domingo, março 14, 2004

Merval Pereira Banco popular


13/3/2004

O candidato Lula, durante a campanha eleitoral do ano passado, prometeu descomplicar a remessa de dinheiro dos imigrantes brasileiros para o país. E chegou a dizer que remessas de até US$ 500 seriam isentas de taxação.

A cobrança da promessa chegou, através do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que está montando um grande projeto para tentar convencer o governo popular do PT que ele tem uma boa oportunidade para cuidar dos mais desprotegidos.

Para um governo que tem no microcrédito uma das principais fontes de financiamento das camadas populares, o projeto do BID vem mesmo a calhar.

Os imigrantes brasileiros residentes nos Estados Unidos remeteram para o Brasil cerca de US$ 5 bilhões no ano passado, e há quem ache que esse número pode ser bem maior.

Os países que mais complicam o procedimento de envio de dinheiro do exterior, pela burocracia, e cobram taxas mais altas, são Brasil e Nicarágua. Por isso, cerca de 90% das remessas entram no Brasil através de casas de câmbio, sem que haja um controle do Banco Central (BC).

A estimativa do BID é a de que existem, pelo menos, um milhão de brasileiros nos EUA, com uma média de remessas que varia de US$ 300 a US$ 350 per capita por mês. As remessas poderiam ter um custo muito mais baixo, diz Stephen Murphy, consultor sênior do Fundo Multilateral de Inversões do BID, que está organizando no Brasil um seminário, com a ajuda da Fundação Getulio Vargas, para discutir a questão.

Nesse seminário, que deve se realizar em maio, estarão presentes os representantes dos principais bancos e de órgãos do governo ligados ao financiamento de camadas populares, como a Caixa Econômica Federal. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, será um dos palestrantes.

O representante do BID espera chamar a atenção dos bancos privados brasileiros para as oportunidades de negócios que essas remessas representam. Este ano elas deverão ultrapassar US$ 6 bilhões.

Há cinco anos, quando a concorrência era ainda mais fraca que hoje, as taxas de transferência chegaram a ser de 20% . Hoje as taxas estão em média em 8%, mas continuam caras, por falta de concorrência.

Com o aumento nos últimos anos da emigração, o conseqüente aumento das remessas passou a ser um fator importante para a economia de alguns países da América Latina e do Caribe. Os latino-americanos residentes no exterior enviaram a seus países U$ 32 bilhões em 2002, um crescimento de 17% comparado com o ano anterior.

Os países com tarifas mais altas são Cuba, Jamaica, México, República Dominicana e Colômbia. Para reduzir esses custos, o BID já trabalha, há cerca de três anos, com um sistema de cartão de crédito especial para imigrantes.

As transações eletrônicas, além de baratear os custos, permitem que quem envia o dinheiro controle as retiradas. E os bancos, que recebem o dinheiro, podem oferecer serviços de crédito, estimular a tomada de empréstimos, e aplicar o dinheiro no mercado internacional.

Dos US$ 32 bilhões que os emigrantes enviaram para a América Latina, cerca de U$ 4 bilhões desapareceram no caminho, em gastos de remessa e câmbio, calcula o BID.

Nesse sistema, os ganhadores são as empresas que remetem dinheiro, boa parte delas piratas. Os perdedores são os imigrantes, seus parentes e o sistema bancário dos países, que não se habilita a transacionar com esse dinheiro.

O Projeto Luz, que o consultor do BID Stephen Murphy está tentando vender ao governo brasileiro e aos bancos, tem o objetivo de colocar todo esse dinheiro dentro da contabilidade oficial do país, ao mesmo tempo em que ampara os trabalhadores brasileiros que estão nos EUA.

A maioria deles está lá em completa ilegalidade, mas não é proibido de enviar dinheiro legalmente por bancos. Por receio, no entanto, a maioria prefere procurar casas de câmbio. E os abusos por parte de pequenos escritórios acontecem frequentemente. Eles cobram taxas exorbitantes pelas remessas, confiando em que as pessoas não se queixarão por causa da situação de ilegalidade.

Segundo Murphy, algumas das firmas que recebem o dinheiro no Brasil muitas vezes também cobram uma taxa de câmbio mais elevada do que a real.

O Banco Interamericano de Desenvolvimento quer colocar o dinheiro desses imigrantes no circuito oficial dos bancos privados, para que eles compitam entre si e com o Banco do Brasil, que hoje tem um virtual monopólio do setor.

Pretende com isso dar maior segurança aos imigrantes, garantindo que seu dinheiro chegará ao destino, a um custo mais baixo e mais rapidamente.

O banco tem pesquisas que mostram que os serviços de algumas instituições financeiras fortalecem a ligação entre a comunidade de imigrantes e seu país.

O programa pretende também incentivar o direcionamento do dinheiro para contas de financiamento de moradia, de educação ou para montar negócios próprios. Um programa e tanto para um governo popular em busca de divisas.