sábado, novembro 15, 2003

Diogo Mainardi A África que Lula adorou


"Lula encantou-se com a capital da Namíbia,
produto arquitetônico do apartheid. É bonita e
limpa porque foi feita por brancos e para brancos.
Os negros foram segregados em Katatura, feia e
suja. Lula não foi a Katatura"

A África é feia e suja, segundo Lula. Exceto Windhoek, capital da Namíbia. Windhoek é bonita e limpa. Tanto que nem parece a África. Gilberto Gil e Benedita da Silva concordaram com o presidente. Quem também concordou foi outra ministra negra do governo, Matilde Ribeiro, que recebe um salário para promover a igualdade racial no Brasil.

Windhoek é bonita e limpa porque foi feita por brancos e para brancos. Fundada por descendentes de holandeses, foi sucessivamente ocupada pela Alemanha, Inglaterra e África do Sul. Lula apreciou muito a arquitetura de Windhoek. Ele acha que a eleição a presidente lhe conferiu legitimidade para proferir julgamentos estéticos. No caso de Windhoek, todas as atrações arquitetônicas foram construídas por brancos, durante o regime colonial. Como a catedral luterana, que fica numa rua chamada Fidel Castro, em homenagem ao ditador de Cuba. Ou o Congresso Nacional, que fica numa avenida chamada Robert Mugabe, em homenagem ao ditador do Zimbábue.

A África do Sul, depois da II Guerra Mundial, implantou o regime de apartheid na Namíbia. Windhoek se tornou uma cidade exclusivamente branca, e permaneceu assim até 1990. Os pardos foram transferidos à força para o subúrbio de Khomasdal. Os negros foram segregados em Katatura, ainda mais distante. Katatura significa "o lugar onde não queremos estar". Como o resto da África, é feia e suja. Um amontoado de favelas, onde só moram negros. Tem até uma favela chamada Babilônia, como a do Rio de Janeiro. O crítico de arte Lula não emitiu uma opinião estética sobre Katatura. Ele não foi a Katatura.

Tecnicamente, Lula seria considerado um pardo no regime de apartheid. Não poderia morar na bonita e limpa Windhoek. Nem poderia ter casado com uma branca. Mas isso não importa. O revisionismo histórico é uma especialidade dos petistas. Eles já engoliram tudo o que disseram no passado a respeito da ditadura militar, dos coronéis nordestinos, dos alimentos transgênicos, da reforma agrária, do salário mínimo, do FMI e do neoliberalismo malaniano. Faltava apenas enaltecer a política social do apartheid.

O importante, agora, é descobrir se o encantamento do presidente com o produto arquitetônico do apartheid terá alguma conseqüência prática. O planejamento urbano de Windhoek levou à demolição arbitrária de todos os barracos pertencentes a negros e pardos. O Rio de Janeiro, como Windhoek, ficaria mais bonito e limpo sem suas 700 favelas. O governo federal poderia incendiar todos os barracos e reflorestar as encostas dos morros. Benedita da Silva e os outros favelados seriam removidos para além de Duque de Caxias. A microcriminalidade diminuiria, sobretudo se os favelados, para entrar no Rio de Janeiro, fossem submetidos a uma meticulosa inspeção, como acontecia em Windhoek.

Depois de elogiar o cenário do apartheid, Lula assumiu novamente o papel de crítico de arte e prometeu que o Brasil participaria da Renascença africana. Lula não gosta de pobre. Ele gosta mesmo é de Palladio e Sansovino.

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