quarta-feira, março 29, 2006

MERVAL PEREIRA Crise potencial

 

O GLOBO

O novo ministro da Fazenda encerrou sua fala na transmissão de cargo no Palácio do Planalto ontem com uma frase que resume seu pensamento sobre o desenvolvimento do país, e embute os termos da próxima provável disputa com o Banco Central autônomo. Ele prometeu levar a economia "até o limite do seu potencial de crescimento". Definir qual é esse potencial é uma tarefa a que muitos economistas se dedicam, e mesmo Mantega, quando era ministro do Planejamento, entrou nessa discussão encomendando um estudo, que não chegou a ser feito devido à sua transferência para o BNDES.

Embora o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nunca tenha revelado, o mercado financeiro acha que ele trabalha com um limite entre 3,5% e 4% para o crescimento que, acima disso, forçaria os limites da capacidade instalada da economia, provocando inflação. Também o relatório da Goldman & Sachs sobre as potências emergentes definiu em 3,5% o crescimento do Brasil para ele se manter entre os BRICs (além do Brasil, Índia, China e Rússia) que dominarão a economia mundial dentro de 30 anos.

Há quem ache, no entanto, que esse potencial de crescimento é muito maior. A taxa média de crescimento brasileiro dos últimos cinqüenta e cinco anos é de 5,2%, mas o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, lembra que a história recente só traz más notícias: de 1990 a 2003 o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Ele já se pronunciou sobre nossas potencialidades, afirmando sem receios: "O Brasil não é um tigre asiático".

Mas já teve crescimentos sustentados de níveis asiáticos: de 1950 a 1959, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; e de 1970 a 1979, de 8,78%. O maior crescimento foi de 13,97% em 1973, no auge do "milagre econômico", mas taxas de dois dígitos são exceções à regra, só aconteceram em seis anos.

O novo ministro Guido Mantega já deu mostras de que considera que o crescimento potencial do país é mais perto dos 5% do que dos 3,5% hoje aceitos como paradigma pela equipe econômica que começa a ser substituída. Ele admite que há pontos de estrangulamento, mas assumiu defendendo investimentos e aumento das importações, antiga tese sua ainda no ministério do Planejamento: eliminar escassez de recursos, de insumos, via importação.

Um antigo argumento de Henrique Meirelles sobre os entraves ao potencial de crescimento do país, o gasto com a Previdência Social, ganha força com os números atuais dos gastos públicos. Meirelles lembra que em termos de participação do PIB, nosso gasto com a Previdência é igual ao de países europeus. E acrescenta: "Eles têm um problema por causa disso: baixo potencial de crescimento, na faixa de 2% ao ano".

Pois o novo ministro da Fazenda também garantiu que não é favorável ao descontrole do gasto público, e vai ter que mostrar, no ano eleitoral, como transformar em realidade seu discurso. O gasto primário total do governo central teve um aumento de 7,8% em 2004, de 10,1% em 2005 e cresce no primeiro bimestre.

O superávit primário do setor público, que era de 5,28% do PIB no bimestre do ano passado, está em 2,43% este ano. Decisões já contratadas, como o aumento do salário-mínimo, indicam que algumas variáveis vão continuar crescendo, e a margem de manobra daqui para a frente é mais restrita do que no ano passado.

Aquela grita da ministra Dilma Rousseff em outubro era porque o superávit estava chegando perto de 6% do PIB. Gastou-se muito no final do ano, mas o superávit ainda ficou bem acima da meta. Este ano a situação é oposta. O governo pode chegar na necessidade, lá pelo meio do ano, de fazer apertos para poder chegar na meta de 4,25% do PIB, o que é muito difícil num ano eleitoral, e ainda mais no meio do ano, exatamente quando a candidatura de Lula terá que ser oficializada pela convenção do PT.

No ano passado, o aumento do superávit tinha sido promovido por estados, muitos municípios e estatais. Ou seja, Palocci e Dilma brigaram por um dinheiro extra que não era deles. O Tesouro já começou a sofrer o impacto do aumento forte de gastos com pessoal e custeio, e deve estar pagando as obras que contratou no final do ano passado.

O cenário fiscal de curto prazo é ruim, na visão de economistas, se agravando no próximo ano, seja quem for o presidente eleito, por conta do impacto do salário-mínimo e outras medidas, como um forte aumento para o funcionalismo, embutido no Orçamento federal.

Ainda na linha do desajuste dos gastos públicos, o economista Ib Teixeira fez um estudo no Sistema de Acompanhamento Fiscal (Siafi) dos últimos dez anos, e chegou à conclusão espelhada nos quadros abaixo.