quinta-feira, abril 27, 2006

Guilherme Fiuza Petrobras, a mentira





no mínimo volta à primeira página  Esse é um país que vai pra frente. Pra cima, no caso do astronauta. O patriotismo de laboratório nunca esteve tão parecido com o do regime militar. E não dá para distinguir se a mórbida semelhança se deve mais ao autoritarismo ou ao anacronismo. O certo é que a fortuna gasta no passeio cósmico do bobo alegre Marcos Pontes, que tanta reação provocou por aí, é migalha perto do que já custou ao país a mentira da Petrobras.

Estão discutindo se Lula está ou não está fazendo uso eleitoral do anúncio da auto-suficiência em petróleo. Discussão inevitável, mas imprestável. Qualquer presidente faria o que Lula está fazendo, tentaria faturar a tal marca. O que não apareceu no debate político – está cada vez mais difícil as coisas que realmente interessam aparecerem no debate político – é o quanto o mito da potência verde-amarela do petróleo custou ao país.

Talvez nem a ditadura chinesa conseguisse a proeza realizada no Brasil, sem muito esforço: transformar a Petrobras em símbolo do nacionalismo. Não pode haver nada no país, na esfera pública ou privada, mais anti-nacionalista do que a Petrobras. Trata-se de uma empresa que se agigantou ao longo de meio século graças a um regime de parasitose explícita e consentida do Estado brasileiro, isto é, da nação. O projeto mais obsceno de privatização de recursos públicos sob o pretexto do patrimônio coletivo. A Petrobras é do povo, tanto quanto o valerioduto – isto é, se o "povo" em questão fizer parte de alguma fração dos beneficiários das maravilhosas vantagens corporativas, políticas e particulares distribuídas pela estatal.

No ano passado, os brasileiros leram – ou deveriam ter lido – mais uma notícia de injeção milionária do Tesouro Nacional (dinheiro sem dono) no fundo de pensão da Petrobras, que pela enésima vez estava descoberto. Não tem problema, o povo paga. O povo adora a Petrobras, se ufana dela. Assim é fácil ser multinacional verde-amarela. A interseção entre o caixa da estatal e o bolso dos brasileiros é uma das zonas mais obscuras da economia nacional. Ali rolou e rola de tudo. Um levantamento feito na Câmara dos Deputados mostrou que, na primeira metade dos anos 90, a Petrobras pagou ao Tesouro menos de um terço dos dividendos devidos a ele. Não tem problema: o Tesouro não cobra, o povo muito menos.

Repetindo, isso não é nacionalismo nem na China – embora seja um negócio da China. A finada conta petróleo, criada para que a estatal pudesse vender gasolina ao público abaixo do preço na época dos choques do petróleo, tornou-se um dos grandes mistérios da contabilidade governamental. O Tesouro era o grande depositante naquela conta, para subsidiar os preços artificialmente baixos da empresa. No entanto, a partir de meados dos anos 80 o preço do petróleo passou uns 20 anos em rota declinante, mas a Petrobras nunca mais deixava de ser credora do Tesouro naquela conta (depois transformada na famigerada PPE, Parcela de Preços Específicos). Assim como está para nascer um brasileiro tão ético quanto Lula, está para surgir um estudo sério, auditoria ou coisa que o valha para demonstrar que dívida crônica e impagável é essa do Brasil com a Petrobras.

A "quebra do monopólio" da exploração de petróleo no Brasil, no fim dos anos 90, era o que faltava para a Petrobras chegar ao paraíso. Para ser competitiva no mundo, a estatal passaria agora a alinhar seus preços com os do mercado internacional. Quando eles subiram por conta da crise do Iraque, a Petrobras foi atrás, com toda leveza. Quando eles baixaram, a Petrobras ficou onde estava. Era preciso "proteger-se contra as oscilações". Foi baixá-los muito depois, já tendo feito, evidentemente, formidável "poupança" às custas dos bolsos dos brasileiros – esses que se ufanam da Petrobras.

É a maravilhosa multinacional verde-amarela que já destruiu ecossistemas ao longo de todo litoral, notadamente em São Sebastião (SP) e Baía de Guanabara (RJ), por condutas irresponsáveis no transporte de óleo. A mesma empresa que acaba de fazer um dumping descarado no preço do diesel para arrebentar com um negócio das concorrentes Shell, Esso e Ipiranga. Esse é o capitalismo praticado pela Petrobras, ícone da modernidade no oba-oba da auto-suficiência.

O Brasil do astronauta e da Petrobras é um país que vai pra frente. De uma gente amiga e tão contente, de um povo unido, de grande valor. É um país que canta, trabalha e se agiganta, é o Brasil do nosso amor. Ame-o ou deixe-o.