segunda-feira, novembro 28, 2005

Carlos Alberto Sardenberg Menos é melhor

OESP

O economista José Alexandre Scheinkman resume uma conta de clareza arrasadora: o setor público brasileiro (governos federal, estaduais e prefeituras) arrecada 37% do produto interno bruto (PIB); faz um superávit primário de 5%, com o que paga parte da conta de juros; e gasta 32% com Previdência, pessoal, custeio e investimentos.

Ou seja, o setor público dispõe de um terço do PIB para gastar. É muito ou pouco? É muito quando comparado, como se deve fazer, com países de renda parecida e mesmo com nações bem mais ricas, como a Coréia do Sul. Em geral, o gasto público desses outros fica ao redor de 25% do PIB.

E não se pode dizer que o Brasil ofereça mais e melhores serviços públicos. Aliás, ainda na semana passada passou quase batida uma notícia que, entretanto, resume à perfeição a situação nacional. O Departamento Penitenciário Nacional informou que a manutenção de um preso custa, em média, R$ 1.500 mensais. Isso equivale a um aluguel num flat de luxo em qualquer capital. Mais ainda. Esse custo bate de longe qualquer outro na América Latina. É simplesmente mais do que o dobro do verificado nos países que vêm em segundo lugar, Costa Rica, Argentina e México, que gastam em torno de R$ 650 mensais por preso.

Não consta que os presídios brasileiros sejam duas vezes melhores. Tudo considerado, o gasto público com pessoal, Previdência e custeio está aumentando há mais de dez anos. Só não aumentaram, ao contrário, caíram em proporção do PIB, os investimentos, o gasto bom, hoje em torno de 0,6%, contando só o governo federal. E que gasta pouco mais de 21% em custeio e transferências a Estados e municípios. Dez anos atrás, a relação era: 1,1% do PIB com investimentos e 15,4% no corrente. O gasto maior foi pago com mais impostos.

A situação continua exatamente igual neste ano. Na última sexta-feira, a Secretaria do Tesouro mostrou os números do governo federal para janeiro/outubro. A despesa primária, que exclui o pagamento de juros, subiu 14,8% em relação ao mesmo período do ano passado. O superávit primário, justamente a economia para pagar juros, subiu 16%. Tudo isso, de novo, pago com o forte aumento na receita tributária (16%).

O Tesouro informa ainda que a folha de pagamentos do governo central cresceu relativamente pouco até aqui, 6,5%, sempre considerando janeiro/outubro sobre o mesmo período de 2004. Mas alerta: "um número significativo" de aumentos salariais concedidos nos últimos meses fará com que, ao final de 2005, a folha cresça 12,5%, "bem acima da inflação", como, aliás, todas as demais rubricas.

E, no entanto, vem a ministra Dilma Rousseff dizer que é preciso aumentar o gasto público. Não só ela. Perguntem ao pessoal da segurança – e eles vão dizer que falta dinheiro para presídios e, aliás, o governo alardeia que está construindo mais. Não seria o caso, antes disso, de verificar por que o preso brasileiro sai muito mais caro para ser tão maltratado?

Por aí vai. Em todos os setores é a mesma coisa. Gasta-se mais e pior. E, mesmo que não fosse assim, não haveria como aumentar. O governo tem três maneiras de financiar as suas despesas: fazendo inflação, tomando dinheiro emprestado e tomando mais impostos da sociedade. O Brasil já exauriu os três modos. Tivemos a superinflação, a carga tributária saltou de 25% para 37% do PIB e a dívida líquida do setor público já bateu os 60% do PIB e, hoje, depois de enorme esforço fiscal, está entre 51% e 52%. A carga tributária nos países emergentes parecidos gira em torno dos 25%. A dívida não passa dos 30%.

Eis aí a principal razão pela qual a taxa de juros brasileira também é campeã mundial. O resumo da ópera: o gasto público corrente aumentou muito e continua aumentando, nos últimos anos, financiado por elevação de impostos, depois de ter sido coberto com inflação e dívida. Esta, em conseqüência, está muito acima dos limites da prudência (abaixo de 40% do PIB).

Logo, necessariamente, a prioridade número um da política econômica brasileira é reduzir a dívida. Para isso é preciso aumentar o pagamento de amortizações e juros. Ou seja, fazer o superávit primário necessário para ter o dinheiro suficiente para abater a dívida.

Não dá mais para fazer superávit via aumento de impostos, já excessivamente altos. Não se deve fazer inflação. E não dá para aumentar a dívida. A única saída, portanto: conter o gasto público. Como? Não é preciso derramar o sangue – demitir funcionários, fechar universidades, etc. Bastaria, de início, determinar que as despesas seriam mantidas nos níveis atuais, sem aumento real. Com o tempo, o crescimento do PIB e, pois, da arrecadação tributária faria com que o gasto público fosse caindo proporcionalmente. Seria possível até determinar que o gasto corrente em relação ao PIB caísse um pouquinho a cada ano.

Com o passar do tempo, sobraria dinheiro para o governo, que seria utilizado em três fins nobres: pagamento de dívida, redução de impostos e aumento de investimentos em infra-estrutura. Sem contar que, com o congelamento dos gastos, todo o setor público seria levado a buscar mais eficiência. Por exemplo, prender mais gente com o mesmo dinheiro ou formar mais alunos com a mesma verba. (Só para provocar: que tal conceder presídios à iniciativa privada? Se as empresas ganham dinheiro hospedando pessoas por R$ 1.500 em ótimos apartamentos, conseguirão manter presos por muito menos, não parece lógico?) Bastaria anunciar esse plano de ajuste das contas públicas e os juros começariam a cair. A despesa financeira do governo se reduziria e, de novo, sobraria mais dinheiro para os fins nobres. E nada disso é descoberta recente. Vários países fizeram isso e vão bastante bem, obrigado. Gastar menos é melhor, pelo menos nesta situação.