terça-feira, março 28, 2006

Fernando Henrique Cardoso: "Não vamos repetir os erros de 2002"

Fernando Henrique Cardoso: "Não vamos repetir os erros de 2002"
André Lahóz e Nelson Blecher
Exame num. 0864
29/3/2006

Ao contrário da campanha presidencial de José Serra, desta vez o PSDB está coeso em torno de Geraldo Alckmin -- ao menos é o que diz o ex-presidente FHC
 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso admite que seu partido, o PSDB, entrou rachado na última eleição presidencial, mas acha que isso não se repetirá agora. Em entrevista concedida a EXAME, FHC diz que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de seu reconhecido carisma, está longe de ser imbatível. "Com tanto descalabro, não seria a hora de eleger uma pessoa racional e equilibrada?", pergunta FHC, numa referência ao candidato Geraldo Alckmin. 

EXAME -- No meio político, corre a versão de que, na última campanha presidencial, o candidato José Serra não teve apoio expressivo nem do PSDB nem de seu governo, o que teria sido um grave erro. O senhor concorda?
FHC -- Isso realmente aconteceu. O processo foi mal conduzido. Mas esse quadro não vai se repetir. Não havia na época um elemento de coesão tão forte como há hoje. Todo mundo sabe que o pior que pode acontecer para o Brasil é a manutenção da situação atual. Naquela época, havia a idéia de que era preciso renovar. Era essa a sensação, inclusive de gente de nosso próprio partido. Agora, prima a idéia de que é preciso impedir que esse esmorecimento, essa lassidão em vários setores do governo continue.

Num país em que disputas tendem a se transformar em programa de auditório, como um candidato com o apelido de Picolé de Chuchu pode enfrentar um adversário com reconhecido carisma?
Eu o enfrentei duas vezes e ganhei em primeiro turno. Lula nunca foi guiado pela razão. Pode-se dizer que na primeira eleição havia o Plano Real, mas na segunda havia crise. Por que ganhei? O país percebeu que naquela altura era melhor deixar que uma pessoa com menos arroubos e com maior rumo vencesse. A situação não é a mesma agora? Com tanto descalabro, não chegou a hora de eleger uma pessoa racional e equilibrada? Nem sempre os temperamentos mais exacerbados levam a maioria. Também não dá para menosprezar a capacidade verbal do Geraldo. Na TV ele é muito preciso e direto.

Há diferenças entre a plataforma do PSDB e a do PT?
No estilo, as diferenças são gritantes. O que caracteriza o atual governo é a falta de inovação. Ele pegou uma plataforma e a manteve. O governo do PT se escudou no tripé câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Esse tripé foi construído no meu governo e agora está sendo operado de forma equivocada. Até na área social os programas são os mesmos, apenas foram consolidados. Mas, ao juntá-los, perdeu-se o propósito. Programa social voltado para o combate à pobreza é esparadrapo. A questão central é aumentar os investimentos em educação para gerar empregos, para que as pessoas não dependam do Estado.

Haverá alguma novidade na gestão da economia num eventual governo Alckmin?
Acho que sim. O mundo mudou. O ajuste fiscal, por exemplo, terá de ser maior e mais sadio. A Previdência tem de passar por uma nova reforma. Embora não acredite que a redução dos juros seja uma panacéia, é evidente que ela ajudaria. Muita gente acha que o mundo vai acabar se o governo cortar a taxa de juro em, digamos, 1,5 ponto percentual. Em certos momentos é razoável que ocorra algum repique na inflação, desde que pequeno, se isso der ânimo às pessoas -- e olhe que sou insuspeito em termos de combater a inflação. Acho que há espaço para o próximo presidente ser bem menos conservador.

Que razões levariam Geraldo Alckmin a vencer a próxima eleição?
O eleitor sabe que Geraldo fez algo impressionante em São Paulo. É um processo que não começou com ele. Mário Covas tinha noção do que fazer. Construiu a Imigrantes, o rodoanel, mexeu na educação. Geraldo estava ao lado do Mário, aprendeu e levou adiante tudo isso com um estilo tranqüilo, sem bazófia, com gerenciamento. É disso que o Brasil precisa. É necessário ter noção da importância de coisas básicas: a reforma política, a melhoria da infra-estrutura, da educação e da segurança. Também é preciso saber gerenciar com competência. Não adianta dizer: vou criar não sei quantos milhões de empregos, vou crescer tanto. Isso não depende de vontade, mas da economia mundial. O que depende do governante é sua competência, eficiência, seriedade, discrição. Falta compostura na condução da coisa pública. Covas tinha isso. Geraldo e Serra têm.

E o presidente Lula?
Não posso dizer que tenha, porque o que está se vendo aí não é compostura -- um comportamento e tratamento adequados para enfrentar as situações. Fingir que nada está acontecendo, pregar que todo mundo se desvia da lei. Não acho que um presidente deva fazer isso.

Mas, apesar disso, ele lidera as pesquisas.
Se Lula ganhar a eleição, significará que o país não entendeu que precisa dar um passo a mais no caminho das transformações que precisam ser feitas. Que reformas foram realizadas? A da Previdência não passou de um simulacro. E a reforma trabalhista? Sumiu do mapa. Nunca vi na história do Brasil momento semelhante, com tamanha rede de corrupção. Não posso afirmar que o presidente tenha envolvimento. Refiro-me à sua responsabilidade política, o que é mais grave do ponto de vista histórico. Ele deveria atuar, mas está simplesmente usando táticas para camuflar.

A campanha eleitoral, a seu ver, deve ser mais propositiva que sanguinária?
O que é sanguinário já está aí. Não podemos é tapar o sol com a peneira. Ninguém vota de olho no passado ou no presente. Vota-se numa expectativa de vida melhor. Geraldo significa esperança no futuro. Ele é o único elemento novo no cenário. O que está aí não serve. Lula é um bom relações-públicas. Mas o Brasil precisa mais que isso. E rápido. Minha intuição é que esse céu de brigadeiro no mundo vai acabar. Estamos perdendo tempo.