quarta-feira, dezembro 28, 2005

Faltou o espetáculo Celso Ming

ESTADÃO

 

O presidente Lula disse que desta vez não fica na promessa. Teremos "crescimento sólido" em 2006. Há cinco dias, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi mais específico: falou em crescimento de 5%.

Se trauma houve na economia brasileira ao longo de 2005 foi a marcha à ré do PIB no terceiro trimestre, de 1,2% em relação ao segundo trimestre. Esse recuo vai encurtar o avanço do ano para alguma coisa em torno de 2,5%, enquanto o resto do mundo segue a galope.

Depois do fiasco do "espetáculo do crescimento", a pergunta é: o que esperar de 2006?

Não dá para ser tão preciso quanto foi o ministro Palocci, mas é perfeitamente possível emplacar em 2006 um crescimento econômico acima de 4%. Mais do que apostar nesse número, dá para dizer que há hoje bem mais consistência no crescimento do que aquele que houve nas últimas décadas.

Falta muita coisa: mais poupança, mais investimento, falta reduzir o risco Brasil. Mas um dos fatores que vinham tirando chão do sistema produtivo, a "vulnerabilidade externa", felizmente é agora um flanco bem equacionado.

As exportações são recordes e deverão fechar este ano em torno de US$ 118 bilhões. O superávit comercial (exportações menos importações) também é recorde e ficará perto dos US$ 45 bilhões. As reservas externas líquidas fecharão o ano perto dos US$ 53 bilhões e, se o Banco Central continuar comprando moeda estrangeira, poderão chegar ao final de 2006 acima dos US$ 80 bilhões.

A dívida externa, que há apenas três anos era 3,5 vezes maior do que as exportações, agora é apenas 1,6 vez maior. E o índice de risco Brasil, que mede a capacidade de pagamento da dívida externa, deve agora resvalar para abaixo dos 300 pontos, uma queda de 88% do seu pico de 2.443 pontos atingido em setembro de 2002.

Não se espera nenhum choque externo grave em 2006. O petróleo continuará caro, mas ninguém aposta em que seus preços saltem para acima dos níveis em que já estiveram; o ajuste das contas americanas tende a ser gradual; e a economia mundial continuará avançando acima de 4%, graças à pujança da economia asiática, especialmente da China.

A maior solidez da área externa é a principal razão pela qual a economia brasileira enfrentou os escândalos e a crise política de 2005 sem fuga de capitais. É também o que garante boa dose de tranqüilidade em 2006, apesar do esperado tiroteio eleitoral.

A inflação não só está perdendo fôlego, como também pode agora ser mais facilmente combatida, embora a meta de 2006 seja mais baixa, de apenas 4,5%.

Para entender isso, é preciso lembrar do estrago provocado em 2005 pelos preços administrados, aqueles cuja correção é definida por lei ou por contrato (luz, telefone, água, aluguéis, prestação da casa própria). Esses preços, que normalmente são reajustados pelo IGP-M, correspondem a 30% da inflação medida pelo IPCA. Quando 2005 começou, a evolução anual do IGP-M estava em 12,4%. Para cumprir, em 2005, uma meta inflacionária de 5,1%, quando a inflação já predeterminada pelos preços administrados era 3,7% (30% de 12,4%), foi preciso uma dose brutal de juros que compensasse com preços livres mais achatados o estrago já feito pelos preços administrados.

Em 12 meses, tudo mudou. Nesse período, o IGP-M teve uma evolução de apenas 1,3%, a mais baixa de sua história. Vai sobrar menos arrasto inflacionário, de apenas 0,39%, para um ano cuja meta de inflação é de 4,5%.

Esta é a principal razão pela qual os juros continuarão baixando, provavelmente até níveis de 14% ao ano. Nada indica que estancarão por aí, mas para enxergar até onde mais poderão baixar será preciso saber como se comportará o resto do setor produtivo.

O lado mais fraco da economia é o fiscal, que é o governo gastando mais do que arrecada. Ainda falta muito para dar solidez a esse flanco, não só porque as despesas correntes do governo não param de subir, mas também porque a dívida (que é déficit acumulado), apesar de contida a 52% do PIB, ainda não está dominada. Além disso, o futuro da Previdência Social continua incerto e ameaça a saúde das contas públicas.

Infelizmente, em ano eleitoral não dá para esperar pela aprovação de reformas. O setor produtivo terá boas razões para seguir animado em 2006, mas terá de conviver mais um ano com um alto custo Brasil.