com Cicinho, Gilberto, Gilberto Silva, Juninho Pernambucano e Robinho no lugar de Cafu, Roberto Carlos, Emerson, Zé Roberto e Adriano, o Brasil derrotou o Japão por 4 a 1. A participação dos (ex?) suplentes foi decisiva. Gilberto e Juninho marcaram gols. Cicinho deu de cabeça o passe para o primeiro gol. Gilberto Silva esteve à altura do titular Emerson e Robinho foi para Ronaldo um companheiro de ataque mais ágil que Adriano.

Shinya Haga/AFP
Cicinho (à esq.) festeja o gol de Gilberto: os reservas substituíram bem os ídolos Cafu e Roberto Carlos


Parreira guardou mistério quanto à escalação até o último momento. Horas antes do jogo, a Rede Globo chegou a anunciar que Ronaldo seria poupado. A divulgação dessa notícia, que se revelou infundada, desagradou a Parreira e à comissão técnica. Só às 12h45 de Brasília, durante a preleção, ou seja, a três horas da entrada em campo, a escalação verdadeira, com Ronaldo, seria anunciada pelo treinador a seus comandados. Parreira não colocou os reservas para ajudar Zico, é lógico, tampouco por estar insatisfeito com todos os titulares. Em parte, as mudanças tinham a ver com o regulamento da Copa. Cafu e Emerson haviam levado um cartão amarelo. Se tomassem outro, estariam fora da partida seguinte, das oitavas-de-final. Se não tomassem, o cartão anterior seria perdoado. Ronaldo e Robinho também tinham um cartão, mas o técnico decidiu correr o risco de escalá-los. Manteve Ronaldo porque ele precisa jogar para recuperar a forma e o peso. Colocou Robinho porque a partida contra o Japão era uma boa oportunidade de testar uma nova dupla de ataque. O Brasil entrou em campo classificado e perderia o primeiro lugar do grupo F unicamente se ocorresse uma improvável combinação de resultados.

Com coragem e para a surpresa dos que o consideram um teimoso conservador, o que Parreira fez, de certa forma, é comparável ao que há muito se faz em outro esporte, o basquete. Nele, o banco de reservas é tão importante que, nos Estados Unidos, a cada jogo se divulga o total de pontos marcados pelos substitutos, uma estatística conhecida como bench scoring (literalmente, pontuação do banco). No encontro de quinta-feira, o bench scoring do Brasil foi de 50%, pois dois dos quatro gols se deveram aos reservas Juninho e Gilberto. Parreira, aliás, detesta usar o termo "reservas" para se referir aos doze atletas sentados a seu lado à margem do gramado. Prefere "opções". Ou "grupo".

"Copa se ganha com um time só, e não com dois, mas isso não quer dizer que você possa vir com apenas onze jogadores", afirma. "É preciso ter um grupo preparado e opções, como nós temos." Contra o Japão, a seleção exibiu tantas delas que o treinador passou a ter diante de si um problema. Aliás, um ótimo e necessário problema. Será inevitável a cobrança para que algumas dessas opções sejam mantidas diante de Gana, na terça-feira 27, no mesmo estádio de Dortmund. Robinho é o que tem mais chances de ficar. Saltou aos olhos a diferença entre ele e Adriano. "Acho que fiz um bom trabalho", diz Robinho. "Mas se eu vou sair jogando ou não é o professor Parreira quem sabe." O discurso de Juninho Pernambucano, que deixou crescer a barba e está igualmente cotado para mais uma vez ser escolhido, é semelhante: "Quero continuar jogando bem e estar à disposição do treinador".


Vanderlei Almeida/AFP
Robinho passa pelo japonês Ogasawara: o camisa 23 não esconde que quer ser titular

Se os reservas deram uma demonstração de competência contra o Japão, quem brilhou foi o mais discutido dos titulares. Aos 29 anos e 90,5 quilos, Ronaldo marcou dois gols. O primeiro com uma cabeçada, fundamento em que ele próprio reconhece ser deficiente. O segundo veio numa de suas jogadas características, o chute preciso e indefensável de fora da área. "É maravilhoso voltar a fazer gols. Espero ter a mesma sorte e atuação nos próximos jogos", vibrou Ronaldo, que entrou em campo calçando um par de chuteiras amarelas com o nome do filho, Ronald, inscrito nelas. O menino, que tem 6 anos, foi pela primeira vez ao estádio para ver o pai jogar em uma Copa do Mundo. Presenciou um feito histórico. Com seus dois gols, Ronaldo alcançou catorze em Mundiais. Igualou-se assim ao alemão Gerd Müller, das Copas de 1970 e 1974, até quinta-feira o recordista isolado. O camisa 9 do Brasil também superou os doze gols de Pelé, que assistiu à partida da tribuna de honra.

A vitória fez o Brasil recuperar a primeira posição como favorito nos sites de aposta britânicos, um lugar que tinha sido perdido na véspera para a Argentina (veja o quadro). Ciclotímica como é a torcida brasileira – e a imprensa, é claro –, a boa atuação contra o Japão periga desencadear um novo ciclo de euforia, semelhante ao que antecedeu a Copa e na razão inversa do pessimismo que tomou conta do país depois das atuações inconvincentes contra a Croácia e a Austrália. É bom, porém, conter o excesso de otimismo. O time japonês era visivelmente limitado, e mesmo assim fez um gol e criou jogadas perigosas. Ronaldo teve uma atuação que chegou a lembrar seus bons momentos do passado, mas ele é o primeiro a reconhecer que continua pesado. "Tenho total conhecimento do meu corpo e das minhas condições", disse após a partida.

O peso de Ronaldo foi revelado pelo preparador físico Moraci Sant'Anna na véspera do jogo ao jornal esportivo Lance!. Pelo que se pôde entender das declarações de Moraci, o Fenômeno apresentou-se à seleção com 94,7 quilos, cerca de 12 a mais que o declarado em sua ficha oficial. É muita coisa para um atleta de 1,83 metro, cujo peso ideal não poderia ultrapassar os 87 quilos. Ronaldo ficou sem jogar por um mês, pouco antes da Copa, devido a uma lesão na coxa direita. Se já não estava propriamente magro, engordou mais um pouco.

A quebra de um dos segredos mais bem guardados da seleção, sem a prévia autorização do jogador, causou mal-estar. Por isso, Moraci Sant'Anna fez questão de elogiá-lo no dia seguinte. "O maior mérito é dele", afirmou. "Vem se dedicando muito, fazendo tudo e até mais um pouco. Trabalha até de manhã, quando os outros estão de folga", acrescentou. "Cheguei com o nível físico abaixo do de meus companheiros e sabia que teria de ralar muito", contou Ronaldo. A torcida brasileira em Dortmund reconheceu esse esforço, gritando nas arquibancadas: "Eu, eu, eu, o Ronaldo emagreceu!".