segunda-feira, março 27, 2006

Reforma da gestão

Reforma da gestão
Artigo - LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Folha de S. Paulo
27/3/2006

Uma contradição fundamental que enfrenta uma sociedade democrática de desenvolvimento médio é como compatibilizar a limitação dos recursos do Estado com a demanda crescente dos eleitores por maior quantidade e melhor qualidade dos serviços públicos. No Brasil, essa contradição é forte porque o gasto público é excessivamente alto, e a democracia, uma realidade. Entre as respostas a essa contradição, a mais importante é aquela que vem sendo dada pela maioria dos países desenvolvidos por meio da reforma da gestão pública. Enquanto a primeira grande reforma da organização do Estado, a reforma burocrática ocorrida no século 19 visava criar uma administração profissional e eletiva, a reforma da gestão visa melhorar a qualidade e reduzir o custo dos serviços públicos, ou, em outras palavras, atender às demandas da sociedade sem incorrer em custos excessivos.
O Brasil foi o primeiro país em desenvolvimento a iniciar uma reforma da gestão pública abrangente. A reforma começou com a criação do Mare (ministério da Administração Federal e Reforma do Estado) em 1995 e a definição de um Plano Diretor e de uma emenda constitucional nesse mesmo ano. Em pouco tempo, transformou-se em uma agenda nacional e ganhou os corações e as mentes da elite do serviço público brasileiro, que a está aos poucos implantando.
Entretanto, depois de um grande avanço nos primeiros anos, a reforma foi perdendo impulso na União. Uma das razões foi a extinção do Mare, em 1999, passando a coordenação da gestão pública para o ministério do planejamento. Tenho responsabilidade nessa decisão porque, ainda no final de 1997, a recomendei ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Prevendo a iminente aprovação da emenda 19 (o que, de fato, aconteceu), supus que as principais mudanças institucionais da reforma haviam sido realizadas. Agora tratava-se de implementar a reforma ao nível das agências do governo federal, e, para isso, o poder do ministério do planejamento seria decisivo.
Nos Estados Unidos, o diretor da administração federal havia me dito que o segredo da sua ação estava no fato de seu escritório estar ao lado do escritório do diretor do Orçamento. Esse raciocínio tinha certa lógica, mas hoje estou convencido de que me equivoquei. Não previ o desinteresse dos ministros do planejamento pelo tema da gestão pública; não previ que, dada a preocupação quase exclusiva desses ministros com o Orçamento, a gestão pública ficaria relegada ao terceiro escalão do governo.
Há outras razões para a perda do impulso da reforma na esfera federal. O PT, ao chegar ao governo federal, trouxe consigo uma visão burocrática e corporativista da administração pública. As novas idéias relativas a transformar os servidores públicos em gestores, com mais autonomia e com mais responsabilidade, de descentralizar a organização do Estado e controlar as agências por resultados, em vez de por supervisão direta, era algo que estava fora do quadro de referências da esquerda burocrática que então assumiu o poder.
A reforma da gestão pública, porém, é uma realidade que se impõe às sociedades modernas. Dada a divisão cada vez maior do trabalho e a imensa complexidade e dinamismo das sociedades atuais, sempre em processo de mudança, não resta outra alternativa ao aparelho do Estado senão descentralizar e controlar por resultados, por competição administrada, por excelência e por controle social. Por isso a reforma da gestão de 1995 continua a se desenvolver ativamente nos Estados e nos municípios, onde, aliás, ela é mais necessária. São os Estados e os municípios que prestam um número maior de serviços aos cidadãos, que têm contato mais direto com os usuários dos serviços. Por isso são os Estados e os municípios que podem conseguir melhores resultados em termos de baixa de custos e de melhoria da qualidade dos serviços através da implementação dos princípios da reforma da gestão pública de 1995.
Estive presente à última seção do seminário sobre os avanços da gestão pública nos Estados, realizado em São Paulo no início deste mês pelo Conselho Nacional de Secretaria de Administração. Fiquei muito impressionado pelos avanços que foram relatados. E feliz por ver que boa parte dos relatores haviam sido membros da minha equipe. A gestão por resultados, a terceirização de serviços para organizações sem fins lucrativos (organizações sociais), as políticas de recursos humanos, os métodos modernos de atendimento ao cidadão, o governo eletrônico são iniciativas que estão sendo adotados por um número cada vez maior de Estados e municípios.
No governo federal, a reforma da gestão está parada. Existe, porém, uma convicção cada vez mais espalhada na sociedade de que o Brasil precisa de um choque de gestão. Para isso, será necessário que o novo presidente restabeleça o ministério da Administração Federal e coloque a reforma da gestão como um dos pontos centrais de sua agenda.