quarta-feira, novembro 30, 2005

CLÓVIS ROSSI De "exército" a supérfluos

FSP
 
PARIS - Um mês depois do início dos incêndios que traumatizaram a França, os franceses -o governo, os políticos, a mídia, a academia- continuam procurando respostas e explicações para o que aconteceu. Não só os franceses.
Ulrich Beck, professor de sociologia da Universidade alemã de Munique, escreveu para o jornal espanhol "El País" um análise instigante, que universaliza o problema e, portanto, o traz para perto também do Brasil.
Escreve: "Há uma África [como símbolo da exclusão] real e muitos outras metafóricas na Ásia e na América do Sul, mas também nas metrópoles européias". Beck diz que "é cada vez menos válida" a premissa histórica segundo a qual "a pobreza de uns cria a riqueza dos outros".
A idéia [de Karl Marx] de um exército de reserva, os desempregados, já não tem tanto sentido. "A economia também cresce sem sua contribuição. Os governantes também são eleitos sem seus votos".
De "exército de reserva" passaram a supérfluos. "Os jovens "supérfluos" são não-cidadãos e, por isso, uma acusação ambulante a todos os demais".
De fato, para ficar só na França, o desemprego não baixa de 10% há um quarto de século, como lembrou no editorial de segunda-feira o diretor de "Le Monde", Jean-Marie Colombani. Nas "banlieues", onde se deram os incêndios, o desemprego atinge 40% dos jovens.
Nem por isso a França deixa de crescer -muito ou pouco, geralmente pouco. Nem por isso os salários deixam de aumentar -em razão do ciclo econômico, não em razão do "exército de reserva" do marxismo.
Mais do que supérfluos, essa massa torna-se invisível. Por isso, toca fogo. "Queimo, logo existo", define a, digamos, filosofia dos jovens das "banlieues", com o filósofo francês André Glucksmann em "El País".
No Brasil, é pior: seria "atiro, mato, seqüestro e roubo, logo existo".
PS - O leitor ganha a partir de amanhã 10 dias de merecida folga.