segunda-feira, janeiro 30, 2006

Editorial da Folha de S Paulo

VOTO ISLÂMICO

Editorial
Folha de S. Paulo
30/1/2006

As primeiras experiências eleitorais em países do Oriente Médio antes comandados por governos autocráticos, nacionalistas e laicos estão levando à emergência de partidos islâmicos radicais, a exemplo do que se viu na vitória do Hamas nos territórios palestinos.
Com retórica e prática que desafiam princípios republicanos em voga no Ocidente, essas forças chegam ao poder legitimadas pelo voto popular. Mas, do ponto de vista estratégico, problematizam uma das diretrizes da diplomacia ocidental, a princípio correta, que é a de "exportar" a democracia para essa região.
Antes da vitória do Hamas, um aberto defensor do terrorismo, o forte vínculo entre islamismo e política já havia se revelado nas eleições legislativas do Iraque, realizadas em dezembro, e do Egito, onde o grupo radical Irmandade Muçulmana obteve 88 das 150 cadeiras em disputa.
Na Arábia Saudita, as primeiras eleições para as câmaras municipais do país foram marcadas pela grande votação dos wahabitas, extremistas dentro do mundo islâmico. A mesma trajetória foi percorrida no Líbano pelo grupo terrorista Hizbollah, que conseguiu eleger uma bancada no Parlamento.
O antecedente histórico desses movimentos é a Revolução Islâmica do Irã em 1979, que levou os xiitas e os aiatolás ao poder. Depois de um período de inspiração reformista, os iranianos voltaram a escolher radicais conservadores como representantes, nas eleições de 2004 e 2005.
A partir da revolução iraniana, outros regimes inspirados no nacionalismo árabe começaram a ser confrontados por partidos islâmicos sempre que ocorreram eleições.
A chegada de grupos islâmicos ao poder por meio do voto deve ser respeitada, como princípio. Mas esse respeito deve estar condicionado a que seus integrantes mantenham as regras do jogo que permitiram sua própria ascensão. Caso ajam para derrubar os alicerces da competição eleitoral, é lícito que essas facções sejam proscritas a título de preservar o bem maior, que é a democracia.