terça-feira, junho 27, 2006

Dora Kramer - O mapa da mina A regra da reeleição é clara, mas candidatos buscam brechas para transgredir

O Estado de S. Paulo
27/6/2006

A equipe do presidente Luiz Inácio da Silva vive agora o mesmo dilema
(artificial) vivido pela assessoria do presidente Fernando Henrique
Cardoso em 1998: marcar uma diferença nítida entre as agendas do
presidente e do candidato à reeleição de forma a não infringir a
legislação eleitoral e expor a candidatura ao risco máximo da
impugnação.

Lá como cá, estabelece-se uma falsa questão, pois a lei é clara em
seus parâmetros básicos: o governante não pode usar a máquina
administrativa em seu favor - aí incluídos quaisquer instrumentos de
natureza pública -, devendo, portanto, restringir suas atividades
oficiais ao estritamente necessário, de modo a observar ao máximo o
princípio da igualdade de condições entre os concorrentes.

Não há, em tese, dificuldade alguma em obedecer à legislação.
Inexiste mistério, tampouco há necessidade de editar manuais, baixar
portarias, distribuir cartilhas. Tudo isso é agitação de faz-de-conta
buscando dar à opinião pública uma impressão de rigorosa disposição
de andar direito, quando o sentimento é exatamente o oposto.

Os concorrentes à reeleição - todos, os passados, os presentes e os
futuros - não têm a menor intenção de se submeter voluntária e
integralmente à legislação em vigor sem tergiversações nem tentativas
de se favorecer alegando suposta dubiedade no texto legal.

Dúbias são as atitudes dos candidatos, cuja preocupação não é obter
informações a respeito de como cumprir a lei, e sim saber como podem
burlar as regras sem correr o risco da punição. Daí o grande número
de consultas ao Tribunal Superior Eleitoral.

Com isso, suas excelências querem mesmo é saber o limite da
tolerância dos juízes e detectar quais as brechas que lhes
possibilitam enveredar pelo terreno da ilegalidade com um mínimo de
segurança.

A Presidência da República dispõe de bem montada e competente
advocacia para saber perfeitamente o que é permitido e o que é
proibido. Perguntar diariamente ao tribunal se isso ou aquilo pode ou
não pode é tentar transformar a Justiça em consultoria e forçar os
magistrados a firmarem uma posição a respeito de casos concretos.

Isso significa antecipação de julgamento. Se, amanhã ou depois, algum
ato que já tenha sido objeto de consulta vier a ser contestado pelo
adversário, o acusado sempre poderá brandir em sua defesa a posição
anteriormente tomada pela Justiça em resposta à "consulta".

É a má-fé no comando das ações. Se houvesse boa intenção, bastaria
seguir o texto da lei sem recorrer a subterfúgios nem deixar margem a
contestações fundamentadas.

A própria proposta do direito a um segundo mandato introduzida na
Constituição por força do governo Fernando Henrique Cardoso já trouxe
embutida a tentação à burla, ao permitir que o concorrente ao mesmo
posto permaneça no cargo sem necessidade de desincompatibilização.

Isso num país sem a tradição da reeleição e com hábitos políticos de
arraigado fisiologismo, inclusive por parte do eleitorado. Os autores
da proposta - que agora querem extingui-la sob o argumento de que
"não deu certo" - basearam-se no modelo norte-americano, porque à
época isso lhes era mais conveniente.

Se tivessem levado em conta a realidade brasileira e não a ganância
eleitoral, obviamente teriam proposto o afastamento do cargo. À
época, Mário Covas alertou para o defeito. Foi voto vencido, mas, ao
concorrer à reeleição para o governo de São Paulo, tomou a iniciativa
de se desincompatibilizar sem consultar tribunal nenhum, norteado
apenas pelo bom senso, ciência dos limites e do sentido de paridade
contido na lei.

Quase perdeu a eleição, mas foi fiel à própria consciência.

À francesa

O deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara, ficou em
Brasília no fim de semana para ir à convenção do PT no sábado. Mas,
informado de que os mensaleiros não seriam bem recebidos, minutos
antes do início achou melhor desistir.

Salvo-conduto

As forças empenhadas em campanhas de depuração da política pelo voto
e de condenação ao voto nulo têm mais uma tarefa a cumprir: mostrar
ao eleitor que políticos envolvidos em denúncias, citados em
inquéritos e personagens de processos ainda em curso pretendem ser
eleitos para se dizerem absolvidos pelas urnas e se valerem da
imunidade e do privilégio parlamentar ao foro especial de Justiça.

Se obtiverem mandato, praticamente adiarão por mais quatro anos o
risco de punição, fazendo do eleitor um instrumento de impunidade.
Este ponto carecerá de esclarecimento detalhado junto à população.

Ao bispo

Se o Judiciário, que é o Judiciário, fecha acordo com o governo por
reajustes salariais em período considerado ilegal pelo presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, de fato não será a oposição que comprará
essa briga, questionando na Justiça a legalidade das medidas
provisórias concedendo aumentos ao funcionalismo.