domingo, janeiro 29, 2006

Merval Pereira Entre o populismo e o realismo

O GLOBO


DAVOS. A caminhada para a esquerda da América Latina, e o que ela pode vir a significar, é dos poucos assuntos que interessam aos participantes dos painéis aqui no Fórum Econômico Mundial além do crescimento da Índia e da China na economia mundial. Há um consenso: é preciso melhorar a distribuição de renda na região, pois são as desigualdades sociais que insuflam os líderes populistas. A questão crucial é: o populismo ganhará força política na região, ou os países continuarão no caminho de equilíbrio fiscal e das reformas estruturais para atingir o desenvolvimento?

O diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, falando em uma reunião sobre o futuro da América Latina, foi categórico: o período eleitoral mostrará qual o caminho preferido. Mas o crescimento sustentado não será alcançado com medidas populistas, advertiu. O ministro da Energia do México, Fernando Canales, se aproveitou do "realismo mágico" da literatura para advertir: não há lugar para mágicas na economia globalizada, só para realismo.

A aproximação da China com alguns países da América Latina é uma preocupação, especialmente dos americanos, sempre muito ocupados com o que acontece no seu "quintal", expressão recuperada num ato falho pelo senador John Kerry, um democrata liberal que não perde, no entanto, o senso de posse que predomina na política externa americana.

O fantasma que assusta no momento é a influência cada vez maior da Venezuela de Hugo Chávez na região, que não por acaso está sendo o ruidoso anfitrião do Fórum Social Mundial, onde seu antiamericanismo encontrou eco. O jornalista do "The New York Times" Thomas Friedman, sem ser explícito, se referiu ao "eixo do mal" ao colocar no mesmo patamar do que chamou de "alguns dos piores governos do mundo" o Iraque de Saddam Hussein, a Venezuela de Chávez e o Irã de Mahmoud Ahmadinejad.

Ele se referia à necessidade de pesquisas sobre combustíveis alternativos para tirar o poder de fogo que esses e outros países ganharam com a crise de energia mundial. Também duas das mais influentes revistas de política internacional, a "Foreign Affairs" e a "Foreign Policy", se dedicam a analisar a situação da América Latina em suas edições bimensais que estão sendo distribuídas aos participantes do Fórum Econômico.

A "Foreign Affairs", além de um artigo de Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, tem um artigo específico sobre o México de Enrique Krauze, editor-chefe do "Letras Libres". Peter Hakim, num artigo intitulado "Washington está perdendo a América Latina?", cita a preocupação, não apenas do governo, mas também do Congresso norte-americano, com a aproximação da China da América Latina, o que é visto como o maior perigo aos interesses americanos na região desde o colapso da União Soviética.

Hakim lembra que a América Latina se transformou em um fornecedor vital de matérias-primas e produtos agrícolas da China, cujas importações cresceram perto de 60% ao ano. A aproximação comercial e política com a China, vista por muitos como uma alternativa aos Estados Unidos, não resultou, no entanto, em grandes alterações no mercado internacional.

O presidente do Diálogo Interamericano culpa a administração Bush de incapacidade de perseguir políticas que motivem o apoio de países da região, que se encontra dividida e ambivalente em relação aos Estados Unidos. Chávez é classificado na "Foreign Policy" como um líder político que está atualizando o autoritarismo, que já dominou a América Latina, com um modelo de democracia que esconde facetas obscuras como o poder quase sem limites do presidente e o controle quase total do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.

Desde o título — "Hugo Boss", um trocadilho com o nome da marca internacional de moda masculina e o controle quase absoluto de Chávez sobre o Estado venezuelano e sua influência na América Latina — o texto de Javier Corrales, um professor especializado em governança do Amherst College, trata o modelo de Chávez como um "moderno autoritarismo", que se aproveita da fragilidade das instituições latino-americanas para se impor, com prováveis seguidores em outros países da região, especialmente em sua política antiamericana.

O fato de que os dois principais países da América Latina, Brasil e México, terão eleições este ano é motivo de especulação entre os executivos presentes aqui em Davos. Há um consenso, porém, nas análises: a maioria não teme mudanças nem rupturas devido aos resultados das eleições, mesmo no caso do México, onde o candidato do Partido da Revolução Democrática (PRD), o esquerdista Lopes Obrador, parece ser o mais provável vencedor.

Seu passado de retórica pesada e propensão ao populismo, no figurino chavista em voga na região, não parece ser uma ameaça de que o estilo não mudará com a chegada ao poder. No artigo da "Foreign Affairs" sobre o México, Enrique Krause diz que se Obrador for eleito, se verá numa prova de fogo. Terá de honrar os princípios de uma sociedade livre, a legalidade e os direitos individuais para consolidar a democracia mexicana.

Mas entre os executivos, não há grande temor de que Obrador possa não respeitar esses princípios. Ao contrário, a mudança de posição entre a retórica dos candidatos de esquerda e os presidentes eleitos é a razão dessa confiança, e a transformação do líder operário radical no presidente Lula é o exemplo que está nas apostas de todos aqui em Davos.

Com relação ao Brasil, a possibilidade de reeleição do presidente Lula desperta reações de satisfação entre os empresários em Davos. Quanto ao candidato do PSDB, a escolha não provoca grandes preocupações. Há mais dúvidas sobre o que possa vir a fazer o prefeito de São Paulo, José Serra, do que com relação ao governador paulista, Geraldo Alckmin. Mas não são esperadas grandes surpresas.