domingo, março 31, 2013

Gentil patrocínio - DORA KRAMER



O ESTADO DE S. PAULO - 31/03
Não é ato oficial nem explícito: informal e discretamente o PSDB está ajudando Marina Silva a coletar assinaturas para a criação de seu novo partido.

Migrantes do tucanato para a Rede dos sonháticos comentaram com antigos companheiros de partido que está havendo dificuldade na coleta dos apoios exigidos pela Justiça Eleitoral para conceder registro à legenda que precisa estar legalizada até início de outubro.

Em vários Estados a estrutura do PSDB se movimenta para arregimentar signatários e também para conferir as assinaturas. Em Minas Gerais, por exemplo, há prefeitos encarregados de contribuir cada um com dois mil nomes devidamente checados.

Solidariedade? Pragmatismo: se Marina conseguir criar a tempo a sua Rede, muito provavelmente concorrerá à Presidência em 2014. Para a oposição é um bom negócio, pois quanto mais numerosos forem os concorrentes, maior a divisão de votos. Consequentemente, aumenta a chance de haver 2º turno.

O raciocínio parte do princípio que hoje quem tem votos é a presidente Dilma Rousseff. A oposição pode até vir a ficar bem, mas por enquanto sabe que está mal na foto. Precisa recorrer a todos os recursos a fim de tentar equilibrar o jogo, já que a situação tem a popularidade da presidente, a exposição inerente ao cargo e todos os meios à disposição.

Uma das maneiras é incentivar a concorrência que possa subtrair votos de onde eles estão mais concentrados: no governo. Marina pode até não repetir o desempenho de 2010, quando atraiu 20 milhões de eleitores. Mas, se entrar na disputa, fica com parte do eleitorado de esquerda, jovens e decepcionados com a política em geral.

Claro que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também entra nessa conta. Por enquanto os tucanos estão achando ótima a movimentação dele e não o vêem como uma ameaça ao senador e provável candidato do PSDB, Aécio Neves.

Ao contrário. Na avaliação deles Campos ajuda a difundir críticas ao governo e a atrair eleitores no Nordeste. Aqui de novo o mesmo raciocínio: quem tem votos da região é Dilma, não o PSDB. Portanto, ela teria a perder.

Além da questão regional, na visão dos tucanos o governador de Pernambuco também atrairia parcela do eleitorado governista que já estaria cansado do PT, crítico à maneira de Dilma governar e em busca de uma "novidade". Isso sem falar no potencial de desagregação da base aliada ao governo que o PSDB enxerga na presença de Eduardo Campos em cena como provável candidato.

Muito bem, vamos que saia tudo conforme o desenho desse figurino, que haja 2° turno, que o candidato tucano passe para a etapa final. O que garante que os outros concorrentes não ficarão neutros ou com Dilma?

Pois é, por ora só a esperança de que as premissas estejam certas e o vento sopre a favor.

Surdina. O encontro de José Serra com Eduardo Campos na sexta-feira, 15 de março, não causou desconforto no PSDB pelo fato de ter acontecido.

O aborrecimento foi porque Serra não avisou nem contou depois a ninguém. Nem ao governador Geraldo Alckmin com quem esteve no dia seguinte.

Síntese. Falando sobre o rearranjo de ministérios, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) resumiu numa frase ao que ficou reduzido o presidencialismo de coalizão, tema de tantas teses: "A presidente não precisa do tempo do PR, mas também não quer que nosso tempo vá para outros candidatos".

Rudimentar assim. A Presidência entrega pastas a partidos e estes em troca oficializam coligação para aumentar o tempo no horário eleitoral e reduzir o dos adversários.

Em busca da verdade - MERVAL PEREIRA



O GLOBO - 31/03
A Comissão da Verdade passa por um processo interno de debate para definir qual seu verdadeiro objetivo: se promover uma catarse nacional para superar os traumas causados pela ditadura militar, como querem alguns de seus membros, ou preparar um relatório que deixe registrado para a História o que foram os tempos da ditadura, além de documentos que possam ser consultados na internet pelos interessados. Além da discordância de fundo entre seus membros, há discordância também sobre os procedimentos a serem adotados.

Uma parte do grupo de sete membros que compõem a Comissão considera que um de seus objetivos é levar à opinião pública o maior número possível de informações sobre as atrocidades cometidas pela repressão militar durante a ditadura - de preferência da boca de parentes de vítimas e pessoas que estiveram envolvidas na luta armada, de modo que esses depoimentos sirvam para promover uma verdadeira catarse nacional, a melhor maneira de superar os traumas que ainda permanecem latentes na cidadania.

Sem esse tratamento de choque, seria impossível avançar no nosso processo democrático, sustentam os que defendem a tese. Outros consideram que a superação já foi alcançada pela negociação política feita na transição da ditadura para a democracia, culminando com a Lei da Anistia e a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República. O trabalho da Comissão da Verdade, nessa visão, seria o de contar a História daquele período para que ela não se repita.

A maneira de chegar aos objetivos de cada grupo também difere. Se ainda é majoritário o grupo que prefere uma ação mais discreta, que culminaria num relatório e na possibilidade de consulta de documentos pela internet, ganha força na comissão a tendência de incluir nomes nesse relatório final, o que também causa controvérsias. Há membros do grupo que consideram uma radicalização dispensável a inclusão de nomes. Alegam que, das 40 comissões já feitas no mundo sobre o assunto, nenhuma fez relatórios dando nomes aos torturadores ou aos que participaram direta ou indiretamente das ações criminosas da repressão militar.

No Chile, que fez duas comissões, a última elaborou uma lista de nomes que foi enterrada em uma caixa para ser aberta dentro de 50 anos. Há muitas dúvidas, por exemplo, sobre a participação de empresários ou médicos no financiamento e auxílio às torturas. Enquanto a ação de alguns pode ser comprovada através de testemunhas, outros poderiam ser acusados sem que tivessem tido condições de recusar a participação.

Há depoimentos de empresários que alegam terem sido forçados a colaborar financeiramente através de ameaças e chantagens. Há também diversos laudos assinados por legistas que, analisados por uma equipe de especialistas, foram considerados falsos ou com erros primários. A intenção dos médicos que assim agiram teria sido denunciar a farsa que estava sendo montada pelos militares.

Outra questão debatida com muita intensidade dentro da comissão é a sua limitação diante da lei aprovada pelo Congresso. Grupos de pressão querem que ela abra processos contra os acusados de participação no esquema de torturas. Por outro lado, grupos de militares enviaram à comissão relatos de ações terroristas contra alvos militares, exigindo que também essas sejam alvo da Comissão.

Como a lei brasileira que criou a Comissão da Verdade não permite nem uma coisa nem outra, as pressões vêm de vários lados e expõem as diferenças de pensamento de seus membros. Essa visão diversificada, que deveria ser benéfica para o resultado final do trabalho, acaba impedindo que ele se desenvolva sem interferências ideológicas.

Pessoalmente, considero estranha essa tentativa de se armar uma encenação teatral para envolver a opinião pública emocionalmente. Mais eficaz para o interesse do país será produzir um relatório minucioso, denunciando como funcionava a máquina de repressão militar, definindo a responsabilidade de cada um e dando os seus nomes quando for possível a identificação acima de quaisquer dúvidas. Os eventuais processos civis têm que ficar por conta dos familiares das vítimas.

Lar-empresa - CELSO MING



O ESTADO DE S. PAULO - 31/03

Nesta quarta-feira deverá ser sancionada a emenda à Constituição que garante aos empregados domésticos 17 novos direitos trabalhistas. E não é verdade que pouca coisa mudará na vida das famílias, especialmente nas de classe média, que serão obrigadas a operar como pequenas empresas.

A primeira observação que precisa ser feita é a de que se trata de um avanço. Mais cedo ou mais tarde seria mesmo necessário modernizar as relações de trabalho doméstico.

O problema é que traz efeitos importantes. Entre as boas conseqüências estão o próprio avanço social e a necessidade de programar melhor as rotinas das casas de família. Provavelmente, crescerá a procura por aparelhos domésticos automatizados, como máquinas de lavar louça e aspiradores de pó, que substituem a mão de obra. Alguém já observou que a tralha eletroeletrônica hoje existente em qualquer residência de classe média no mundo civilizado produz o trabalho que exigiria na Grécia antiga o concurso de pelo menos 30 escravos.

O avanço dos custos impostos pela nova lei ao orçamento familiar das classes médias não é desprezível. O pagamento do 13º salário, as contribuições para a Previdência Social, o direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (hoje facultativo), o adicional por horas extras e por trabalho noturno, o seguro contra acidentes de trabalho, o seguro-desemprego, a licença-maternidade, a obrigação do fornecimento de creches e pré-escolas para os filhos e dependentes até seis anos de idade, o salário-família, os encargos das demissões sem justa causa e prováveis ônus judiciais correspondentes ao aumento das demandas trabalhistas - tudo isso ainda precisa ainda ser recalculado quando saírem as regulamentações. Mas não ficará por menos de 60% ou 70% acima do salário nominal.

Não vale falar que este é o preço a pagar pela melhora das condições de renda e do crescimento do País. As famílias arcarão também com mais responsabilidades e mais trabalho sem poder contar com as facilidades dos países industrializados, onde há transporte coletivo satisfatório, creches e escolas de bom nível - fatores que também reduzem o tempo e a energia gastos pelos pais no trânsito das cidades quando dispensam o concurso de babás e outros empregados domésticos.

Também não faz sentido exigir das famílias uma administração de pessoal típica de empresa sem garantir, também, os incentivos e as desonerações a que as empresas têm direito.

Alguns observadores em suas primeiras avaliações entendem que os custos serão altos o bastante para que grande número de famílias, cerca de 800 mil em todo o Brasil entre os cerca de 8 milhões existentes, dispense empregados domésticos. Mesmo que um número desses se comprove, parece inevitável a transferência de parte do atual contingente de empregados domésticos para atividades autônomas, seja como diaristas, seja como prestadores de outros serviços, como manicures, faxineiras e vendedoras.

CONFIRA

PIB ainda fraco

No Relatório de Inflação divulgado em dezembro, o Banco Central não ousou projetar o crescimento do PIB para todo o ano de 2013. Limitou-se a apontar um avanço em doze meses de 3,3% ao final dos três primeiros trimestres. Na última edição do Relatório, o Banco Central já aponta crescimento de 3,1%, a melhor projeção que obteve, avisa o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo.

Pouco ou muito

Estes 3,1% contrariam as estimativas do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que continua cravando mais do que 3,5%. Mas o Ipea, instituição sob jurisdição do Ministério do Planejamento, já avisou que vai ser muito difícil chegar ao crescimento de 3%.

Trauma

A presidente Dilma segue traumatizada pela sucessão de pibinhos em seu governo. É provável que seja por isso que nenhuma instituição do governo se sinta encorajada a apontar para números mais realistas.

O joio legislativo - GAUDÊNCIO TORQUATO



O ESTADO DE S. PAULO - 31/03
Perguntaram a Sólon,um dos sete sábios da Grécia antiga,se havia produzido boa legislação para os atenienses.Respondeu:"Dei-lhes as melhores leis que podiam suportar".Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos Poderes, quais as boas leis que um país deve ter. A resposta: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis,mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda parte".

Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o número de projetos apresentados sem destaque para o mérito, corroborando a ideia de que,em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente.Amparadas pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Joia Folheada(toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo, escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar.Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: "São as leis que os brasileiros têm de aguentar". Cada povo com sua medida legislativa.

Não bastasse a progressão geométrica daquilo que se pode chamar Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis. A Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação Internacional de Futebol (Fifa), anunciam um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor brasileiro.Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho de torcidas inflamadas nenhum ouvido será capaz de distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não? O fato é que a Fifa quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser. Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira. Tem mais: que ninguém tente levantar-se para comemorar um gol de seu time ou reclamar impedimento de jogador do time adversário.Cerveja pode,mas fumar,nem pensar.

Dito isso, vem a pergunta: como os pregadores dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo da massa? Brigadas da Fifa vigiarão seus movimentos?

Esses são os nossos trópicos.A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas significações. Para começar,somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, "preciosidade" trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por dom Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a "homens bons", nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos Evangelhos, incrustou-se na vida brasileira a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos.Deixa sua tinta forte na própria era digital.

A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.

Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei. A célebre pergunta "você sabe com quem está falando?" expressa a ideia de que o poder deriva do cargo de quem o detém.O brasileiro,mais que outros povos, exibe essa bandeira.

A floresta legislativa agigantase nessa vertente. De 2000 a 2010, o País criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais, o que dá 6.865 leis por ano.Em 2012, na Alemanha, o Parlamento foi muito criticado por ter aprovado 20 leis. A imprensa considerou excessivo o número.Lembre-se que os anglo-saxões organizam a vida sob o direito consuetudinário, ancorado em costumes. Poucas leis bastam.

Outra questão é a desobediência ao império legal. Infringir a lei torna-se rotina no País. Não por acaso, entramos no chiste como quarta modalidade de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa,em que tudo é permitido,com exceção do que é proibido; a segunda é a alemã, em que tudo é proibido, salvo o que for permitido;a terceira é a totalitária,em que tudo é proibido,mesmo o que for permitido;e a quarta é a brasileira, em que tudo é permitido, mesmo o que for proibido. Nossas leis caem no esquecimento. Proibição de películas escuras nos automóveis?

Uso de cinto de segurança no banco traseiro?Dirigir com apenas uma mão no volante? Levar estojo de primeiros socorros nos veículos? Afinal, essas coisas foram ou não revogadas? Por via das dúvidas, não se cumpre a legislação. E ainda há um monte de leis inconstitucionais. Nos últimos dez anos, o STF julgou quase 3 mil ações diretas de inconstitucionalidade, mais de 20% foram julgados inconstitucionais.

Imensa quantidade do arsenal legislativo não atinge a vida dos cidadãos. São floreios para adornar uma galeria de homenageados. Datas comemorativas e louvações tomam a agenda de nossos representantes.Por último, pérolas formam o PNBIL: em Santa Maria (RS) um vereador propôs a lei do silêncio dos animais para evitar latidos de cachorros após as 22 horas;em Catanduva (SP) um projeto ditava que os doentes deveriam morrer em cidades vizinhas por causa da superlotação das sepulturas; em Sobral (CE) sugeriu-se construir Torres Gêmeas para abrigar a prefeitura e as secretarias; em Manaus um vereador queria instalar um neutralizador de odores nos caminhões de lixo;e em Porto Alegre cavalos e burros teriam de usar fraldas, "com exceção dos que participarem de eventos". Ufa!

Visita inevitável - MÍRIAM LEITÃO



O GLOBO - 31/03
Eu era menina ainda, mas já gostava de notícia. Grudei no rádio e fiquei ouvindo as informações da movimentação das tropas do general Olímpio Mourão Filho. O que eu não podia imaginar, por ser tão criança, é que aquele 31 de março era o começo de um tempo terrível que tiraria vidas da minha geração, produziria dor e obscurantismo, e que 49 anos depois ainda seria difícil revisitar.

Um professor americano me perguntou outro dia porque só agora o Brasil faz a sua Comissão da Verdade, já que a ditadura acabou em 1985. Eu respondi que o Brasil tem problemas de encarar seu passado, é meio atávico esse defeito. E que, de vez em quando, pintamos o cenário com outras cores para aceitar nossos erros, e daí decorrem teses como as da " mild slavery " (escravidão suave). Mas que, felizmente, estamos mexendo no que ficou congelado por um tempo excessivamente longo.

Na mesma semana me ligou Rosa Cardoso, que integra a Comissão da Verdade. E o que ela tinha a contar era muito. Naquele fim de semana (o último) haveria o encontro da Panair para ouvir, pela primeira vez em quase 50 anos, o que houve com a empresa que por perseguição política teve todas as rotas canceladas pelo governo e foi à falência. Ainda assim, os funcionários se reúnem frequentemente, vão com seus crachás para se reconhecerem tanto tempo depois. A empresa pagou todas as dívidas trabalhistas.

A Comissão da Verdade de São Paulo se preparava para ouvir - ouviu na semana passada - o depoimento de Inês Etienne dentro do capítulo de ditadura e gênero. Inês, que sobreviveu à Casa da Morte, tinha sido chamada, junto com outras pessoas, para falar das sevícias sexuais que atingiram tantas prisioneiras.

O corpo de João Goulart será exumado. Os especialistas ouvidos disseram que, talvez, os exames não sejam conclusivos, porque ele pode ter sido morto por um remédio que afeta o coração e que, tanto tempo depois, pode não ter deixado vestígios. A suspeita permanece.

Não há um único torturador que tenha passado um único dia na prisão pelo crime cometido, de tortura, morte e desaparecimento, como o do deputado Rubens Paiva, do estudante Alexandre Vanucchi, do líder Honestino Guimarães, do jovem Stuart Angel, do jornalista Vladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho. São tantos. É difícil nomeá-los. Esquecê-los, impossível.

Ainda assim, os militares aposentados se reuniram nos seus clubes e acusaram quem hoje busca informações de ser "totalitário". Repetem a tese de ter havido dois lados. Pois é. Um lado era a juventude encurralada. O outro, o Estado com o poder exercido de forma ilegítima pelos militares, usando a sua força contra quem ousou discordar.

A Comissão da Verdade se descentralizou, outras vão se formando para investigar os vários eventos desse tempo que prometeu ser breve e se prolongou por 21 anos. O que fazer com as instalações onde pessoas sofreram e heróis perderam a vida? O antigo Dops do Rio é hoje o Museu da Polícia. Cheio de armas dos vários tempos. Impossível conviver com um memorial de presos políticos que deveria ter. O antigo DOI-Codi funcionava no quartel da Polícia do Exército na Barão de Mesquita, na Tijuca. Lá morreu Rubens Paiva, lá inúmeras pessoas foram torturadas, como Arthur Poerner, que narrou o que viveu num livro com o sugestivo nome de "Nas profundezas do inferno". Angel foi morto na Base Aérea do Galeão. A tortura foi disseminada, foram muitos os locais de sofrimento.

O passado deve passar. Eu, hoje, avó de meus netos, sei quanto tempo me distancia da menina grudada ao rádio em Caratinga naquele 31 de março. Mas minha convicção profunda é que, antes, é preciso cumprir o ritual da dolorosa visita ao passado.

Inflação, crescimento e o que pensa a presidente - SUELY CALDAS



O ESTADO DE S. PAULO - 31/03

Não há dúvida de que a presidente Dilma Rousseff tropeçou nas palavras ao falar de inflação versus crescimento na quarta-feira, soltando a corda para o mercado financeiro apostar - e especular - na queda dos juros futuros. Não há dúvida, também, de que os "agentes do mercado" torcem por acontecimentos, declarações, escorregões de autoridades e o que mais surgir que justifique o sobe e desce de preços de ativos e indicadores. Eles não gostam de estabilidade, de mercado parado, porque sua fonte de lucro é a gangorra das cotações, tanto faz subir ou cair, o que importa é a volatilidade.

Por isso quem, no governo, tem poder de influência sobre o mercado precisa ter cuidado, falar as palavras certas, não deixar dúvidas nem nada que possa gerar interpretações dúbias, frouxas.

Por essa razão, desde a segunda metade dos anos 1990, o Banco Central (BC) vem reforçando os mecanismos de previsibilidade de suas ações futuras, levando certezas, sempre que possível, fixando metas para a inflação, deixando claras as suas posições e projeções em atas do Comitê de Política Monetária (Copom) e nos relatórios trimestrais de inflação (no de quinta-feira o BC elevou a projeção de inflação anual para o final de junho de 5,5% para 6,7%, ultrapassando o teto da meta). Enfim, o Banco Central vem evitando dar motivos para o mercado fazer o que sabe e gosta: especular, criar volatilidade, maximizar lucros.

Os "agentes do mercado", no entanto, também não desconhecem: 1) que a presidente Dilma é economista focada em produção, não é do ramo financeiro, não tem a expertise nem o cuidado com as palavras que tem um presidente do Banco Central ao falar de inflação, crescimento econômico, juros; e 2) este item é o mais importante: Dilma Rousseff está, sim, atenta à inflação, porém esticar a corda do bom desempenho do emprego e da renda salarial e perseguir o tão obsessivo quanto inalcançável pibão a preocupam bem mais.

Afinal, o que vem sustentando o alto índice de popularidade da presidente são emprego e dinheiro no bolso do eleitor, e seguem nessa direção os conselhos de seu guru político, o ex- presidente Lula.

Na verdade, no que se refere ao tripé inflação-juros-PIB, a diferença mais evidente entre a presidente Dilma e a maioria dos economistas - ligados ou não ao mercado financeiro - está na quantificação dos índices. Enquanto eles defendem trazer a inflação para o centro da meta (4,5%) e, passo seguinte, reduzi- la para 3,5%, a presidente tem demonstrado maior tolerância com o índice.

Dilma é sincera quando repete que não permitirá o descontrole da inflação (qual governante quer isso?). Mas ninguém sabe até onde vai a sua tolerância e se essa tolerância põe em risco o descontrole. Seria o teto da meta? Acima de 6,5%, a luz vermelha acende e o Banco Central desencadearia ações duras em juros, crédito e com efeito na atividade econômica? Ou elevar a meta da inflação é uma possibilidade real? Mas e o custo político disso?

Sem respostas para essas perguntas, restam pistas. Uma delas: o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos conselheiros prediletos de Dilma-Lula e quase presidente do Banco Central no governo anterior, fez palestra no Instituto Lula na segunda- feira. Ouviram seus argumentos o ex-presidente Lula e o ex-ministro Antônio Palocci. Dois dias depois, possivelmente treinando um balão de ensaio, defendeu o aumento da meta de inflação: "Talvez seja mais apropriado rediscutir a meta de inflação para cima. Isso aconteceu na administração Arminio Fraga", afirmou Belluzzo em entrevista ao Estado, publicada na quinta-feira.

Cisma antiga. Embora seu governo tenha produzido pibinhos (crescimento de 2,7%, em 2011, e de 0,9%, em 2012) e inflação alta (6,5%, em 2011, e 5,84%, em 2012), Dilma Rousseff sempre viu no crescimento o motor da economia, a prioridade maior a ser perseguida. No final de 2005, já como ministra da Casa Civil, ela mostrou suas garras e ganhou a briga ao enfrentar o plano de ajuste fiscal de longo prazo arquitetado pelos ministros Palocci e Paulo Bernardo, plano que mirava reduzir a inflação e a dívida pública e elevar o superávit primário. Em entrevista ao Estado, em novembro de 2005, ela detonou o plano com palavras duras, chamou-o de "rudimentar", e já elegia a derrubada da taxa Selic o objetivo maior da política monetária. Aliás, o que ela acabou concretizando em seu governo.

"Para crescer, é necessário reduzir a dívida pública. Para a dívida pública não crescer, é preciso ter uma política de juros consistente, porque senão você enxuga gelo. Faço superávit primário de um lado e aumento o fluxo da dívida. E me fechei em mim mesma", argumentou Dilma na entrevista, centrando o alvo na queda da Selic.

Ela ganhou a disputa, convenceu Lula e o plano Palocci/Bernardo morreu. Mas não teve o mesmo sucesso com a política de juros, que continuou decidida pelo Banco Central e garantida por Henrique Meirelles, seu presidente na época.

Em 2005 a conjuntura colocava no centro dos debates o corte de gastos públicos, a geração de crescentes superávits primários e a disposição do governo Lula de fazer a sua parte para recuperar a confiança do mercado financeiro e de investidores privados - aqui e no exterior. Dilma era contra e derrubou a estratégia Palocci. Agora, ela é a autoridade maior, não tem opositores no governo e o debate é centrado na inflação, no baixo crescimento e no investimento em queda. O ajuste fiscal, tão fundamental em 2005, hoje está em segundo plano.

Porém, com o efeito do baixo crescimento na arrecadação de impostos e tantas desonerações tributárias para estimular setores da economia, o quadro fiscal dá sinais de fraqueza. A expectativa de melhoraria na arrecadação com a esperada retomada da economia não foi confirmada no resultado de fevereiro, quando as contas do governo federal fecharam com um déficit primário de RS 6,41 bilhões, o pior desde setembro de 2009. É mais um megaproblema para a presidente e sua equipe administrarem.

O fôlego do dinamismo no consumo, do baixo desemprego, do crédito em alta e do aumento da renda do trabalho já vai mais longe do que esperavam os analistas. E tudo indica que, até quando der, Dilma vai insistir nesse caminho. Mas não é a trajetória ideal para chegar ao desejado pibão. Faltam investimentos. E é aí que acontecem os desacertos e as trapalhadas do governo.

Governo e crise - HENRIQUE MEIRELLES



FOLHA DE SP - 31/03

O desfecho de mais uma crise bancária, desta vez em Chipre, provocou novamente acalorada discussão sobre causas e consequências da grande crise detonada em 2008 pelos chamados títulos "subprime" nos EUA.

A conclusão mais popular sobre as razões da crise é a de que os governos deixaram o mercado financeiro funcionar de forma muito liberal, e os bancos exageraram. Portanto, a solução estaria na intervenção governamental nos mercados.

A análise histórica leva a outra conclusão. Primeiro, é necessário enfatizar que o que foi feito do ponto de vista de regulamentação bancaria pós-crise não foi intervir nos mercados nem direcionar empréstimos dos bancos. Muito pelo contrário. Simplesmente foram estabelecidas diversas medidas visando elevar a segurança do sistema financeiro, que é o papel adequado para o regulador.

Segundo, a história mostra outra vertente da origem da crise, que foi o papel do governo americano na sua geração. Essa história começa no final dos anos 1990, quando o governo dos EUA estabeleceu programas de incentivo a empréstimos subsidiados para pessoas de baixa renda morarem nos centros das cidades e forçou os bancos a participar.

Posteriormente, duas agências semigovernamentais, Fannie Mae e Freddie Mac, começaram, em escala crescente, a garantir títulos de crédito imobiliário visando expandir esses programas a outras regiões e classes sociais dentro de uma linha de estímulo à casa própria.

Essas instituições eram semigovernamentais no sentido de que sua ação era direcionada pelo governo, mas formalmente não eram do governo, e assim seu passivo não estava no Orçamento. Quando quebraram, o governo teve de pagar o custo, e o prejuízo foi enorme.

Paralelamente, o Fed (BC dos EUA) produziu política de longo prazo de juros muito baixos, ajudada pela deflação importada da China por meio de mercadorias manufaturadas cada vez mais baratas e outros fatores, a chamada "grande moderação".

Isso tudo levou a uma expansão desregulada de crédito e uma assunção de riscos cada vez maiores por parte das instituições financeiras. Quando a dívida das famílias tornou-se excessiva, a inadimplência aumentou, os bancos começaram a cortar crédito e tiveram prejuízos, o consumo caiu, as empresas se deterioraram, o emprego desabou, e o resto é história.

A solução do problema custou centenas de bilhões de dólares ao contribuinte americano.

A conclusão é que mais danoso que um mercado completamente sem regulação é a intervenção governamental visando direcionar políticas de crédito a setores que ofereçam apelo político.

Lenta piora na situação macroeconômica - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS


O Estado de S.Paulo - 31/03

As condições macroeconômicas vêm piorando lenta e firmemente no Brasil. Minha percepção é de que isso vai se consolidar ainda mais ao longo do ano. Os gráficos acima ilustram o que foi dito. Comecemos pelo setor externo: a balança comercial vem se enfraquecendo repetidamente, pois de um saldo de quase US$ 50 bilhões em 2007, atingimos US$ 14 bilhões para os 12 meses terminados em fevereiro.

Na MB, projetamos um número de US$ 7,5 bilhões para o ano de 2013, decorrente da ampliação do déficit do petróleo (inclusive por conta de mais de US$ 4 bilhões em compras internadas no ano passado, mas só registradas neste exercício), do contínuo enfraquecimento das exportações de manufaturados (que caíram 19% em fevereiro frente o mesmo período do ano passado) e de uma expansão mais modesta da receita da venda de produtos básicos ao exterior, em razão de menores cotações.

O possível colapso cambial da Argentina, a difícil situação da Venezuela na área externa e a significativa piora no cenário europeu reforçam nossa percepção, inclusive reduzindo o estímulo ao crescimento do PIB. Ao mesmo tempo, o déficit de conta corrente vem piorando significativamente, como se vê no gráfico 1. Nos 12 meses terminados em fevereiro, o déficit já atingiu US$ 63,5 bilhões e o próprio Banco Central projeta US$ 68 bilhões para este ano.

Nós, na MB, trabalhamos com um déficit de US$ 72 bilhões. Certamente esse número ainda é financiável sem grandes dificuldades, mas, pela primeira vez, o déficit não será coberto pela entrada de investimento direto, que projetamos encerrar o ano com US$ 55 bilhões, inferior aos US$ 63,7 bilhões apurados nos 12 meses encerrados em fevereiro. O enfraquecimento contínuo da nossa competitividade e a menor atratividade do País como o destino de investimentos levam a essa situação.

A segunda área onde a tendência de piora é evidente é a da inflação. O gráfico número 2 mostra a contínua elevação dos preços desde meados do ano passado, tendo o IPCA-15 em 12 meses atingido 6,4% em março. Pior que isso é a contínua elevação do índice de difusão, segundo o qual 75% das 365 categorias de preços e serviços tiveram elevação neste mês. E não é uma elevação qualquer, pois nada menos que 30% de todas as categorias de preços subiram mais de 10% nos últimos 12 meses. Ou seja, estamos falando de uma elevação generalizada de preços.

Finalmente, a política fiscal é cada vez mais expansionista e mais opaca. O festival de truques contábeis já passou há muito tempo do razoável, e é responsável, por exemplo, por uma ressalva no balanço no BNDES, exigido pelos auditores, como mostrou o Estadonesta semana. Ao mesmo tempo, o verdadeiro orçamento paralelo em que se transformaram os restos a pagar do Tesouro Nacional tornam de muito pouco valor a estatística do resultado primário como indicador válido da política fiscal. É por isso que, como muitos outros analistas, olhamos para a evolução da dívida bruta como indicador da sanidade das finanças e, neste caso, há uma piora evidente, como se vê no gráfico número 3.

Não é de surpreender que a confiança do consumidor esteja francamente em baixa há vários meses, a despeito da reduzida taxa de desemprego que temos até agora. Do lado da produção, a confiança da indústria também não decola (gráfico 4). É por isso que a perspectiva de elevação dos investimentos é cada vez menor, exceto pela forte recuperação da demanda de caminhões em virtude da grande safra agrícola atual. O teto para o crescimento do PIB continua em 3%.

A qualidade da política econômica vem caindo, assim como a da regulação. É bastante evidente que a antecipação da campanha presidencial recém-ocorrida só piora esta trajetória, uma vez que todas as ações de política econômica passarão antes pelo critério de impacto eleitoral. Dois exemplos dão abundantes evidências dessa proposição, a saber, a política anti-inflacionária e a questão das tarifas de energia elétrica.

A administração de preços passou a ser o centro da política anti-inflacionária e depois da cesta básica parece que virão medidas tentando evitar elevação das tarifas de ônibus. Ora, no ambiente de alta mais ou menos generalizada de preços e custos, essas medidas são claramente inócuas no que tange à redução da inflação.

Os cigarros representam um caso que vale a pena observar: no IPC do IGP-M de fevereiro, o item despesas diversas subiu 17% (em 12 meses), resultado de uma elevação de 30% dos cigarros no período. Apenas para lembrar, essa elevação deveria ter ocorrido em dezembro de 2011, mas não ocorreu para evitar que a inflação do ano ultrapassasse os 6,5%.

Mesmo no caso de reduções de impostos que sejam definitivas, a desoneração tem um efeito limitadíssimo sobre a dinâmica dos preços, pois ocorre uma vez só e, em geral, não é totalmente repassada ao varejo. Isso porque as empresas têm enfrentado uma elevação generalizada de custos e uma redução persistente de margens, algo que todas as análises de balanço de empresas abertas e fechadas revelam. Dessa forma, a redução de imposto é rapidamente compensada por alguma elevação de custos recentemente ocorrida.

É por isso que a frenética sucessão de pacotes administrando preços não produz efeitos significativos sobre a inflação. É o fracasso de uma visão "contábil" da inflação, ilustrada num artigo recente de um entusiasmado analista que disse que, se não fosse o choque agrícola do ano passado, a depreciação do real em relação ao dólar e os aumentos de 25% a 40% nos fretes rodoviários, a inflação de 2012 teria ficado abaixo de 4,5%!

A questão dos preços de energia elétrica ilustra a perda de qualidade na política econômica, pois, para evitar o repasse dos custos decorrentes do uso das térmicas (que levaria a uma elevação de algo como 12% nas tarifas, com potenciais problemas eleitorais), as autoridades de área estão fazendo barbaridades regulatórias, tão bem ilustradas no recente artigo de Claudio Sales aqui no Estado (10/03).

Em suma, estamos mesmo presos a uma armadilha de crescimento baixo, à qual tenho me referido mais de uma vez neste espaço.

O assunto do dia - DANUZA LEÃO


FOLHA DE SP - 31/03

Assim é essa PEC; imperfeita, e dando pânico de contratar uma nova funcionária


Quem sempre teve uma relação correta com sua empregada está tranquilo. Afinal, férias, 13º, INSS, são coisas que nem precisariam de lei para existir, e além de serem justas, fazem com que as relações entre empregada/empregador sejam amenas e pacíficas, o que torna a vida melhor para todos.

Mas nenhuma lei é perfeita, vide a proibição de dirigir depois de beber; se é possível se recusar a fazer o teste, que lei é essa?

Uma das coisas mal resolvidas é a carga horária. A ideia é que sejam até 44 horas semanais, praticamente nove horas de trabalho de segunda a sexta, o que é demais para qualquer mortal, já que esse trabalho é, na maior parte das vezes, físico, e descansar uma hora, no meio do expediente, como, onde? Na sala, vendo TV?

Por outro lado, não há quem precise de uma doméstica tantas horas seguidas, a não ser uma família com pai, mãe e quatro filhos, em que ninguém arruma sua cama, as roupas são largadas pelo chão, cada um almoça e janta na hora que quer, e aí nem as nove horas diárias vão ser suficientes. Já pensou, explicar aos adolescentes -e seus amigos, já que eles só andam em turma- que não dá para pedir vários lanchinhos várias vezes por dia?

Por tudo isso e mais alguma coisa, acho que esqueceram de falar, nessa nova lei, da remuneração por hora de trabalho. Afinal, o horário de uma diarista varia: existem as que trabalham duas horas, três, quatro ou cinco -e outras, nove.

Os que moram em apartamentos grandes vão precisar de uma empregada em tempo integral e vão pagar por isso; mas para quem vive num quarto e sala, duas horas de trabalho, duas vezes por semana, são mais do que suficientes.

É claro que o preço para duas horas não é o mesmo que para nove, e quem tem um emprego de duas horas, duas vezes por semana, pode perfeitamente ter mais dois ou três (empregos).

E mais: se o empregador tiver que pagar auxílio-creche, auxílio-colégio, salário família e estabilidade em caso de gravidez, então só sendo milionário para poder ter uma empregada. Aliás, só pra saber: se for estipulado o preço da hora de trabalho, o preço vai ser o mesmo para quem mora em Caxias e o quem tem uma cobertura com piscina na Delfim Moreira? Só pra saber.

Tenho passado as noites em claro, apavorada, já que sou totalmente dependente de uma ajuda doméstica. Já tive vários tipos de vida, desde morar em apartamento grande e ter três empregadas, a um pequeno conjugado onde alguém vinha uma vez por semana dar aquele toque de talento que Deus não me deu.

Que felicidade, entrar numa casa, seja ela imensa ou mínima, e sentir que por ali passou uma abençoada mão de fada. Eu troco essa ajuda por qualquer vestido, qualquer carro, qualquer viagem, qualquer joia, porque para mim esse é o maior dos luxos: uma casa bem arrumada e cheirosa.

E espero que as novas leis me permitam, sempre, pagar o que merece a dona desse talento, que para mim vale ouro. Mas a partir de agora vou prestar atenção e contratar mães de filhos já crescidos, até porque em qualquer lugar do mundo a obrigação de dar creche e colégio é do governo.

Assim é essa PEC; imperfeita, e dando pânico de contratar uma nova funcionária. E se não der certo? Demitir vai sair tão caro que trabalhar como arrumadeira será praticamente ter estabilidade no emprego, como os funcionários públicos; e demissão, praticamente, só por justa causa.

Aliás, o que é que caracteriza a justa causa? As empregadoras não sabem, mas pergunte a qualquer candidata a um emprego doméstico; todas elas sabem, na ponta da língua, o que não podem fazer, para não correrem o risco de uma justa causa.

É curioso o mundo moderno: um marido pode ser dispensado por incompatibilidade de gênios, e uma empregada doméstica não.

Peitos pelo progresso - JOÃO UBALDO RIBEIRO

domingo, março 31, 2013


O GLOBO - 31/03

Como já tive oportunidade de comentar aqui diversas vezes, Itaparica sempre esteve na vanguarda e não raro puxou o bonde nacional. Assim foi quando, depois de os aturarmos durante quase um ano, na época do padre Vieira, enchemos o saco de tantos vanderdiques e vanderleis e botamos os holandeses da ilha para fora — e tudo às carreiras, tanto assim que vários ficaram para trás, para usufruto das conterrâneas mais necessitadas ou mais assanhadinhas, assim se originando as flores que são nossas mulatas de olhos verdes, as quais vem gente de todo o mundo para conhecer. Quase dois séculos mais tarde, se não fosse a ilha, talvez não houvesse independência, pois a convicção dos historiadores sérios é de que o grito do Ipiranga não passou de gogó e sair mesmo no tapa com os portugueses foi na ilha e redondezas.

E não é somente nessa história mais remota que nos destacamos, mas, por exemplo, finado Lamartine, Deus o tenha, contava que um certo coronel Veiga, do tempo em que Lamartine era menino, recebeu um telegrama do Rio de Janeiro, enviado no dia 9 de novembro de 1889, dizendo o seguinte: "MEU CORONEL VG COUSA ESTAH FEIA PT PROCLAMO OU NAO PROCLAMO REPUBLICA INT AGUARDO PREZADAS INSTRUCCOENS PT SAUDACOENS VG SEU CRIADO DEODORO." Quis, todavia, o dedo ingrato do destino que esse 9 de novembro caísse num sábado, o que atrasou um pouco o telegrama, que só chegou no sábado seguinte, dia 16, quando a desgraça, quer dizer, a república já estava feita. Lamartine lembrava que o coronel xingou o telégrafo até morrer, argumentando que o atraso o fizera cometer uma desfeita contra Pedro II, com quem sempre tivera bom trato.

Em matéria de modas, das filosóficas e artísticas às de aparência e comportamento, tampouco ficamos atrás. Manda a honestidade reconhecer que nunca fomos ditadores da moda, se bem que, no tempo em que o navio atracava na ponte em frente à pensão de Anita, o desfile das moças à espera do desembarque fosse mais elegante e colorido do que em muitas passarelas do Sul do País. Mas também se frise que, embora acompanhemos as preferências mais modernas, jamais incorremos em imitação servil e até por vezes marchamos, como se diz hoje em dia, na contramão de certas tendências, como o que aconteceu com a discutida questão da qualidade de vida.

A qualidade de vida até que pareceu que ia pegar e Beré de Babau chegou a fundar uma academia de ginástica aeróbica com trilhas sonoras de Michael Jackson, mas diz o povo que Babau ficava espiando as alunas e aí Beré deu uns cachações nele e se despediu da carreira de magistério. Sobrou somente Badego que todo dia, chova ou faça sol, sai andando acelerado de costa a contracosta, mas se sabe que Badego, excelente e educadíssima pessoa, por todos admirado, nunca regulou bem da ideia, qualquer um no Mercado corrobora. Gugu Galo Ruço, que é várias vezes rico milionário em Salvador e vem à ilha treinar deitar na rede, me esclareceu a posição que prevalece na terra.

— O problema — disse ele — é que, para garantir qualidade de vida, a gente tem que sacrificar muito a qualidade de vida. Faz cada exercício medonho, come regrado, não come açúcar, não come gordura, não come carne vermelha, não come conserva, metade do prato é capim, não fuma, bebe uma merreca de um dedal de vinho por dia, não perde noite, não toma porre, passa o dia inteiro bebendo água, tem que ter muita abnegação.

— Mas assim você garante uma boa qualidade de vida na velhice.

— E na velhice eu vou poder fazer todas essas coisas?

— Não, claro que não. Não é isso o que…

— Quer dizer, não faço nem na mocidade nem na velhice, é isso? Assim, ou eu vivo ou tenho qualidade de vida. Eu cheguei à conclusão de que viver é preferível.

Mas pelo menos uma moda contemporânea parece que vai ter melhor destino, a julgar pelo que foi revelado em primeira mão, no largo da Quitanda, por Zecamunista. Ele, sempre muito interessado no papel político das mulheres, vem acompanhando com grande interesse os protestos, cada vez mais numerosos, em que elas aparecem com os seios à mostra, para denunciar leis iníquas, abusos de poder e discriminação de todos os tipos.

— Ontem mesmo eu vi na internet uma manifestação fantástica — contou ele. — Uma coisa de um vigor impressionante, não há massa que não fique mobilizada. Tinha uma delegação norueguesa muito boa, até agora estou impressionado.

— E a manifestação era contra o quê?

— Bem, eu não me lembro, na hora eu não percebi, também não se pode assimilar tudo, vou ter que ver mais algumas vezes ainda, vou precisar.

— Vai precisar?

— Não se meta a engraçado, eu sou um homem sério e um feminista de respeito, um paladino das mulheres. Eu vou canalizar o potencial das mulheres aqui da ilha, mais uma vez. Vou fundar uma ONG chamada Peitos Cívicos da Ilha e tenho certeza de que em breve seremos uma das entidades mais temidas do Brasil. Os poderosos tremerão, quando anunciarem que as soldadas dos Peitos Cívicos chegaram, vai ser mais devastador do que a cavalaria para os índios americanos, vai ser peito pulando por todos os lados, um massacre!

— Eu não acredito que isso dê certo.

— Nem eu — disse ele. — Mas tem muita mulher precisando de uma desculpa correta para mostrar os peitos. É uma colaboração da minha parte, eu sempre procuro apoiar a mulher.

sábado, março 23, 2013

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quinta-feira, março 07, 2013

O público e o privado Agostinho Vieira

Coluna publicada no Globo de hoje Agostinho Vieira - 

7.3.2013
:

Não conheci o desembargador Ricardo Damião Areosa, nem a sua mulher, a advogada Cristiane Teixeira Pinto. Poderia ter conhecido. Apenas três quadras separam o meu prédio do apartamento onde viviam e que foi completamente destruído pelo fogo no último domingo. Da minha casa ouvi o barulho dos carros de bombeiros chegando e da janela deu para ver a fumaça branca, sem identificar exatamente de onde vinha.

Dormi sem conhecer o tamanho da tragédia que, no dia seguinte, passou a ser um dos temas preferidos na internet, nas redes sociais e nas ruas do Leblon. As primeiras informações davam conta de uma porta blindada que não pôde ser aberta. Reclamavam do atraso dos bombeiros e do hidrante. Os moradores dizem que foram 35 minutos, entre o primeiro chamado e a chegada. A corporação fala em seis minutos. Já a Cedae insiste em dizer que o hidrante funcionava. Os bombeiros negam. O fato é que o casal, acuado pelas chamas, se jogou do quarto andar e morreu.

A tal porta não era exatamente blindada. Era feita de madeira maciça e possuía quatro trancas. A intenção era evitar os eventuais assaltos que pudessem ocorrer num dos bairros mais valorizados do Rio. E é exatamente isso que me intriga. Esse conceito de valor. Não consigo deixar de pensar na tristeza que é viver numa cidade onde os hidrantes não funcionam, os bombeiros não têm escadas Magirus e as portas que garantiriam a segurança servem como ratoeiras.

Qualquer observador um pouco mais atento que andar pelas ruas do Leblon, de Ipanema ou de outro bairro da moda, verá calçadas quebradas, vazamentos constantes de esgoto e a segurança privada que toma conta de várias ruas. Na semana passada, um desses seguranças trocou tiros com dois bandidos que passavam de moto na região. Isso em plena hora do almoço, quando as crianças saíam dos colégios. Verá também muito lixo no chão, lixeiras quebradas e os vendedores de quentinhas.

Ou seja, falta segurança, falta saneamento, falta conservação, falta fiscalização e sobra sujeira. Problemas que se repetem em bairros como o Méier, Madureira, Campo Grande, Barra ou Santa Cruz. Por que, então, Ipanema e Leblon são mais caros? Talvez sejam as praias. Mas elas são sujas. As areias têm mais coliformes fecais do que qualquer padrão considerado aceitável. Devem ser as ofertas de lazer. Aqueles teatros e boates que foram fechados porque não tinham saída de emergência.

Acho que o problema está na nossa definição de "valor" ou "valorizado". Morar na Zona Sul é chique, é bacana, mesmo que as coisas não funcionem direito. Outro dia vi algumas pessoas chocadas porque souberam que o Seedorf estava indo ao treino do Botafogo de ônibus. Como é que alguém com o status dele resolve andar de ônibus? Em alguns países onde o Seedorf já jogou, como a Holanda, a Espanha e a Itália, o natural, o civilizado é usar os transportes públicos.

Por aqui é diferente. O que vale é o privado, o individual, o exclusivo e, se possível, o personalizado. Quem tem dinheiro sonha com o melhor apartamento, no lugar mais badalado, com um carro caro na garagem. Pode ser blindado. Talvez seja preciso ter uns dois ou três seguranças. Tudo bem. É fundamental ter o melhor plano de saúde do mercado e um gerente pessoal para cuidar das contas.

Isso é perfeito, ou quase. De que vale tudo isso quando se sofre um acidente na rua e a ambulância do SAMU te leva para um hospital público? E se o apartamento pega fogo, a porta não abre, o bombeiro não chega e o hidrante não funciona? É uma ilusão, quase uma infantilidade, achar que podemos viver sozinhos, sem depender dos amigos, dos vizinhos, da sociedade e do poder público.

Nossa tendência é lembrar dos políticos e da política apenas em época de eleição. Ou quando surge algum escândalo. Mas sem os políticos certos nos lugares certos, os serviços públicos não funcionam. Ontem, o governador Sérgio Cabral, que também mora no Leblon, perdeu uma boa oportunidade de ficar calado. Disse que o serviço prestado pelos bombeiros teve "padrão internacional". Não teve. E voltou com a velha ladainha: "Nunca se investiu tanto na corporação como no meu governo".

Não importa se um governo investiu dez, outro 20 e um terceiro 30. Não funcionou. Duas pessoas morreram. A pergunta é: O que deve ser feito e investido para ter realmente um padrão internacional? O que é um padrão internacional? Resolvido o que se quer e quanto custa, é preciso apresentar o problema de forma transparente e dizer: "Vamos levar dez anos para chegar lá. Só depois de três governos teremos algo aceitável". Seria quase uma overdose de honestidade.

domingo, março 03, 2013

Saudades do metrô - ARTUR XEXÉO

3 de Fevereiro de 2013. 
O ônibus, ao lado da Estação Siqueira Campos, está superlotado. Os passageiros descem e logo formam uma fila para entrar no metrô. Empurra-empurra, chega pra lá, confusão. O esquema que as autoridades organizaram para suprir a falta das estações Cantagalo e General Osório, do precário metrô do Rio, não está dando certo. Dizem que o usuário pode substituir o trem que pegava nessas estações pelo metrô de superfície, uma maneira irônica com que nossas autoridades costumam chamar os ônibus quando querem fingir que são responsáveis por um sistema de transporte eficiente. Que metrô de superfície é esse que para no sinal fechado e enfrenta, como qualquer outro veículo, as agruras de um engarrafamento no trânsito? 
Março de 1979. Eu não conseguia esconder a empolgação. Depois de anos vendo trechos do Centro do Rio escondidos por tapumes, estava ali, na Estação Cinelândia, numa pequena fila, aguardando para comprar o meu bilhete do metrô. Não me lembro do preço. Mas me lembro do trajeto. Saí da Cinelândia e fui até a Estação Presidente Vargas. Ali, mudei de lado e retornei. Deslumbrado. Tudo era bonito. Mármore nas estações, trens limpinhos, confortáveis, espaço para todo mundo, boa sinalização. Não era para levar muito a sério. Servia só como passeio mesmo. O metrô, velho sonho da cidade, foi inaugurado com apenas cinco estações: além da Cinelândia e da Presidente Vargas, podíamos usar as da Praça Onze, da Central e da Glória. Só funcionava das nove da manhã às três da
tarde. Tinha quatro trens que chegavam a cada oito minutos. Transportava 60 mil pessoas por dia.
Naquela primeira viagem de 34 anos atrás, acreditei, como toda a população, que o Metrô tinha futuro. Hoje, são duas linhas, 35 estações e 640 mil passageiros por dia. E o caos. O ar refrigerado não funciona. Os trens vivem abarrotados. A limpeza dos primeiros anos transformou-se num mafuá onde se vende de tudo. As escadas rolantes não rolam. Os elevadores não se mexem. E a extensão, convenhamos, é ridícula. Tenho vergonha quando me dou conta de que nosso metrô cobre uma área menor que a do metrô de Brasília. Comparando com o de São Paulo, então, é bom nem falar.
Um sistema de transporte eficiente que integrasse toda a cidade ficou no sonho. O metrô carioca parece uma minhoca que se estende infinitamente. Era óbvio que não se encontraria uma alternativa para o o fechamento das duas última estações da Zona Sul. As linhas não se cruzam e as estações são muito distantes uma da outra. Perdendo-se uma estação, o usuário tem que apelar para outro tipo de transporte.
Quem está chegando agora pode pensar que foi sempre assim. Não é verdade. Durante quase 20 anos, a extensão de nosso metrô cresceu e a limpeza e eficiência continuaram funcionando. O caos se implantou a partir da concessão para uma empresa privada em 1998. O carioca nunca foi conhecido por cuidar de sua cidade. O metrô era uma exceção. Tornou-se exemplo de civilidade. Ninguém tinha coragem de jogar um papel de bala no chão. Com ele, aprendemos que, quando o serviço é bom, o usuário cuida e respeita. Hoje, o usuário trata mal o metrô. A culpa é do serviço. Ninguém gosta de pagar caro — e o metrô é caro à beça — por um produto medíocre.



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sábado, março 02, 2013

Celso Ming. A chuva e o guarda-chuva

A chuva e o guarda-chuva

O desempenho do PIB em 2012 foi tão ruim quanto se esperava: avanço de apenas 0,9% sobre as posições de 2011 – o que contrariou as projeções oficiais do primeiro trimestre, que apontavam para "crescimento de algo entre 4,0% e 4,5%".

A maior decepção foi o desempenho do investimento, cujo nome e sobrenome nas Contas Nacionais é Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF): queda de 4,0%, o que compromete o futuro.



A indústria foi mal, embora menos do que se previa: caiu 0,8%. E o setor agropecuário, o mais dinâmico da economia, talvez tenha sido outra surpresa negativa: recuo de 2,3%. Reflete o mau momento dos subsetores do trigo, do fumo, da cana-de-açúcar, da laranja e da mandioca.

Quem repete por aí que o Brasil tem economia industrial? Nada disso. Passou a ser uma economia de serviços, que hoje detém fatia de 68,5% da renda nacional.

Infelizmente, nesse segmento não são os serviços de ponta e de alta tecnologia que têm conduzido o processo. Os setores que mais crescem estão envelopados sob a rubrica Outros Serviços. São as tarefas domésticas (empregada doméstica e babá), cabeleireira, manicure, segurança, call centers e um número não especificado ocupado por autônomos ou trabalhadores por conta própria.

Ao final de 2012, a indústria de transformação não pesava mais do que 13,3% do PIB. Houve perda de peso no bolo total de 5,9 pontos porcentuais desde 2004.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, tentou explicar nesta sexta-feira mais esse fiasco como sendo consequência da crise global. É mais um autoengano. Se a chuva fosse tão maior que o guarda-chuva (como escreveu o poeta Paulo Leminski), os demais países estariam tão encharcados quanto o Brasil. E, no entanto, não aconteceu assim. A tabela que vai noConfira dá uma ideia melhor disso.

O baixo desempenho do PIB tem a ver com os problemas internos do Brasil. E isso fica ainda mais evidente quando se juntam na mesma ficha PIB e inflação – de 5,84% em 2012 e acima dos 6,00% ao ano no primeiro bimestre de 2013.

Paradoxalmente, a mediocridade do desempenho econômico não é percebida pelo cidadão. O povão nunca comeu tão bem, nunca teve tanta oferta de emprego, nunca viajou tanto e começa a ter atendimento de saúde como nunca teve.

E isso se reflete nas Contas Nacionais. Lá está mostrado que, em 2012, o consumo das famílias cresceu 3,1% e o do governo, 3,2%. Ou seja, o mix das políticas econômicas privilegiou o consumo popular.

Tanto privilegiou que a Poupança Nacional caiu de 17,2% para 14,8%. O Brasil sempre investiu pouco, mas passou a investir menos ainda. Está comendo também as sementes e as matrizes.

Mas essa sensação de bem-estar não é sustentável. É verdade que o governo Dilma parece ter-se dado conta de que algo tem de mudar urgentemente. Esse esforço para elevar o investimento em infraestrutura e logística é efeito dessa tomada de consciência. O problema é que os resultados não são imediatos.

Por falar nisso, é pouco chorar sobre o leite derramado. A próxima Coluna vai examinar o que se pode esperar dessa suposta virada para o desempenho da economia em 2013.

CONFIRAA tabela mostra o avanço do PIB de 20 economias em desenvolvimento no ano passado. Todas cresceram acima de 1,0% – exceto a do Brasil. Não dá para descarregar a culpa do PIB fraco sobre a crise externa.

Rombo comercial. Até agora o governo não explicou por que empurrou para os três primeiros meses de 2013 a maior parte das estatísticas de importação de combustíveis – o maior responsável pelo maior déficit comercial em meses de fevereiro. Independentemente da razão, é mais uma distorção que dificulta as previsões do comportamento da economia neste ano.

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