quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Celso Ming Ainda não virou


ming@estado.com.br

A ansiedade turva a vista. A valorização do real está criando em alguns segmentos do mercado, especialmente entre os exportadores, uma enorme aflição - reação perfeitamente compreensível. Mas essa aflição está prejudicando a objetividade na análise do que se passa no País.

Na última terça-feira, por exemplo, o Banco Central divulgou as contas externas de janeiro e lá se viu um déficit de US$ 452 milhões nas transações correntes - que são o conjunto de contas que registram as movimentações com o exterior, com exclusão dos fluxos de capitais.

Esse déficit surpreendeu porque era esperado um número positivo próximo dos US$ 200 milhões. Muita gente entendeu que a vulnerabilidade externa, que se julgava equacionada, tinha voltado em conseqüência da excessiva valorização do real. Bastou que depois de meses de superávits aparecesse tinta vermelha nessa conta para que de todos os lados surgissem conclusões de que, enfim, o jogo virou; de que sumiram as condições técnicas que mantiveram a queda do dólar; e que, daqui para frente, o dólar faria o caminho de volta.

Mas as informações disponíveis não permitem conclusões desse tipo. É natural, por exemplo, que as corporações estrangeiras radicadas no Brasil tenham aproveitado o fechamento dos seus balanços para remeter US$ 1,5 bilhão entre lucros e dividendos para suas matrizes no exterior, especialmente quando para isso podem aproveitar uma relação cambial favorável.

Alguns analistas têm afirmado que o dinamismo das exportações dá sinais de esgotamento. Isso pode estar ocorrendo, mas ainda não apareceu nas estatísticas.

Três fatores sugerem que essa conclusão é prematura. Primeiro, houve neste ano um atraso nas safras agrícolas e, por isso, ainda não se intensificaram os embarques. Ao contrário, as exportações de produtos básicos nas três semanas de fevereiro caíram 5,1% sobre fevereiro de 2005. Segundo, ainda não estão nos resultados comerciais deste ano os efeitos sobre as exportações de petróleo e seus derivados resultantes da auto-suficiência da Petrobrás; e, terceiro, as exportações de manufaturados, segmento mais vulnerável à valorização do real, cresceu 6,2% nas três primeiras semanas de fevereiro, mais do que o total exportado (mais 4,1%).

Análises mais sofisticadas que levem em conta o fluxo cambial e as posições em moeda estrangeira detidas pelos bancos ficam para os especialistas. O que dá para acrescentar é que, na ausência de uma atuação mais agressiva do Banco Central e do Tesouro, antes do final de março não haverá elementos para apostar na recuperação firme do dólar no câmbio interno.

O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, foi até recentemente um renitente cobrador de políticas ativas que estancassem o fortalecimento do real de maneira a empurrar as exportações. Furlan já não roda esse realejo porque parece ter entendido que não há o que fazer. Prefere dizer agora que as próprias forças do mercado atuarão para reverter a trajetória do dólar. Entendeu que o simples barateamento das importações conjugado à mais rápida recuperação da atividade econômica será suficiente para aumentar a procura de dólares e reequilibrar o jogo.

Há pelo menos dois outros fatores que apontam para a continuação do achatamento do dólar no câmbio interno. O primeiro deles é a esperada promoção dos títulos brasileiros nas tabelas de percepção de risco. O outro, já citado, é a intensificação das exportações de produtos agrícolas a partir de março.