terça-feira, fevereiro 28, 2006

Serra, Covas e a “palavra empenhada” em 1998 Por Rui Nogueira

PRIMEIRA LEITURA



Que peso tem, em uma campanha para o Planalto, o fato de José Serra (PSDB) ter firmado o compromisso de não deixar a prefeitura para concorrer a outro cargo público, mas agora poder vir a ser o candidato tucano à Presidência da República? O mesmo peso, muito provavelmente, que teve a quebra de compromisso politicamente semelhante feito pelo governador Mário Covas (PSDB), em 1998. Uma pesquisa no noticiário da época e o comportamento de Marta Suplicy (PT) durante aquela campanha ao governo do Estado talvez ajudem a elevar o debate político atual.

O caso, que vou batizar aqui de caso “Covas-Maluf-Marta”, guarda ainda, como veremos, incríveis semelhanças entre os movimentos das pesquisas da época e os das de agora, envolvendo Luis Inácio Lula da Silva e José Serra (PSDB).

Em 1997, o então governador do Estado de São Paulo, Mário Covas, anunciou publicamente que não disputaria a reeleição. Fez o anúncio e reafirmou inúmeras vezes a decisão. Entre as pré-candidaturas postas, estavam a do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) e a da deputada federal Marta Suplicy (PT), além de uma penca de outros nomes, todos na coluna das possibilidades – Serra, Francisco Rossi (PDT), Orestes Quércia (PMDB), Geraldo Alckmin (PSDB) etc. Tal como hoje, na virada de 1997 para 1998, do término do ano pré-eleitoral para o início do ano eleitoral, os institutos de pesquisa foram a campo para tomar o pulso do eleitor.

Primeira lição sobre as pesquisas a transportar daquela época para esta: candidato declarado e bem conhecido do eleitor sempre aparece muito bem colocado nas pesquisas feitas com muita antecedência. Revisitem o noticiário sobre as pesquisas do fim de 1997: Maluf com 35% a 40% das intenções de voto, e os demais nomes sempre na faixa dos 15%, quando muito 20%. Maluf era candidato declarado, movimentava-se como candidato, falava como candidato e discutia os assuntos de São Paulo como se já estivesse em campanha. Os demais nomes, a começar pelo de Covas, amarrado ao compromisso de se ir para a aposentadoria política, eram tratados como possíveis.

Lula hoje, assim Maluf ontem, está no lugar que deveria estar nas pesquisas. O eleitor, diante de tamanha antecedência eleitoral, sempre tende a citar o nome que junta conhecimento e evidência circunstancial. Maluf era citado como imbatível, e Covas era dado como esperto por, supostamente, ter sacado que a disputa da reeleição seria apenas um ritual de inútil sacrifício. O impressionante, hoje, é que Lula tenha uma vantagem tão pequena em relação a Serra apesar de tamanha exposição eleitoral.

Portanto, senhores, parem de ler o que não está “escrito” nas pesquisas, que Lula ou Serra estão “consolidados”, que Lula é “imbatível”, que Serra “ganha fácil”. O que as pesquisas dizem, hoje, é que o jogo está aberto. Em 1998, quando a campanha começou para valer, Covas e Maluf passaram ao segundo turno, e Covas, com apoio de Marta, entre outros, derrotou Maluf.

Outro imperativo
Pois é, Covas venceu com o apoio de Marta. A mesma Marta Suplicy que hoje faz tanta questão de transformar em imperativo moral o compromisso de Serra, mas, em 1998, não se incomodou com o fato de Covas estar no segundo turno depois de ter jurado que não seria candidato. Pelo contrário: ficou famoso o encontro fraterno de Marta e Covas e a hipoteca de apoio dado pela candidata petista ao imperativo maior, que era derrotar Maluf.

Ontem, como hoje, esses compromissos, ao contrário do que querem fazer crer alguns, não carregam nenhum imperativo moral. São apenas e tão somente imperativos políticos.

Detalhe curioso tirado de reportagens da época: nove em cada dez textos do noticiário diziam, ao listar os prontos fracos e os pontos fortes de cada candidato, que, entre os problemas de Covas, caso ele viesse a se candidatar, estava o “desgaste” por ter “de voltar atrás na palavra empenhada de não se candidatar”.

Segunda lição: deixem, senhores, o julgamento moral para as ações de Estado sob responsabilidade do político eleito. O eleitor nunca teve uma relação moralista com os acordos políticos.

[ruinogueira@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 27 de fevereiro de 2006.