terça-feira, março 28, 2006

AUGUSTO NUNES Lula tem culpa nesse cartório

Lula tem culpa nesse cartório
Coluna - Coisas da política
Jornal do Brasil
28/3/2006

A revista Época ainda não divulgara a presença de quase R$ 30 mil na conta bancária de Francenildo Costa e o presidente Lula já sussurrava a amigos, em Florianópolis, a boa nova. Logo seriam divulgadas informações que deixariam mal no retrato o caseiro Nildo, testemunha das visitas do ministro Antonio Palocci à mansão alugada por amigos e ex-assessores para negócios suspeitos e noitadas alegres. "Chefe", assim o chamavam os freqüentadores da casa que Palocci havia jurado desconhecer.

Como vive repetindo nos improvisos, Lula é um campeão em tudo. Ninguém tem tanto apreço pela ética. Ninguém é mais honesto. Nenhum governante foi tão competente. Nenhum o superou no amor aos pobres. Nesse buquê fabuloso, contudo, nunca figurou o dom da premonição.

Como não é capaz (ainda) de prever o futuro, de que modo Lula antecipara o amanhã? Muito simples: tudo fora feito com o consentimento do presidente. Ele sabia do estupro do sigilo da conta mantida pelo caseiro na Caixa Econômica Federal. Sabia que o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, participara diretamente da ação criminosa.

Integrante da força-tarefa mobilizada para livrar Palocci do patíbulo, Mattoso viveu seus 10 minutos de herói palaciano. A tramóia começou a desabar com a descoberta de que o dinheiro de Nildo saíra do bolso do pai biológico, que pretendia manter em segredo a derrapada conjugal. Os trapaceiros aprendizes deveriam ter parado por aí. Mas seguiram acrescentando capítulos à tragicomédia que tivera seu prólogo no Supremo Tribunal Federal. Na primeira cena, o ministro César Peluso atende a um pedido de socorro do senador Tião Viana e interrompe o depoimento do caseiro.


Inútil. O que fora dito bastara para provar que Palocci havia mentido. Nocauteado em pé, o lutador continuou no ringue. ("Neste país, ninguém renuncia nem ao cargo de síndico", dizia o presidente Jânio Quadros. Jânio tinha razão). Sempre com a cumplicidade ativa de Lula, o caseiro passou de testemunha a réu. Suspeito de "lavagem de dinheiro", foi intimado pela Polícia Federal. Sofreu constrangimentos de que até delúbios e valérios escaparam.

Ontem, Palocci e Mattoso perderam o emprego. E quanto a Lula? Não deve desculpas ao caseiro? Nem explicações ao país? Acha que também desta vez sairá ileso? A esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono. Pense nisso, presidente.

 

Coragem, deputado
O Brasil que pensa aguarda ansioso a divulgação, nesta terça-feira, do Relatório Serraglio. Se o deputado paranaense cumprir com desassombro a missão que o destino lhe confiou, haverá razões para esperança: existem homens decentes no Congresso. Se o relator da CPI dos Correios capitular, vergado pela ofensiva dos delinqüentes, o Legislativo deixará de ser um dos três Poderes. Estará reduzido a um caso de formação de quadrilha ou bando. Poucas vezes a imagem da instituição dependeu tão claramente de um parlamentar.

Há semanas, Osmar Serraglio avisou que o relatório não pouparia nenhum dos culpados, fosse quem fosse. A poucas horas da divulgação do documento, é impossível saber se o relator aceitou recuar – e, em caso afirmativo, qual é a extensão do recuo.

Pecadores mensaleiros absolvidos em série, alianças abjetas celebradas sem camuflagens, rebolados ultrajantes no plenário – em matéria de atrevimento, a Câmara foi longe demais. O Relatório Serraglio poderá ajudar a conter o avanço dos patifes. Não decepcione o Brasil, deputado.