quarta-feira, novembro 30, 2005

Nota (infundada) de falecimento Luiz Weis

OESP

 

Viciada em vender más notícias e previsões pessimistas - de que o mundo está tão cheio quanto o inferno de boas intenções -, a imprensa, em especial nos Estados Unidos, se fartou nas últimas semanas de diagnosticar a deterioração de sua própria saúde e de prognosticar dias piores para si.

Não é de hoje que uma coisa e outra se escarrapacham pelas páginas de respeitados jornais e revistas, mas este novembro parece ter sido um mês particularmente cruel para o jornalismo impresso - em especial, de novo, nos Estados Unidos. Mas isso nos interessa porque poderemos ser eles amanhã.

Para alegria do coro de tragédia grega - "Eu não dizia?", "Eu não dizia?" -, o mês começou com a notícia de que a circulação dos diários americanos caiu em média 2,6% no semestre encerrado em setembro. Foi o maior declínio em período equivalente desde 1991.

E o mês terminou com a notícia de que Wall Street - onde se aposta que o jornal impresso é uma espécie em extinção - pressiona os executivos da Knight Ridder a pôr a empresa à venda, por causa da queda continuada do seu valor de mercado. (As ações do setor inteiro perderam este ano 22%.)

Depois da Gannett, que publica o USA Today, a Ridder é a segunda maior companhia do ramo, contando a tiragem somada de seus 32 jornais, entre eles o Miami Herald e o prestigioso Philadelphia Inquirer, menos conhecido dos brasileiros. Jornais do grupo se distinguiram por não papaguear pavlovianamente as mentiras de Bush, quando preparava a invasão do Iraque.

Novembro teve também mais do mesmo: anúncios de cortes de pessoal em jornais robustos como o Los Angeles Times e o Chicago Tribune. E desde maio o New York Times já cortou 700 funcionários, jornalistas e não jornalistas. (As redações brasileiras conhecem bem a canção.)

A rationale é que jornal é um brinquedo cada vez mais caro, as receitas publicitárias estão minguando (devem crescer menos de 3% este ano nos EUA) com a migração de anunciantes para a Internet, onde surgem novos sites para classificados - gratuitos.

Anuncia-se menos nos jornais porque são menos lidos. Em 1984, o ano dourado do setor, 63,3 milhões de americanos liam 1.688 diários. Em 2005, são 45,2 milhões e 1.457. Na média, o leitorado é mais velho que o de 21 anos atrás, porque os jovens - os consumistas por excelência - estão em outra.

Tudo isso é verdade, mas não toda a verdade. Passa-se a faca nas redações para diminuir custos - diminuindo, desde logo, a qualidade do produto que dali sairá. E se cortam custos para manter no escandaloso patamar de 20% ao ano o lucro das empresas editoras.

No artigo Investidores interpretam mal o futuro dos jornais, Michael Hiltzik, do Los Angeles Times, cita um colega que dizia dos seus patrões: "Eles estão ou nadando em dinheiro, ou realmente nadando em dinheiro. E, quando só estão nadando em dinheiro, começam a entrar em pânico."

Eis o turbocapitalismo aplicado à indústria da notícia. Nos anos recentes, a mídia não apenas passou por uma concentração econômica sem precedentes - e sem fim à vista -, como mudaram as origens, o currículo, a mentalidade, os interesses e as expectativas de parte importante do baronato do setor.

O grosso da mídia está nas mãos de meia dúzia de conglomerados ciclópicos (Time Warner, Disney, Vivendi, Viacom, Bertelsmann e News Corporation, este último, feudo do magnata australiano Rupert Murdoch). O pior é a expansão dos controladores de empresas de comunicação, para os quais gerar e vender informação não difere de produzir e vender entretenimento ou eletroeletrônicos.

"Muitos jornais já não pertencem a famílias que deles recolhiam não só dinheiro, mas benefícios intangíveis: sobretudo, prestígio social e poder político", aponta Hiltzik, no artigo transcrito sábado no Estado. Os seus sucessores tampouco compartilham do ethos dos proprietários tradicionais: o negócio deles é ir atrás do lucro - e ponto. Se pagaram por jornais para ganhar 20% ao ano, em nome do que se contentariam com 15%?

Mais até do que o impacto das transformações culturais provocadas pela explosão da Internet, essa lógica predatória, acentuada pela globalização, é o que poderá quebrar a espinha da imprensa.

Se escapar disso e se souber mudar para continuar a ser o gênero de primeira necessidade que foi no século 20, apesar do rádio e da televisão, o jornal pode ter um futuro nada menos do que "brilhante" - escreve, na contramão do catastrofismo convencional, o estudioso de mídia Paul Farhi, no American Journalism Review.

"Os relatos da mídia são grandemente exagerados, se não pura e simplesmente errados", sustenta. Para ele, o jornal "não está em situação pior, e em alguns aspectos está bastante melhor, do que a concorrência, incluindo a Internet". Seus argumentos são fortes.

Apenas 2% dos americanos têm na Internet a única fonte regular de informação jornalística. O tempo médio de leitura de notícias online é de meros sete minutos por dia. Os jovens quase não lêem jornais. Mas tampouco vão atrás de notícias na mídia eletrônica.

O jornal, escreve Farhi, tem vantagens competitivas únicas e, apesar da circulação em queda, 42% dos americanos entrevistados numa sondagem feita em 2004 disseram ter lido jornal na véspera - nenhuma outra fonte de notícias, salvo as emissoras locais de TV, tem mais público.

Na história da comunicação, os novos meios raramente eliminam os existentes: estes se adaptam e todos se ajeitam. A tendência atual é a da diversidade de fontes, e não a sua exclusão. E o jornal, por oferecer de tudo, ainda é a mais conveniente delas. "Há quem prefira comprar em butiques e lojas especializadas", compara Farhi. "Mas muitos mais preferem supermercados e lojas de departamentos."

Quem viver lerá.