domingo, janeiro 29, 2006

AUGUSTO NUNES Deputados celebram o Dia da Infâmia

JB

Deputados celebram o Dia da Infâmia

Um bando de parlamentares celebrou na quinta-feira o Dia da Infâmia. Os ensaios para o evento, combinados aos sussurros, começaram há meses. O palco seria improvisado na sala do Conselho de Ética. O espetáculo intitulado "Acordão" estrearia no Conselho de Ética da Câmara, durante a votação do relatório favorável à cassação do mandato de Roberto Brandt.

Graças ao desempenho dos atores escalados para livrar da guilhotina o pefelista mineiro, milhões de brasileiros agora sabem que "acordão" é o outro nome do conchavo, da pilantragem, da safadeza, da maracutaia. O feioso buquê multipartidário forjado para animar Roberto Brandt em seu calvário juntou três artistas do PFL, dois do PSDB e um do PP. Completou o elenco a esforçada Ângela Guadagnin, tarimbada atriz do PT. Todos suaram a camisa. Mas o final não foi feliz.

Os sete comparsas só conseguiram um bisonho empate.

Outros seis parlamentares apoiaram o relator. O golpe de misericórdia veio com o voto de Minerva do petebista Ricardo Izar, presidente do Conselho.

Ao votar pela cassação, Izar impediu o triunfo da esperteza. Mas os confrontos no Congresso apenas começaram. O movimento de tropas está no prólogo.

As manobras refletem o fim da verticalização, que impunha a reprodução nos Estados da coalizão partidária montada para a eleição presidencial.

O Dia da Infâmia anunciou oficialmente a volta do vale-tudo. O PSDB e o PFL perderam o pudor: para abortar a CPI das Privatizações, concebida para investigar patifarias ocorridas durante a Era FH, toparão a mais ultrajante esperteza. Nenhuma das siglas admite revisitar complicações do passado recente. O PT só hasteou a CPI da Privatização para abrandar os ataques do inimigo. Está pronto para arriar a bandeira em troca de clemência para os bandidos companheiros. Os outros partidos continuam onde sempre estiveram: no balcão de compra e vendas de votos e coalizões.

No momento, a trinca PSDBPT- PFL pressiona furiosamente o deputado Osmar Serraglio, relator da CPI dos Correios. Ele ampliou a angústia dos governistas ao incluir Lula no relatório. E tirou o sono dos oposicionistas por juntar o senador Eduardo Azeredo ao bloco dos pecadores.

O país confia no Relatório Serraglio. Caberá ao deputado paranaense provar que ainda existem políticos decentes no Brasil.

Aquele que nada esquece ficou excitado com o palavrório beligerante de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores. Irritado com autoridades ianques que resolveram infernizar a exportação de aviões da Embraer, o "Pintassilgo do Itamaraty" partiu para o terreno da ameaça. "Os americanos pisaram no nosso calo", avisou. O Cabôco quer saber se pode alistar-se na tropa de brazucas que invade todo ano as lojas de Miami.

Explosão afetiva em La Paz

As cenas de carinho explícito entre Néstor Kirchner e Hugo Chávez deram o toque romântico à festa de posse de Evo Morales.

Surpreendido pelo affair sob o luar de La Paz, Lula traiu na fisionomia o desconforto de amante duplamente abandonado.

Quando a temperatura afetiva subia, o parceiro esquecido desviava o olhar para o infinito. Coragem, presidente. Isso passa.

Chefe caraíba leva o troféu

O presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, levou a taça com a frase que deixaria constrangido o general Custer:

"Tem muita terra para pouco índio" .

Já a Funai, supostamente encarregada de proteger as tribos do Brasil, tem pouco juízo e muito caraíba metido a cacique. Se Mércio ficar no cargo, logo haverá muita terra e nenhum índio.

Propina baixa exige castigo

Caso perca o mandato, o Professor Luizinho poderá fazer bonito como participante de qualquer grupo de carpideiras nordestinas. Ele tem repetido há meses a mesma incelença: não se pode punir um parlamentar que embolsou ilicitamente apenas R$ 20 mil. E ele nem pegou o dinheiro, jura. Foi um assessor.

Pois o ministro do Trabalho de Fernando Collor, Antônio Rogério Magri, perdeu o emprego por muito menos. "Esses 15 mil caíram no meu colo", deslumbrou-se numa conversa gravada. Não eram dólares nem reais. Collor decerto achou que propina baixa exige castigo duro. Assim pensam os bandidos da Câmara. Roubar é coisa da vida. Mas não pode haver perdão para quem rouba ninharias.

A padroeira dos pecadores

O Ministério da Justiça da Nova Era engordou o mamute burocrático com a criação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, para os íntimos). A sigla chegou para mostrar à turma das contas bancárias no exterior que a boa vida acabara. Pois melhoroumuito, graças sobretudo à aplicação de uma recuperadora que nada recupera.

Superintendente-geral do DRCI, a companheira Wanine Santana Lima virou madrinha dos bandidos dolarizados. Em outubro, um relatório interno da Polícia Federal revelou que Wanine se esmerava em atrapalhar investigações sobre o mensalão ou pilantragens protagonizadas por Duda Mendonça.

Trecho do relatório: "Enquanto as equipes policiais trabalhavam no Brasil e operacionalizavam a ida a Nova York, Wanine Lima encontrava- se no exterior tentando convencer as autoridades americanas a não repassar as informações solicitadas". Nessa estranha missão, trabalhou em parceria com o subprocurador- geral da República, Eugênio Aragão. A dupla esbanjou afinação.

Em coro, o casal repetiu aos americanos que a documentação buscada pela PF e pela CPI dos Correios era irrelevante. Entre a Polícia Federal, a CPI e a aplicada complicadora, o sempre gentil ministro Márcio Thomaz Bastos deu precedência à mulher. O DRCI foi fortalecido. E Wanine se tornou mais ousada.

Não foi possível evitar a liberação dos documentos. Ela acionou o plano B. A papelada que devassa os intestinos da Dusseldorf, guarda-chuvas que abrigou a conta de Duda e muitas outras, desembarcou no Brasil em oito caixas. Foram todas capturadas por Wanine. A PF e a CPI ainda não viram a cor dos documentos. Duda não trata do assunto. Livre e leve, só tem tempo para pensar no carnaval da Bahia.

A conversa fiada cansou

O candidato à reeleição preside até fechamento de buracos. Os pré-candidatos tucanos recorrem à desconversa: Geraldo Alckmin promete "seriedade" e "transparência", José Serra garante que a salvação do Brasil depende de muito trabalho e do combate à reeleição. Com sotaque de pastor, o azarão Garotinho exibe estatísticas que aprisionam a violência nas páginas dos jornais: o Rio que governa é tão tranqüilo como um templo evangélico. Enéas logo dirá que seu nome é Enéas, aquele que o destino escolheu para dar ao Brasil a primeira bomba atômica.

O circo sucessório começou mambembe. Vai piorar se o eleitorado não interromper a conversa fiada e cobrar programas que nunca existiram.

augusto@jb.com.br

[29/JAN/2006]