quinta-feira, janeiro 26, 2006

ENTREVISTA:Ozires Silva "O governo quebra todo mundo"

ISTOÉ DINHEIRO




O homem que criou a Embraer lança livro para empreendedores, diz que o Brasil de hoje é mais difícil e avalia que o poder público é responsável pela falência de quase todas as companhias aéreas

Ana Paula Paiva


Por Elaine Cotta

Ozires Silva é engenheiro formado pelo ITA, foi oficial da Aeronáutica e, em 1969, criou a Embraer, hoje referência mundial na fabricação de aeronaves. Foi ainda presidente da varig num dos melhores momentos da companhia e é considerado um dos maiores especialistas sobre setor aéreo no Brasil – se não o maior. Também foi ele quem deu os primeiros passos para internacionalizar a Embraer. "O primeiro contrato externo foi com o Uruguai em 1975, quando vendemos seis aviões que voam até hoje". Para Silva, o governo é responsável pela crise da Varig e, se quisesse, poderia já ter ajudado a reerguer a empresa, considerada por ele um patrimônio nacional. Também diz que a Embraer está de mãos atadas para conter a pressão que os Estados Unidos exercem para impedi-la de vender aviões para países como Venezuela e Irã. "Mudar isso é responsabilidade do governo", diz Ozires. "Mas os poderosos não fazem nada senão atrapalhar." Em entrevista à DINHEIRO, ele falou sobre seu livro Cartas a um Jovem Empreendedor, onde transmite sua experiência empresarial. Falou também da decepção que sente ao ver, aos 75 anos, que o Brasil ainda não tem um projeto de desenvolvimento claro. "Temos que criar um País novo porque esse que está aí... não sei não. Vai piorar." A seguir os melhores trechos da sua entrevista.

DINHEIRO – Que conselhos o sr. dá aos empreendedores?

OZIRES SILVA
– Só tento passar a experiência que tive com a criação da Embraer. O Brasil chegou a ter muitas empresas de aviação. Mas todas fecharam porque faltava a elas a visão mercadológica que implantamos na Embraer.

DINHEIRO – Foi esse o segredo da empresa?

SILVA
– Sim, foi ter colocado a gota mercadológica na empresa. No livro eu conto como decidimos que avião fabricar, onde vender e os detalhes de todas as decisões que foram tomadas para que a Embraer chegasse aonde chegou.

DINHEIRO – Dias atrás, a Embraer perdeu um contrato de quase US$ 1 bilhão com os EUA. Isso o preocupa?

SILVA
– É uma notícia ruim, mas eu também perdi contratos. Em 1994, não conseguimos fechar uma venda de US$ 7 bilhões aos Estados Unidos em Super Tucanos. Eles se defendem. Nós não.

DINHEIRO – A pressão para não vendermos para a Venezuela é um exemplo?

SILVA
– Essa não foi e nem será a primeira vez que perdemos contratos por causa dos EUA. Quando estava à frente da Embraer, por exemplo, perdi contratos para vender para Turquia e Paquistão.

DINHEIRO – Isso afeta muito a Embraer?

SILVA
– Claro que prejudica. Mas a Embraer não tem alternativa. Os americanos montaram um esquema de domínio dos componentes que vendem para o mundo inteiro. Se a General Eletric se recusar a me vender motores não há governo no mundo que a obrigue a fazer isso. Claro que, oficialmente, a pressão dos EUA não existe. Mas todo mundo sabe que a GE recebe uma orientação do Departamento de Estado americano e não vende. E como somos dependentes, não temos o que fazer.

DINHEIRO – E se tivéssemos nosso motor?

SILVA
– Os clientes não comprariam nossos aviões. Se mostrássemos para a Venezuela um avião com um motor "Silva" ou "Oliveira" eles iam questionar: que raios de motor é esse? E não comprariam. É quase impossível driblar esse problema.

DINHEIRO – A Embraer nunca terá seus motores?

SILVA
– Não. Nem deve. Se ela caminha na direção de fabricar tudo, vai quebrar. Foi esse o erro de outras empresas brasileiras que fecharam as portas. A Embraer não esquenta a cabeça. Não faz sentido comprar chapa de alumínio ou computador de bordo no mercado local.

DINHEIRO – Não há como ter um avião 100% nacional?

SILVA
– Ser empresário no Brasil é muito difícil. Há uma hostilidade contra ele. As pessoas vêem o empresário como um cara que só quer ganhar dinheiro, quando na verdade é um cara que quer ganhar o salário dele trabalhando.

DINHEIRO – Não há saída ou o sr. está sendo pessimista?

SILVA
– Não é pessimismo. O fato é que a Embraer terá que parar de gastar energia com esse negócio da Venezuela e partir para outro. Se não dá para vender para a Venezuela, então vamos atrás da China, da Índia.

DINHEIRO – O governo não poderia interferir?

SILVA
– Se o governo quiser brigar, deixe fazê-lo. Ele já nos atrapalha muito. A Embraer é só uma vítima nessa sinuca de bico. A empresa tem de seguir em frente. Agora, os Estados Unidos estão montados num negócio espetacular e nós, com tantas possibilidades, não conseguimos nunca avançar. O fato é que o governo senta em cima de todos os problemas e não resolve nenhum.

DINHEIRO – Não há saída então?

SILVA
– Na verdade, o problema é nosso. Como você explica o sucesso de outros países, especialmente dos Estados Unidos? Depois da segunda guerra eles ocuparam suas posições com competência e hoje eles lideram o comércio. A verdade é que o Brasil ainda precisa de marcas.

DINHEIRO – Ter marcas reconhecidas leva tempo. O Brasil conseguirá?

SILVA
– É difícil. Se eu chego num cliente qualquer e digo que o freio não é o que ele conhece, ele não compra. Isso serve para eletrônica e todos componentes do avião.

DINHEIRO – A Varig ganhou prazo da Justiça americana para evitar o arresto de seus aviões. O sr. acha que a varig ainda tem salvação?

SILVA
– Uma grande parte da dívida da Varig é com o governo. E, ao mesmo tempo, o governo deve para a varig. Analise comigo: se o governo vender a Varig, ele vai receber esse dinheiro? Se ela continuar com esses problemas, não vai receber. Se ela falir, também não vai receber. Ora bolas, então por que o governo não faz um acerto de contas com a Varig e resolve logo esse negócio?

DINHEIRO – Salvar a Varig está nas mãos do governo?
SILVA
– Se você quiser fazer uma estimativa grosseira vai ver que 60% dos custos da operação de uma companhia aérea vão para os cofres do governo.

DINHEIRO – O que o governo deveria fazer?
SILVA
– A minha proposta é reduzir o endividamento da Varig e de imediato a empresa poderia voltar a respirar para ir em frente. O governo até agora só conseguiu quebrar todas as empresas. Quebrou a PanAir, a Real, a Nacional, a Transbrasil e a Vasp. Agora vem a Varig. No futuro virão a TAM e a Gol. O governo quebra todo mundo.

"Se a GE decidir não vender uma turbina, não há governo que mude isso"

DINHEIRO – Mas há quem critica o fato do governo socorrer a Varig já que não fez o mesmo no caso da Vasp.

SILVA
– Isso não é socorrer. Ninguém conta que o governo tem tirado dinheiro demais das companhias aéreas.

DINHEIRO – O que impede um acerto de contas?

SILVA
– Nada. Falta vontade.

DINHEIRO – O sr. vê a varig como um patrimônio nacional?

SILVA
– Ela não é só isso. A Varig tem direitos de tráfego no mundo inteiro que o Brasil não pode jogar fora.

DINHEIRO – Como o sr. vê a proposta de vender a varig para a TAP?

SILVA
– Isso é um absurdo. A TAP é uma estatal portuguesa. O governo só pode estar brincando. A TAP atua num país que não tem mercado e nós vamos dar o nosso para os portugueses de mão beijada. Por que será que tem tanto estrangeiro interessado em comprar a Varig? É só o governo brasileiro que não está interessado.

DINHEIRO – Qual é a saída? Uma fusão com a TAM teria sido uma solução viável?

SILVA
– O governo deveria fazer um encontro de contas e zerar a dívida. A fusão não deu certo porque o governo proibiu e teria sido uma alternativa sim. O fato é que o Brasil não cresce, o brasileiro está empobrecendo e o preço da passagem só sobe por que os custos são muito elevados.

DINHEIRO – E a Gol? Por que dá certo?

SILVA
– Porque é nova. As companhias aéreas do Brasil não conseguem envelhecer de forma saudável. Se você olhar a Gol de hoje, ela tem mais problemas do que há dois anos. A tendência é piorar. O que acontece no Brasil é que vão quebrando as velhas e aparecendo as companhias novas. Acontece que na aviação isso é um perigo porque a aviação depende de técnicos. Quando as empresas não envelhecem, perde-se a mão-de-obra.

DINHEIRO – A Transbrasil hoje terá condições para voltar a voar como determinou uma liminar na última semana?

SILVA
– Não sei. Mas isso mostra que quem determina o processo e as regras do setor aéreo é o governo. Essa liminar saiu porque o governo não impediu. Há uma responsabilidade clara do poder público, em todos os governos. Lula nem tinha nascido quando quebraram a PanAir.

DINHEIRO – O Brasil e os brasileiros são incompetentes?

SILVA
– Eu não me conformo em ver o Brasil nesse retardo. Nós temos as mesmas características dos americanos.

"A Gol só dá certo porque é nova. Hoje ela tem mais problemas do que há dois anos"

DINHEIRO – Qual foi o erro do Brasil então?

SILVA
– Os EUA tiveram um processo político diferente. O governo trabalhou para o País. Aqui o País trabalha para o governo. O sucesso de uma nação é dado pelo sucesso de seus cidadãos e não pelo sucesso do governo.

DINHEIRO – O povo brasileiro falhou então?

SILVA
– Não existe governo de sucesso com povo fracassado, mas existem governos fracassados com povo de sucesso. No Brasil, o governo impede o desenvolvimento.

DINHEIRO – Foi sempre assim?

SILVA
– Não. O Juscelino conseguiu criar as bases do desenvolvimento. Ele era inimigo da burocracia. No governo dos militares, do ponto de vista empresarial, não se atrapalhou tanto. Eles, por incrível que pareça, eram a favor da privatização.

DINHEIRO – As privatizações foram boas?

SILVA
– Em alguns aspectos, sim. Mas acho que faltou oportunidade para fortalecer o capital nacional e impedir de vender tudo para capital estrangeiro.

DINHEIRO – Isso é um problema?

SILVA
– O problema básico é que temos de mudar o País. Acho que o povo brasileiro tem que entender o que está acontecendo.

DINHEIRO – Como?

SILVA
– O Brasil falhou no contexto econômico. Nós temos a mesma idade dos EUA, as mesmas condições e eles dispararam. A gente ficou para trás. Isso mostra que pelo menos do ponto de vista de cultura, comportamento, nós somos muito diferentes dos americanos. Não vou dizer se para o bem ou para o mal. O fato é que até agora não funcionou aqui.

DINHEIRO – Perdemos o bonde?

SILVA
– O País está enrolado. Desde a Constituição de 1988, editaram 3,3 milhões de leis. Não há empresa que consiga se adequar a essa barafunda. É preciso surgir um governante como Juscelino, com apoio de um Congresso sério. Esse que está aí perdeu credibilidade. Eu deixei de ser a velhinha de Taubaté. Nós temos que criar um País novo porque esse que está aí... não sei não. Seus filhos vão comer grama se continuar desse jeito. O mundo está numa velocidade absurda e nós paramos.

DINHEIRO – O presidente Lula não é bom exemplo?

SILVA
– O Lula faz uma confusão dos diabos entre política financeira e política econômica. Ele não sabe a diferença. Financeiramente, o Brasil está arrumadinho, mas economicamente está um desastre. E ele fala da política econômica, dizendo que é um trunfo. Mas é o contrário. A política econômica vai muito mal e obrigado.