O GLOBO - 30/09/10
O presidente Lula gosta de elogios
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Na verdade, acha até que os "elogiadores" têm sido modestos. Ele quer mais, como disse ontem em comício em Salvador: "Obama falou que eu era 'o cara' há dois anos e nem conhecia as pesquisas que estão saindo agora. Se ele soubesse, ia falar: 'Pô, não é que esse cara é o cara do cara?'" É verdade que políticos, especialmente aqueles no governo, apreciam as boas palavras. Podem reparar: se um governante pede a opinião de dez pessoas sobre sua administração e ouve nove críticas e um elogio, é com este último que fica. "Bela análise", dirá, genuinamente convencido.
É por isso que políticos realmente espertos mantêm críticos nas proximidades.
É por isso que governantes realmente competentes colocam ministros e assessores fortes, com razoável grau de independência, para que façam o contraponto e coloquem limites.
Não é o caso do governo Lula. Não que o time seja todo ele incompetente, mas é evidente que todo o pessoal do governo e do partido entregou-se inteiramente ao "cara de todos os caras".
Isso resulta de uma mistura de sentimentos: genuína veneração do líder, medo de se contrapor a ele, oportunismo e pragmatismo. De modo que temos, de um lado, um presidente com elevada autoconfiança, admiradíssimo com ele mesmo, achando que pode tudo, e, de outro, ministros e assessores que ou concordam com ele ou não o enfrentam por medo ou por achar que não vale a pena. É o caso daqueles que dizem que o PT vai voltar ao poder quando Lula se for.
Mas há outra atitude que pode ser a mais prejudicial ao país: o comportamento dos membros do governo que consideram ter o mesmo poder ou o mesmo direito de fazer o que bem entendem.
São os que se acham os verdadeiros "subcaras".
Acontece direto na área econômica.
Lula mandou a Petrobras turbinar seus investimentos, mesmo contrariando pareceres técnicos, mandou tocar as usinas lá do Norte, como a de Belo Monte, apesar de enormes restrições técnicas, ambientais e econômicas, mandou avançar com o caríssimo e inútil trem-bala e por aí vai.
A pergunta ingênua aqui seria esta: mas como é que passa? Não tem ninguém para alertar? Passa porque esses programas despertam enormes interesses e cobiças.
Quem tem uma empreiteira acha ótimo que o governo se comprometa a fazer obras gigantescas, com financiamento subsidiado e risco do próprio governo.
Na gestão de política econômica propriamente dita, a orientação de Lula foi clara: vamos gastar. No início de seu primeiro mandato, pressionado pelo mercado, alvo de desconfianças, Lula foi obrigado a concordar com um programa de austeridade e contenção do gasto público. Foi quando o governo fez expressivos superávits primários (economia para pagar juros), bem superiores aos da era FHC.
Depois da saída de Palocci do Ministério da Fazenda, a orientação foi mudando.
A recuperação do crescimento econômico - empurrada pela espetacular expansão global, especialmente da China - abarrotou os cofres do governo de dinheiro novo. Depois, na crise, firmou-se a tese mundial de que os governos deveriam gastar para estimular a economia.
"Política anticíclica", repetia o ministro Mantega. Mas quando a crise passou e o Brasil voltou a crescer, o governo continuou a elevar seus gastos. Se o argumento "anticíclico" fosse uma regra de fato e não uma desculpa, o comportamento da administração pública neste momento seria o contrário. Se as empresas e as pessoas voltaram a tomar crédito e a gastar, o governo passa a poupar, inclusive para fazer caixa para os anos ruins.
Números e contas públicas aceitam desaforo até certo ponto. Já as atuais autoridades econômicas, como funcionárias do "cara do cara", acham que não estão fazendo nenhum desaforo, mas inaugurando uma contabilidade nunca jamais vista na história da humanidade.
Por exemplo: tiram do nada uma receita de pelo menos R$ 25 bilhões para o Tesouro. É quanto o governo vai "lucrar" com a capitalização da Petrobras.
Reparem a operação, em termos simples: o governo vendeu para a Petrobras 5 bilhões de barris de petróleo que estão enterrados em algum lugar do pré-sal. Cobrou por isso, em números redondos, uns R$ 72 bilhões. Logo, a Petrobras ficou devendo essa grana, pelo direito de, lá na frente, pesquisar, perfurar, explorar e finalmente retirar o óleo do fundo do mar.
Em seguida, a Petrobras abre seu capital e oferece ações ao mercado. O governo central (Tesouro) compra parte dessas ações, pelas quais deveria pagar à estatal uns R$ 45 bilhões. Mas como tem um crédito, pelos barris "a futuro", apenas abate o valor da conta e continua credor da Petrobras, em uns R$ 27 bilhões.
Você pensou que o negócio fecha com a estatal mandando um cheque nesse valor para o caixa do governo? Se pensou, está na contabilidade da era pré-Lula.
A Petrobras não vai despachar o dinheiro, mas o Tesouro vai registrar como receita - e assim vai fazer neste mês o maior superávit já visto na história.
E ainda vai pegar uma parte desse dinheiro escritural e emprestar para o BNDES fazer o quê? Pagar por ações da Petrobras. Resumo: o governo não colocou um centavo de verdade, mas comprou mais ações da Petrobras, aumentou sua participação e ainda recebeu um troco de 27 bilhões.
Não é o máximo? Nada nesta mão, nada nesta outra e... eis 27 bilhões.
O problema é que investimentos insensatos e essas mágicas econômicas cobram um preço, mais cedo ou mais tarde. Ficam esqueletos pelo caminho e buracos nas contas públicas, tudo a ser pago com dinheiro do contribuinte. E aí não tem mágica: o dinheiro não sairá da cartola, mas do seu bolso.
quinta-feira, setembro 30, 2010
No foco, o câmbio Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 30/09/2010
Em quase oito anos de mandato na presidência do Banco Central, é a primeira vez que Henrique Meirelles admite que há um problema grave no câmbio que não seja apenas volatilidade.
Nem precisou ser mais explícito. Meirelles está admitindo a existência de uma excessiva valorização do real que precisa ser revertida, numa situação em que alguns países, como Estados Unidos e Japão, estão manobrando para desvalorizar suas moedas. Por isso é que Meirelles passou a falar em um aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), hoje de 2%, na entrada de capitais.
Até agora, Meirelles vinha batendo no seu tambor que, num regime de câmbio flutuante, a intervenção do Banco Central se limitava a impedir esses trancos episódicos; que o Banco Central não tem nem piso nem teto para cotação e muito menos meta cambial.
A partir do momento em que admite que o setor produtivo brasileiro vai perdendo competitividade e que é preciso mais intervenção no câmbio (desta vez por meio da elevação do IOF), terá também de aceitar a existência de um piso, ainda que móvel, que servirá de referência não só para definir o que seja valorização excessiva, mas também para construir mecanismos de defesa do real contra a ação dos predadores.
Parece improvável que apenas apelos aos senhores do mundo no âmbito do Grupo dos 20 (G-20) mais aumento de dose do IOF na entrada de capitais que aqui desembarquem para ganhar com especulação com juros sejam providências suficientes para reverter "o problema" a que Meirelles esteja se referindo.
Na coluna de ontem ficou dito que a especulação com a diferença entre juros internos e externos (arbitragem) não se faz somente com entrada de capitais. Faz-se também com capitais que deixam de sair. Talvez seja preciso mostrar melhor como isso acontece.
Qualquer importador, por exemplo, pode deixar de remeter dólares ao exterior para pagar seu fornecedor. Poderá, por exemplo, levantar um financiamento lá fora a juros camaradas (operação relativamente comum quando se trata de dar cobertura a exportações), usá-lo para saldar seus compromissos com o fornecedor e, enquanto isso, aplicar os reais do seu caixa no mercado financeiro interno e tirar proveito da diferença entre os juros.
Ou seja, nesse caso, a procura de dólares também será menor e contribuirá para a derrubada das cotações no câmbio, com efeito semelhante ao provocado pela entrada de capitais. Só que o IOF não incide sobre a falta de saída de moeda estrangeira. Daí a limitação do uso desse mecanismo de controle.
Afora isso, também o cacife enorme em reservas internacionais do Brasil contribui para trazer mais dólares e, consequentemente, para valorizar o real, porque solidifica a percepção de que a economia brasileira está blindada contra crises.
Assim, novo aumento do IOF deverá produzir efeitos limitados na sua função de evitar a valorização do real. Para que o País possa ter maior capacidade de intervenção no câmbio e reduzir substancialmente a especulação com juros não há saída senão melhorar as finanças públicas. No dia em que as autoridades proclamarem, de maneira crível e consistente, que em três ou quatro anos será obtido o déficit nominal zero das contas públicas, os juros despencarão quase espontaneamente e a especulação com juros será fortemente desestimulada.
Em quase oito anos de mandato na presidência do Banco Central, é a primeira vez que Henrique Meirelles admite que há um problema grave no câmbio que não seja apenas volatilidade.
Nem precisou ser mais explícito. Meirelles está admitindo a existência de uma excessiva valorização do real que precisa ser revertida, numa situação em que alguns países, como Estados Unidos e Japão, estão manobrando para desvalorizar suas moedas. Por isso é que Meirelles passou a falar em um aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), hoje de 2%, na entrada de capitais.
Até agora, Meirelles vinha batendo no seu tambor que, num regime de câmbio flutuante, a intervenção do Banco Central se limitava a impedir esses trancos episódicos; que o Banco Central não tem nem piso nem teto para cotação e muito menos meta cambial.
A partir do momento em que admite que o setor produtivo brasileiro vai perdendo competitividade e que é preciso mais intervenção no câmbio (desta vez por meio da elevação do IOF), terá também de aceitar a existência de um piso, ainda que móvel, que servirá de referência não só para definir o que seja valorização excessiva, mas também para construir mecanismos de defesa do real contra a ação dos predadores.
Parece improvável que apenas apelos aos senhores do mundo no âmbito do Grupo dos 20 (G-20) mais aumento de dose do IOF na entrada de capitais que aqui desembarquem para ganhar com especulação com juros sejam providências suficientes para reverter "o problema" a que Meirelles esteja se referindo.
Na coluna de ontem ficou dito que a especulação com a diferença entre juros internos e externos (arbitragem) não se faz somente com entrada de capitais. Faz-se também com capitais que deixam de sair. Talvez seja preciso mostrar melhor como isso acontece.
Qualquer importador, por exemplo, pode deixar de remeter dólares ao exterior para pagar seu fornecedor. Poderá, por exemplo, levantar um financiamento lá fora a juros camaradas (operação relativamente comum quando se trata de dar cobertura a exportações), usá-lo para saldar seus compromissos com o fornecedor e, enquanto isso, aplicar os reais do seu caixa no mercado financeiro interno e tirar proveito da diferença entre os juros.
Ou seja, nesse caso, a procura de dólares também será menor e contribuirá para a derrubada das cotações no câmbio, com efeito semelhante ao provocado pela entrada de capitais. Só que o IOF não incide sobre a falta de saída de moeda estrangeira. Daí a limitação do uso desse mecanismo de controle.
Afora isso, também o cacife enorme em reservas internacionais do Brasil contribui para trazer mais dólares e, consequentemente, para valorizar o real, porque solidifica a percepção de que a economia brasileira está blindada contra crises.
Assim, novo aumento do IOF deverá produzir efeitos limitados na sua função de evitar a valorização do real. Para que o País possa ter maior capacidade de intervenção no câmbio e reduzir substancialmente a especulação com juros não há saída senão melhorar as finanças públicas. No dia em que as autoridades proclamarem, de maneira crível e consistente, que em três ou quatro anos será obtido o déficit nominal zero das contas públicas, os juros despencarão quase espontaneamente e a especulação com juros será fortemente desestimulada.
De Pomona a Marte Demétrio Magnoli
O Estado de S.Paulo - 30/09/10
A estátua de Pomona, a deusa romana dos pomares, símbolo da abundância, está fincada bem à frente do Hotel Plaza, em Nova York. Um quarto de século atrás, em setembro de 1985, representantes dos EUA, da Alemanha Ocidental, do Japão, da França e da Grã-Bretanha assinaram ali o Acordo do Plaza, que promoveu a desvalorização do dólar em 50% ante o marco e o iene. Hoje, novamente, a economia global necessita de um dólar mais fraco. Inexiste, contudo, uma vontade comum capaz de propiciar a coordenação das políticas monetárias das potências.
O ciclo de expansão encerrado pela quebra do Lehman Brothers evoluiu sob o signo do desequilíbrio. A poupança compulsória de chineses pobres financiava o consumo exuberante da classe média americana, um paradoxo que se reflete no espelho financeiro pelo colossal superávit em conta corrente da China e pelo déficit insustentável em conta corrente dos EUA. A crise em curso pode ser interpretada como uma longa correção desse desequilíbrio, com a redução do nível de consumo americano e a ampliação do consumo chinês. A China, porém, não parece propensa a reproduzir o comportamento de alemães e japoneses no Plaza.
Pequim protege a sua moeda com um zelo historicamente justificado. Yuan, a palavra que nomeia a unidade de conta do renminbi, é uma contração originada da expressão "moeda redonda estrangeira". Introduzida no final do século 19 como mimese dos antigos pesos de prata mexicanos, difundidos a partir das Filipinas espanholas no Sudeste Asiático, o renminbi conviveu com os cartões de racionamento maoistas e só ganhou uma taxa de câmbio unificada em 1994.
Hoje, o governo chinês teme que uma apreciação cambial aqueça o fluxo de investimentos especulativos e provoque um colapso financeiro similar ao da crise asiática de 1997. O precedente da apreciação de 11% do renminbi, a partir de outubro de 2007, que gerou a falência de empresas comerciais e perda de empregos, em nada ajuda os raros defensores de uma nova tentativa. Além disso, a tese predominante no país assegura que uma forte valorização não reduziria o déficit comercial americano, mas apenas transferiria exportações para os tigres asiáticos.
Melífluos, os dirigentes chineses usam "sim" para dizer "não". Em junho, simulando ceder às pressões de Washington, o banco central da China emitiu um comunicado ambíguo que fingia sinalizar o relaxamento dos controles cambiais. O texto carecia de substância - e o renminbi quase não se moveu. "Todos estamos concluindo que eles não acreditam que sejamos sérios", queixou-se o senador Jack Reed ao secretário do Tesouro americano, Tim Geithner. De fato, a autoridade monetária chinesa compra dólares em ritmo alucinante, sabotando as tentativas de Geithner de produzir um choque expressivo na taxa de câmbio bilateral.
Os chineses não estão sós. Há pouco, após uma longa ausência, o banco central japonês voltou ao mercado de câmbio para vender 2 trilhões de ienes, interrompendo a trajetória de valorização da moeda. A Suíça agiu bem antes, na mesma direção, e quadruplicou suas reservas internacionais. A zona do euro é um caso à parte. O Banco Central Europeu (BCE) aferra-se ao dogma do euro forte, mas nem mesmo a máquina exportadora alemã pode conviver com a continuidade da valorização cambial dos três anos anteriores à crise global. Uma depreciação moderada ajudaria a reativar as economias mais fracas do bloco e um aumento controlado da inflação reduziria os déficits que atormentam Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Um relatório do FMI indica que o BCE já promove a desvalorização do euro diante do dólar.
Na falta de uma ação coordenada, aos solavancos, as intervenções unilaterais dos bancos centrais produzem um alinhamento cambial em taxas similares às vigentes há duas décadas. O cenário convida à conclusão tranquilizadora de que a economia global escapou do espectro caótico das desvalorizações competitivas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não caiu nesse conto, como evidenciam suas declarações recentes. De um lado, persiste a anomalia central do renminbi fraco. De outro, os fluxos de capitais de curto prazo pressionam para cima as moedas de algumas grandes economias emergentes - entre as quais, notadamente, o Brasil. No lugar da correção do desequilíbrio estrutural prévio, caminha-se rumo à criação de novos desequilíbrios.
A raiz do impasse é geopolítica. O sistema monetário do pós-guerra perdeu a âncora da paridade dólar/ouro em 1973, mas conservou o norte da liderança americana, que se expressava pelo G-5 e propiciava acordos transparentes de coordenação cambial. No Acordo do Plaza, as cinco potências provaram que o leme da política podia substituir o mecanismo das paridades semifixas adotado em Bretton Woods. De lá para cá, o leme emperrou. O sistema monetário atual é um edifício heteróclito de regimes de câmbio ancorados, flexíveis e administrados, que abrange ainda uma vasta união monetária e alguns currency boards. A erosão da hegemonia americana e a ascensão da China destruíram a unidade política do centro de decisões, que se transferiu do G-5 para o G-20. Pomona, a abundância, cede lugar a Marte, a guerra.
Até agora, o Brasil opera na mesma linha de japoneses, suíços e chineses, evitando uma forte apreciação do real pelo recurso a ousadas investidas no mercado de moedas. A tática defensiva destina-se a impedir a explosão do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Mas a acumulação incessante de reservas em dólares tem um custo financeiro, que logo será proibitivo. As alternativas são a redução dos juros internos, o que exige cortes de gastos públicos, e a imposição de controles sobre os investimentos estrangeiros de curto prazo, o que implica contrariar as altas finanças.
A estação de calmaria chega ao fim. Fará o próximo governo o oposto exato do que fez Lula?
A estátua de Pomona, a deusa romana dos pomares, símbolo da abundância, está fincada bem à frente do Hotel Plaza, em Nova York. Um quarto de século atrás, em setembro de 1985, representantes dos EUA, da Alemanha Ocidental, do Japão, da França e da Grã-Bretanha assinaram ali o Acordo do Plaza, que promoveu a desvalorização do dólar em 50% ante o marco e o iene. Hoje, novamente, a economia global necessita de um dólar mais fraco. Inexiste, contudo, uma vontade comum capaz de propiciar a coordenação das políticas monetárias das potências.
O ciclo de expansão encerrado pela quebra do Lehman Brothers evoluiu sob o signo do desequilíbrio. A poupança compulsória de chineses pobres financiava o consumo exuberante da classe média americana, um paradoxo que se reflete no espelho financeiro pelo colossal superávit em conta corrente da China e pelo déficit insustentável em conta corrente dos EUA. A crise em curso pode ser interpretada como uma longa correção desse desequilíbrio, com a redução do nível de consumo americano e a ampliação do consumo chinês. A China, porém, não parece propensa a reproduzir o comportamento de alemães e japoneses no Plaza.
Pequim protege a sua moeda com um zelo historicamente justificado. Yuan, a palavra que nomeia a unidade de conta do renminbi, é uma contração originada da expressão "moeda redonda estrangeira". Introduzida no final do século 19 como mimese dos antigos pesos de prata mexicanos, difundidos a partir das Filipinas espanholas no Sudeste Asiático, o renminbi conviveu com os cartões de racionamento maoistas e só ganhou uma taxa de câmbio unificada em 1994.
Hoje, o governo chinês teme que uma apreciação cambial aqueça o fluxo de investimentos especulativos e provoque um colapso financeiro similar ao da crise asiática de 1997. O precedente da apreciação de 11% do renminbi, a partir de outubro de 2007, que gerou a falência de empresas comerciais e perda de empregos, em nada ajuda os raros defensores de uma nova tentativa. Além disso, a tese predominante no país assegura que uma forte valorização não reduziria o déficit comercial americano, mas apenas transferiria exportações para os tigres asiáticos.
Melífluos, os dirigentes chineses usam "sim" para dizer "não". Em junho, simulando ceder às pressões de Washington, o banco central da China emitiu um comunicado ambíguo que fingia sinalizar o relaxamento dos controles cambiais. O texto carecia de substância - e o renminbi quase não se moveu. "Todos estamos concluindo que eles não acreditam que sejamos sérios", queixou-se o senador Jack Reed ao secretário do Tesouro americano, Tim Geithner. De fato, a autoridade monetária chinesa compra dólares em ritmo alucinante, sabotando as tentativas de Geithner de produzir um choque expressivo na taxa de câmbio bilateral.
Os chineses não estão sós. Há pouco, após uma longa ausência, o banco central japonês voltou ao mercado de câmbio para vender 2 trilhões de ienes, interrompendo a trajetória de valorização da moeda. A Suíça agiu bem antes, na mesma direção, e quadruplicou suas reservas internacionais. A zona do euro é um caso à parte. O Banco Central Europeu (BCE) aferra-se ao dogma do euro forte, mas nem mesmo a máquina exportadora alemã pode conviver com a continuidade da valorização cambial dos três anos anteriores à crise global. Uma depreciação moderada ajudaria a reativar as economias mais fracas do bloco e um aumento controlado da inflação reduziria os déficits que atormentam Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Um relatório do FMI indica que o BCE já promove a desvalorização do euro diante do dólar.
Na falta de uma ação coordenada, aos solavancos, as intervenções unilaterais dos bancos centrais produzem um alinhamento cambial em taxas similares às vigentes há duas décadas. O cenário convida à conclusão tranquilizadora de que a economia global escapou do espectro caótico das desvalorizações competitivas. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não caiu nesse conto, como evidenciam suas declarações recentes. De um lado, persiste a anomalia central do renminbi fraco. De outro, os fluxos de capitais de curto prazo pressionam para cima as moedas de algumas grandes economias emergentes - entre as quais, notadamente, o Brasil. No lugar da correção do desequilíbrio estrutural prévio, caminha-se rumo à criação de novos desequilíbrios.
A raiz do impasse é geopolítica. O sistema monetário do pós-guerra perdeu a âncora da paridade dólar/ouro em 1973, mas conservou o norte da liderança americana, que se expressava pelo G-5 e propiciava acordos transparentes de coordenação cambial. No Acordo do Plaza, as cinco potências provaram que o leme da política podia substituir o mecanismo das paridades semifixas adotado em Bretton Woods. De lá para cá, o leme emperrou. O sistema monetário atual é um edifício heteróclito de regimes de câmbio ancorados, flexíveis e administrados, que abrange ainda uma vasta união monetária e alguns currency boards. A erosão da hegemonia americana e a ascensão da China destruíram a unidade política do centro de decisões, que se transferiu do G-5 para o G-20. Pomona, a abundância, cede lugar a Marte, a guerra.
Até agora, o Brasil opera na mesma linha de japoneses, suíços e chineses, evitando uma forte apreciação do real pelo recurso a ousadas investidas no mercado de moedas. A tática defensiva destina-se a impedir a explosão do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Mas a acumulação incessante de reservas em dólares tem um custo financeiro, que logo será proibitivo. As alternativas são a redução dos juros internos, o que exige cortes de gastos públicos, e a imposição de controles sobre os investimentos estrangeiros de curto prazo, o que implica contrariar as altas finanças.
A estação de calmaria chega ao fim. Fará o próximo governo o oposto exato do que fez Lula?
O último debate Miriam Leitão
O Globo - 30/09/2010
Numa disputa eleitoral tão cheia de surpresas na reta final, o debate de hoje fica ainda mais emocionante.
Os candidatos se preparam sabendo que do desempenho de cada um dependerá a ocorrência ou não de segundo turno. Dilma chega à reta final mantendo seu favoritismo, mas sem ter enfrentado de fato o calor da campanha. Foi protegida por cercadinhos para jornalistas, e até para o povo.
Em cada debate ou entrevista, correligionários da candidata governista comemoraram o não-desastre, o erro evitado, o jogo na retranca.
Seu principal aliado foi seu adversário, o candidato José Serra. Ele teve alguns bons momentos, mas não conseguiu, até agora, demonstrar que tem um projeto amplo para o país. Não preparou um bom programa que desse ao eleitorado a noção da alternativa apresentada.
Sua propaganda está baseada no que ele fez, no que ele foi. Em nenhum momento ele ajudou a trazer de volta à memória o maior feito do seu grupo político que foi a vitória sobre a inflação, que atormentava os brasileiros com índices que chegaram a 84%, filas nos postos de gasolina, desabastecimento, sequestro do dinheiro no banco. Isso sem falar da falta crônica de telefone.
Mesmo os mais jovens já ouviram falar daquele tempo de economia de guerra que o Plano Real encerrou. Claro que uma campanha tem de falar do futuro, mas o recall de uma grande vitória daria mais substância ao que ele falasse em seguida.
Há quem considere que a popularidade do presidente Lula o transformou numa entidade mítica. Ele não é.
Sem negar sua capacidade de comunicação, o que está sendo aprovada é a sensação de conforto econômico criada pela manutenção da inflação baixa, pelo crescimento deste ano e pela expansão do crédito. Depois de consolidada a estabilização, seria mesmo a hora de expandir o crédito, e o governo soube fazer isso.
Quem está hoje comprando bens que não comprava antes sustenta a aprovação do presidente.
Mas houve também um fenômeno circular da campanha: uma propaganda maciça do governo realçando seus feitos, muitas vezes com números falsos ou exagerados, foi aumentando a popularidade do presidente e alimentando as intenções de voto numa candidata que continua, ainda agora, desconhecida do eleitorado.
Até para os seus, que temeram o tempo todo que ela fosse apanhada em alguma explosão de mau humor. Por isso, o cercadinho que manteve a imprensa à distância.
Seu humor volátil não resistiria ao quebra-queixo, como são definidas aquelas entrevistas de dezenas de jornalistas com suas pautas e microfones. O silêncio de Serra sobre as vitórias do seu grupo político ajudaram a convalidar o “nuncantismo” do governo Lula, como se esse tivesse sido o governo inaugural do Brasil.
Dilma não deu, até agora, resposta boa a duas questões que a abalaram nessa reta final. O uso abusivo, desrespeitoso e perigoso do aparelho do Estado para espionar adversários. O PT comemorou o fato de que a quebra de sigilo não retirou votos da sua candidata, mas retirou, certamente, qualidade da democracia brasileira. Num país onde fatos como o da quebra de sigilo e acesso a contas de adversários políticos ocorrem com essa sem-cerimônia é um país onde a democracia corre riscos. Pode não sensibilizar a maioria do eleitorado, mas está no capítulo dos direitos e garantias individuais.
Dilma também não tem resposta para Erenice Guerra.
O distanciamento que ela tentou criar com sua ex-braço direito é falso. A rede de tráfico de influências e nepotismo foi montada enquanto Dilma Rousseff estava na Casa Civil. Se ela viu é grave, se ela não viu é assustador, porque, caso seja eleita, terá de escolher milhares de gestores públicos.
Em qualquer ministério podem acontecer problemas.
Mas Dilma fez uma comparação indevida entre Erenice e os casos ocorridos no Ibama que levaram à prisão de servidores na época da candidata Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Não houve um caso dessa complexidade entre assessores diretos de Marina. Dilma usou um truque: era a última a falar naquele jogo de réplica e tréplica e lançou sobre Marina uma comparação despropositada.
Explicar Erenice, ela ainda não explicou.
Apenas repete respostas treinadas para escapar do que salta aos olhos.
São fracas e bisonhas as explicações dadas por Serra para a ausência de Fernando Henrique da campanha e a imagem de Lula no programa eleitoral. “Foram três segundos apenas”, costuma dizer José Serra. Mas marcaram pelo inusitado.
Ele deveria refletir sobre o fato de a pergunta ser tão recorrente. É obsessão dos jornalistas ou erro crasso de sua campanha? Marina ficou tão preocupada em não ser a candidata de uma nota só que não conseguiu passar para todos a visão positiva de como se pode crescer caminhando para uma economia de baixo carbono. Ela não tem conseguido tornar concreto para todos o que está falando. Não basta dizer que a oposição entre economia e ecologia é uma visão do século XX. Ela precisava explicar melhor que mundo novo é este e por que é ela que o representa. Afinal, todos dizem que são a favor da sustentabilidade e a palavra foi ficando vazia.
O único momento de sinceridade de Dilma nesse tema talvez tenha sido o ato falho que ela cometeu em Copenhague: “O meio ambiente é obstáculo ao desenvolvimento sustentável”, disse ela na ocasião. O trator que a Casa Civil passou sobre o Ibama para dar a licença de Belo Monte é totalmente compatível com a frase que escapou por descuido na Conferência do Clima.
Hoje, passado, presente e futuro estarão em debate.
Que vença a pessoa mais capaz, e não a que decorou melhor as frases e truques dos marqueteiros.
Numa disputa eleitoral tão cheia de surpresas na reta final, o debate de hoje fica ainda mais emocionante.
Os candidatos se preparam sabendo que do desempenho de cada um dependerá a ocorrência ou não de segundo turno. Dilma chega à reta final mantendo seu favoritismo, mas sem ter enfrentado de fato o calor da campanha. Foi protegida por cercadinhos para jornalistas, e até para o povo.
Em cada debate ou entrevista, correligionários da candidata governista comemoraram o não-desastre, o erro evitado, o jogo na retranca.
Seu principal aliado foi seu adversário, o candidato José Serra. Ele teve alguns bons momentos, mas não conseguiu, até agora, demonstrar que tem um projeto amplo para o país. Não preparou um bom programa que desse ao eleitorado a noção da alternativa apresentada.
Sua propaganda está baseada no que ele fez, no que ele foi. Em nenhum momento ele ajudou a trazer de volta à memória o maior feito do seu grupo político que foi a vitória sobre a inflação, que atormentava os brasileiros com índices que chegaram a 84%, filas nos postos de gasolina, desabastecimento, sequestro do dinheiro no banco. Isso sem falar da falta crônica de telefone.
Mesmo os mais jovens já ouviram falar daquele tempo de economia de guerra que o Plano Real encerrou. Claro que uma campanha tem de falar do futuro, mas o recall de uma grande vitória daria mais substância ao que ele falasse em seguida.
Há quem considere que a popularidade do presidente Lula o transformou numa entidade mítica. Ele não é.
Sem negar sua capacidade de comunicação, o que está sendo aprovada é a sensação de conforto econômico criada pela manutenção da inflação baixa, pelo crescimento deste ano e pela expansão do crédito. Depois de consolidada a estabilização, seria mesmo a hora de expandir o crédito, e o governo soube fazer isso.
Quem está hoje comprando bens que não comprava antes sustenta a aprovação do presidente.
Mas houve também um fenômeno circular da campanha: uma propaganda maciça do governo realçando seus feitos, muitas vezes com números falsos ou exagerados, foi aumentando a popularidade do presidente e alimentando as intenções de voto numa candidata que continua, ainda agora, desconhecida do eleitorado.
Até para os seus, que temeram o tempo todo que ela fosse apanhada em alguma explosão de mau humor. Por isso, o cercadinho que manteve a imprensa à distância.
Seu humor volátil não resistiria ao quebra-queixo, como são definidas aquelas entrevistas de dezenas de jornalistas com suas pautas e microfones. O silêncio de Serra sobre as vitórias do seu grupo político ajudaram a convalidar o “nuncantismo” do governo Lula, como se esse tivesse sido o governo inaugural do Brasil.
Dilma não deu, até agora, resposta boa a duas questões que a abalaram nessa reta final. O uso abusivo, desrespeitoso e perigoso do aparelho do Estado para espionar adversários. O PT comemorou o fato de que a quebra de sigilo não retirou votos da sua candidata, mas retirou, certamente, qualidade da democracia brasileira. Num país onde fatos como o da quebra de sigilo e acesso a contas de adversários políticos ocorrem com essa sem-cerimônia é um país onde a democracia corre riscos. Pode não sensibilizar a maioria do eleitorado, mas está no capítulo dos direitos e garantias individuais.
Dilma também não tem resposta para Erenice Guerra.
O distanciamento que ela tentou criar com sua ex-braço direito é falso. A rede de tráfico de influências e nepotismo foi montada enquanto Dilma Rousseff estava na Casa Civil. Se ela viu é grave, se ela não viu é assustador, porque, caso seja eleita, terá de escolher milhares de gestores públicos.
Em qualquer ministério podem acontecer problemas.
Mas Dilma fez uma comparação indevida entre Erenice e os casos ocorridos no Ibama que levaram à prisão de servidores na época da candidata Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente. Não houve um caso dessa complexidade entre assessores diretos de Marina. Dilma usou um truque: era a última a falar naquele jogo de réplica e tréplica e lançou sobre Marina uma comparação despropositada.
Explicar Erenice, ela ainda não explicou.
Apenas repete respostas treinadas para escapar do que salta aos olhos.
São fracas e bisonhas as explicações dadas por Serra para a ausência de Fernando Henrique da campanha e a imagem de Lula no programa eleitoral. “Foram três segundos apenas”, costuma dizer José Serra. Mas marcaram pelo inusitado.
Ele deveria refletir sobre o fato de a pergunta ser tão recorrente. É obsessão dos jornalistas ou erro crasso de sua campanha? Marina ficou tão preocupada em não ser a candidata de uma nota só que não conseguiu passar para todos a visão positiva de como se pode crescer caminhando para uma economia de baixo carbono. Ela não tem conseguido tornar concreto para todos o que está falando. Não basta dizer que a oposição entre economia e ecologia é uma visão do século XX. Ela precisava explicar melhor que mundo novo é este e por que é ela que o representa. Afinal, todos dizem que são a favor da sustentabilidade e a palavra foi ficando vazia.
O único momento de sinceridade de Dilma nesse tema talvez tenha sido o ato falho que ela cometeu em Copenhague: “O meio ambiente é obstáculo ao desenvolvimento sustentável”, disse ela na ocasião. O trator que a Casa Civil passou sobre o Ibama para dar a licença de Belo Monte é totalmente compatível com a frase que escapou por descuido na Conferência do Clima.
Hoje, passado, presente e futuro estarão em debate.
Que vença a pessoa mais capaz, e não a que decorou melhor as frases e truques dos marqueteiros.
Do alto do salto Dora Kramer
O Estado de S.Paulo - 30/09/2010
Em 2006 o presidente Luiz Inácio da Silva errou ao faltar ao debate da TV Globo. João Santana, o conselheiro de marketing presidencial, logo depois da reeleição atribuiu a isso - mais que ao escândalo dos aloprados - a insuficiência de votos para a vitória no primeiro turno.
Agora Lula errou ao ter pesado a mão além dos limites do aceitável até para personalidades que tradicionalmente estiveram ao lado dele e que estão acima de qualquer querela partidária. D. Paulo Evaristo Arns, por exemplo, o primeiro signatário do manifesto em defesa da democracia, simbolicamente lido no Largo de São Francisco (SP) por Hélio Bicudo.
Lula achou que era preciso uma reação forte para tentar neutralizar os possíveis efeitos das notícias sobre as negociatas de Erenice Guerra e companhia a partir da Casa Civil.
Acabou exagerando na visão do público que se sensibiliza com roubalheiras e dando a ele, o público, a impressão de que ele, Lula, estava se achando o dono do mundo e da vontade alheia.
Comprou uma briga inglória e deu margem à manifestação de contrariedade de muita gente que estava politicamente inerte. Por vários motivos, entre eles ausência de entusiasmo em relação à candidatura de José Serra.
O resultado apareceu nos índices da candidata Dilma Rousseff. Haveria outra forma de o presidente administrar o problema que surgiu a 15 dias da eleição?
Seria muito arriscado fazer como de outras vezes e ignorar a história cabeludíssima. Mas era preciso, ao mesmo tempo, construir alguma justificativa para se contrapor aos fatos tão eloquentes.
O presidente convocou a culpada de sempre, a imprensa, e caprichou no contra-ataque. Esperto, não deu nomes a esses nem àqueles. Protestou genericamente contra entidades conspiratórias (ao molde das "forças ocultas", de Jânio Quadros) e achou que assim apagaria as evidências.
Uma pessoa menos autoconfiante, ou em crise menos aguda de exacerbação da autoconfiança, teria tomado as providências, demissões, pedido de investigações, condenação dos atos e daria por entregues os "lamentáveis fatos à polícia".
Não teria achado que pode tudo contra todos e se arriscado a, de novo, produzir um indesejado segundo turno. Que, aliás, se acontecer, fará o PT encerrar a primeira etapa da eleição na condição de vencedor, mas com jeito de derrotado.
Parado no ar. Os argumentos dos ministros do Supremo fazem sentido. A exigência de dois documentos para votar restringe mesmo o acesso às urnas. Mas, como o Congresso aprova algo assim, como o PT apoia (depois alega inconstitucionalidade) e Lula sanciona?
Falta de atenção institucional. No caso do presidente, falta de Casa Civil profissional e competente.
Uma ou outra. Não dá para o PSDB ao mesmo tempo defender a liberdade de expressão e pedir censura para pesquisas de intenção de votos, como fez o tucano Beto Richa no Paraná com o Datafolha.
Há "democratas" - no sentido adjetivo, não de nome próprio do partido - que justificam o pedido de interdição de pesquisas dizendo que elas muitas vezes são usadas indevidamente e que influenciam o eleitor.
Pois é, a liberdade é assim, irrestrita: por isso também dá margem a deformações, causa desconforto e contraria.
Para resolução de insatisfações como essa da divulgação de pesquisas às vésperas das eleições e até mesmo da dupla jornada de alguns institutos que trabalham para campanhas, a solução é via Congresso.
Quem tiver força política e argumentos convincentes que tente aprovar alguma regulação legal.
Ocorre que políticos não fazem isso porque nem sempre é uma questão de princípio, mas de circunstância. Têm receio de que amanhã ou depois possam ser favorecidos por aquilo que criticam hoje.
Só não dá para querer resolver os problemas na base da censura. É mais fácil, mas custa caríssimo.
Em 2006 o presidente Luiz Inácio da Silva errou ao faltar ao debate da TV Globo. João Santana, o conselheiro de marketing presidencial, logo depois da reeleição atribuiu a isso - mais que ao escândalo dos aloprados - a insuficiência de votos para a vitória no primeiro turno.
Agora Lula errou ao ter pesado a mão além dos limites do aceitável até para personalidades que tradicionalmente estiveram ao lado dele e que estão acima de qualquer querela partidária. D. Paulo Evaristo Arns, por exemplo, o primeiro signatário do manifesto em defesa da democracia, simbolicamente lido no Largo de São Francisco (SP) por Hélio Bicudo.
Lula achou que era preciso uma reação forte para tentar neutralizar os possíveis efeitos das notícias sobre as negociatas de Erenice Guerra e companhia a partir da Casa Civil.
Acabou exagerando na visão do público que se sensibiliza com roubalheiras e dando a ele, o público, a impressão de que ele, Lula, estava se achando o dono do mundo e da vontade alheia.
Comprou uma briga inglória e deu margem à manifestação de contrariedade de muita gente que estava politicamente inerte. Por vários motivos, entre eles ausência de entusiasmo em relação à candidatura de José Serra.
O resultado apareceu nos índices da candidata Dilma Rousseff. Haveria outra forma de o presidente administrar o problema que surgiu a 15 dias da eleição?
Seria muito arriscado fazer como de outras vezes e ignorar a história cabeludíssima. Mas era preciso, ao mesmo tempo, construir alguma justificativa para se contrapor aos fatos tão eloquentes.
O presidente convocou a culpada de sempre, a imprensa, e caprichou no contra-ataque. Esperto, não deu nomes a esses nem àqueles. Protestou genericamente contra entidades conspiratórias (ao molde das "forças ocultas", de Jânio Quadros) e achou que assim apagaria as evidências.
Uma pessoa menos autoconfiante, ou em crise menos aguda de exacerbação da autoconfiança, teria tomado as providências, demissões, pedido de investigações, condenação dos atos e daria por entregues os "lamentáveis fatos à polícia".
Não teria achado que pode tudo contra todos e se arriscado a, de novo, produzir um indesejado segundo turno. Que, aliás, se acontecer, fará o PT encerrar a primeira etapa da eleição na condição de vencedor, mas com jeito de derrotado.
Parado no ar. Os argumentos dos ministros do Supremo fazem sentido. A exigência de dois documentos para votar restringe mesmo o acesso às urnas. Mas, como o Congresso aprova algo assim, como o PT apoia (depois alega inconstitucionalidade) e Lula sanciona?
Falta de atenção institucional. No caso do presidente, falta de Casa Civil profissional e competente.
Uma ou outra. Não dá para o PSDB ao mesmo tempo defender a liberdade de expressão e pedir censura para pesquisas de intenção de votos, como fez o tucano Beto Richa no Paraná com o Datafolha.
Há "democratas" - no sentido adjetivo, não de nome próprio do partido - que justificam o pedido de interdição de pesquisas dizendo que elas muitas vezes são usadas indevidamente e que influenciam o eleitor.
Pois é, a liberdade é assim, irrestrita: por isso também dá margem a deformações, causa desconforto e contraria.
Para resolução de insatisfações como essa da divulgação de pesquisas às vésperas das eleições e até mesmo da dupla jornada de alguns institutos que trabalham para campanhas, a solução é via Congresso.
Quem tiver força política e argumentos convincentes que tente aprovar alguma regulação legal.
Ocorre que políticos não fazem isso porque nem sempre é uma questão de princípio, mas de circunstância. Têm receio de que amanhã ou depois possam ser favorecidos por aquilo que criticam hoje.
Só não dá para querer resolver os problemas na base da censura. É mais fácil, mas custa caríssimo.
Diferenças e tendências Merval Pereira
Essas diferenças entre os institutos de pesquisa vão ter que ser estudadas quando acabarem as eleições.
O resultado do Ibope/CNI dá Dilma estável com 50% dos votos, enquanto o Datafolha deu a ela 46%, em queda. A única explicação está nos dias em que foram feitas as pesquisas. O Datafolha fez a sua integralmente no dia 27, uma segunda-feira. O Ibope fez a sua nos dias 25 e 26 (sábado e domingo) e 27, mil entrevistas a cada dia. E o Sensus, nos dias 26, 27 e 28 (domingo, segunda e terça).
Embora o Instituto Sensus também mantenha a indicação de vitória de Dilma no primeiro turno, ele capta uma queda da candidata oficial de 3 pontos e uma subida igual de Marina.
As próximas pesquisas até sábado, véspera da eleição, é que mostrarão o que está acontecendo, se Dilma vem realmente caindo, um processo que teve seu início no dia 27 e não foi detectado pelo Ibope, que fez a maior parte de sua pesquisa nos dias 25 e 26, mas foi captado pelo Datafolha e em parte pelo Instituto Sensus.
Tudo indica que a mudança dos ventos é contra Dilma, mas não há indicações seguras de que essa tendência vai se manter, se vai se intensificar o crescimento da candidata do Partido Verde, Marina Silva, ou se as providências da campanha oficial serão suficientes para garantir sua vitória no primeiro turno, estancando esse processo.
A reunião de Dilma com lideranças católicas e evangélicas para tentar desmentir uma posição a favor do aborto, por exemplo, é uma dessas medidas que visam a conter um processo de desgaste nesse setor do eleitorado.
Dilma ontem disse que é contra o aborto e que não defenderá um plebiscito como faz a candidata do PV, Marina Silva e que, mesmo com o PT defendendo uma discussão maior sobre o tema, não proporá nenhuma medida ao Congresso para descriminalizar o aborto.
Mas em maio de 2009, em entrevista à revista Marie Claire, que defende o aborto, a já então candidata não oficial Dilma Rousseff deu a seguinte resposta sobre o assunto: Abortar não é fácil pra mulher alguma.
Duvido que alguém se sinta confortável em fazer um aborto.
Agora, isso não pode ser justificativa para que não haja a legalização.
O aborto é uma questão de saúde pública. Há uma quantidade enorme de mulheres brasileiras que morre porque tenta abortar em condições precárias. Portanto, a informação de que Dilma é a favor do aborto, que sua campanha está tratando como uma calúnia com objetivos eleitorais, tem base em declarações da própria.
Se, em campanha eleitoral, ela mudou de ideia justamente para não chocar esse nicho do eleitorado, é uma questão política que está sendo discutida pela internet e nas igrejas, e está lhe sendo prejudicial. E provocou uma dura declaração de Marina, que afirmou: Não faço discurso de conveniência. A ministra Dilma já disse que era a favor e depois mudou de posição.
Não acho que em temas como esse se deva fazer um discurso uma hora de uma forma e outra hora de outra só para agradar ao eleitor. Boato maldoso com objetivos eleitorais parece ser uma frase atribuída a ela, que garante que não disse: Nem Cristo me tira esta eleição, teria dito Dilma em uma entrevista.
Não há, no entanto, nenhuma gravação com essa frase, e não apareceu nenhum jornalista para garantir que a ouviu da boca de Dilma.
Essas questões que mexem com o voto religioso, mais a corrupção entranhada no Gabinete Civil na gestão de sua indicada e braço-direito, Erenice Guerra, seriam os fatores que estariam corroendo a popularidade de Dilma Rousseff em setores distintos do eleitorado, levando a eleição para o segundo turno.
Por mais otimistas que sejam, os estrategistas do PSDB consideram que a realização do segundo turno deve acontecer, mas por uma diferença bastante apertada.
Dilma deve ter, segundo seus cálculos, entre 47% e 49%, muito devido ao crescimento da candidata do Partido Verde, Marina Silva.
Mas seria preciso que esse movimento na reta final da campanha fosse uma tsunami e não uma simples onda verde, para levá-la para o segundo turno, superando o candidato tucano.
O esforço na reta final parece mais destinado a aumentar a votação de Marina para dar a ela um poder de barganha maior num eventual segundo turno.
Há quem considere a possibilidade de Marina chegar a entre 18% a 20% dos votos válidos no próximo domingo, o que daria ao Partido Verde um poder de barganha excepcional para negociar com Dilma Rousseff ou José Serra.
Para ganhar no segundo turno, o que até o momento parece ser muito difícil, Serra teria que fazer esse grande acordo com o Partido Verde, permitindo que a tese da transversalidade da questão do meio ambiente vigore em seu futuro governo, interferindo em questões como o projeto de desenvolvimento ou a agricultura.
O futuro governo, seja ele qual for, terá um forte componente ecológico saído do compromisso programático tornado viável pela atuação do partido no primeiro turno.
Quem estiver mais disposto a se abrir para essa questão terá mais chance de fazer uma aliança com expressiva parcela do eleitorado.
Fora isso, a candidatura oficial terá mais facilidade para atrair boa parte desses eleitores de Marina, que geralmente são petistas desgostosos com os desmandos do PT no governo, mas que, num confronto direto com o PSDB, tendem a voltar às suas origens.
Há ainda uma questão comum a todas as eleições, segundo o cientista político Alberto Carlos de Almeida, que induz a erro as pesquisas eleitorais: o mais comum, segundo ele, é superestimar o percentual de votos do primeiro colocado, fenômeno que se deve ao erro no ato de votar.
Almeida diz que os eleitores realmente querem votar no candidato que apontam na pesquisa, mas acabam errando e anulando o voto.
Este ano haverá o agravante de que o voto para presidente é o último de seis votos. Esse fato pode levar a uma grande abstenção para o voto de presidente e dar ao PT uma votação surpreendente para deputado estadual, que é o primeiro voto na urna eletrônica.
Segundo Almeida, muitos eleitores de baixa escolaridade do PT irão digitar o número 13 na urna eletrônica no primeiro voto pensando que estão votando para presidente
quarta-feira, setembro 29, 2010
De Severino a Tiririca DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 29/09/10
Ditos políticos não são necessariamente sábios nem confiáveis. Na maioria são apenas frases bem sacadas que, por traduzirem bem uma determinada situação, acabam tidas como verdades absolutas sem que haja uma preocupação de cotejá-las com a realidade e principalmente com a evolução dos tempos.
Há exceções. Aquelas que começam a circular com jeito de piada, mas terminam por se revelarem legítimas profecias.
Uma delas adapta o velho lema segundo o qual o Congresso seguinte é sempre pior que o anterior e tornou-se bordão do deputado Luís Eduardo Magalhães - promessa política interrompida por um enfarte fatal em 1998.
“Não há a menor chance de melhorar”, repetia Luís Eduardo, mal entrado nos 40 anos (morreu aos 43), com uma sagacidade de Matusalém.
De fato, em 2011 pelo que se vê nas projeções das eleições parlamentares, sobretudo para a Câmara dos Deputados, não há a menor chance de melhorar a atuação do Poder Legislativo, cuja desmoralização gradativa ganhou especial velocidade nos últimos anos.
Mais exatamente na última década, a primeira do século 21.
Não que antes o Congresso fosse composto apenas de flores que se cheirassem. O último bom momento mesmo foi há mais de 20 anos, na Assembleia Nacional Constituinte.
Na CPI do PC e depois no processo de impeachment de Fernando Collor houve muito de oportunismo em jogo. Com aquelas acusações (graves), o então presidente poderia muito bem ter se sustentado no poder caso não fosse um analfabeto político e tivesse metade das habilidades do governo atual para enfrentar acusações (gravíssimas).
Até na Constituinte houve a notória instituição oficial do fisiologismo (“é dando que se recebe”) deslavado como instrumento fiador da “governabilidade”.
Mas a derrocada mesmo, a perda total do respeito, uma espécie queima de vestes em praça pública começou no Senado em 2000, quando Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães (pai de Luís Eduardo) pela primeira vez disseram umas verdades um ao outro da tribuna e com transmissão direta pela TV Senado.
Os dois trocaram desaforos nunca vistos naquele ambiente tido por Darcy Ribeiro como o paraíso na Terra.
Foi um choque. Depois disso, nunca mais um senador eleito passou incólume sem escândalos - salvo os eleitos temporariamente, escolhidos exatamente por causa dos escândalos - o mandato inteiro.
A começar por Jader, que, eleito depois da briga com ACM (também presidente), precisou renunciar por causa de denúncias de corrupção.
Na Câmara é difícil estabelecer um marco, tantos são os casos, mas a eleição de Severino Cavalcanti no início de 2005 para a presidência da Casa é o mais impressionante.
Assinala o início do império do baixo clero, da era dos líderes de bancada desconhecidos, da cessão de destaque e postos importantes a deputados mais conhecidos pelas atividades extracurriculares, da transformação do Legislativo num ambiente de quinta em que perderam espaço os que têm vocação política.
Sim, há uma diferença entre aqueles cujo negócio é a política e os que transformam a política num bom negócio. Estes é que passaram a dar as cartas.
Muitos voltarão. A eles vão se juntar os arrivistas, os oportunistas, os famosos e mais a estrela de todos com a expectativa de se eleger com 1 milhão de votos: o rapaz chamado Tiririca, que aluga sua ignorância para espertalhões que se valem da estupidez de milhares que, se achando espertos, são feitos de bobos.
Manobra decorrente de um sistema eleitoral falido, único no mundo e que a nenhum dos partidos, grandes ou pequenos, nunca interessou genuinamente mudar, bem como não parece realmente interessar ao eleitorado renovar os ares que ficarão ainda mais irrespiráveis.
É uma mistura nefasta: de um lado a patifaria e de outro a alienação. A receita perfeita para formação de um Congresso pronto a confirmar o velho lema da piora gradativa do Parlamento e a acrescentar que a sociedade, conivente, anda muito sem moral para reclamar.
Ditos políticos não são necessariamente sábios nem confiáveis. Na maioria são apenas frases bem sacadas que, por traduzirem bem uma determinada situação, acabam tidas como verdades absolutas sem que haja uma preocupação de cotejá-las com a realidade e principalmente com a evolução dos tempos.
Há exceções. Aquelas que começam a circular com jeito de piada, mas terminam por se revelarem legítimas profecias.
Uma delas adapta o velho lema segundo o qual o Congresso seguinte é sempre pior que o anterior e tornou-se bordão do deputado Luís Eduardo Magalhães - promessa política interrompida por um enfarte fatal em 1998.
“Não há a menor chance de melhorar”, repetia Luís Eduardo, mal entrado nos 40 anos (morreu aos 43), com uma sagacidade de Matusalém.
De fato, em 2011 pelo que se vê nas projeções das eleições parlamentares, sobretudo para a Câmara dos Deputados, não há a menor chance de melhorar a atuação do Poder Legislativo, cuja desmoralização gradativa ganhou especial velocidade nos últimos anos.
Mais exatamente na última década, a primeira do século 21.
Não que antes o Congresso fosse composto apenas de flores que se cheirassem. O último bom momento mesmo foi há mais de 20 anos, na Assembleia Nacional Constituinte.
Na CPI do PC e depois no processo de impeachment de Fernando Collor houve muito de oportunismo em jogo. Com aquelas acusações (graves), o então presidente poderia muito bem ter se sustentado no poder caso não fosse um analfabeto político e tivesse metade das habilidades do governo atual para enfrentar acusações (gravíssimas).
Até na Constituinte houve a notória instituição oficial do fisiologismo (“é dando que se recebe”) deslavado como instrumento fiador da “governabilidade”.
Mas a derrocada mesmo, a perda total do respeito, uma espécie queima de vestes em praça pública começou no Senado em 2000, quando Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães (pai de Luís Eduardo) pela primeira vez disseram umas verdades um ao outro da tribuna e com transmissão direta pela TV Senado.
Os dois trocaram desaforos nunca vistos naquele ambiente tido por Darcy Ribeiro como o paraíso na Terra.
Foi um choque. Depois disso, nunca mais um senador eleito passou incólume sem escândalos - salvo os eleitos temporariamente, escolhidos exatamente por causa dos escândalos - o mandato inteiro.
A começar por Jader, que, eleito depois da briga com ACM (também presidente), precisou renunciar por causa de denúncias de corrupção.
Na Câmara é difícil estabelecer um marco, tantos são os casos, mas a eleição de Severino Cavalcanti no início de 2005 para a presidência da Casa é o mais impressionante.
Assinala o início do império do baixo clero, da era dos líderes de bancada desconhecidos, da cessão de destaque e postos importantes a deputados mais conhecidos pelas atividades extracurriculares, da transformação do Legislativo num ambiente de quinta em que perderam espaço os que têm vocação política.
Sim, há uma diferença entre aqueles cujo negócio é a política e os que transformam a política num bom negócio. Estes é que passaram a dar as cartas.
Muitos voltarão. A eles vão se juntar os arrivistas, os oportunistas, os famosos e mais a estrela de todos com a expectativa de se eleger com 1 milhão de votos: o rapaz chamado Tiririca, que aluga sua ignorância para espertalhões que se valem da estupidez de milhares que, se achando espertos, são feitos de bobos.
Manobra decorrente de um sistema eleitoral falido, único no mundo e que a nenhum dos partidos, grandes ou pequenos, nunca interessou genuinamente mudar, bem como não parece realmente interessar ao eleitorado renovar os ares que ficarão ainda mais irrespiráveis.
É uma mistura nefasta: de um lado a patifaria e de outro a alienação. A receita perfeita para formação de um Congresso pronto a confirmar o velho lema da piora gradativa do Parlamento e a acrescentar que a sociedade, conivente, anda muito sem moral para reclamar.
Mudança de vento Merval Pereira
O GLOBO
As atitudes erráticas do presidente Lula nesses últimos dias de campanha eleitoral denotam que os estrategistas da candidata Dilma Rousseff estão tentando digerir as informações contraditórias que chegam com as últimas pesquisas, mostrando uma perda contínua de votos em 15 dias. Ao mesmo tempo em que recuou nos seus ataques à imprensa em determinado momento, diante da constatação de que o clima de animosidade por ele deflagrado estava provocando reações negativas em setores da sociedade, o presidente retornou ao início da campanha, quando valorizar o passado de guerrilheira de Dilma era importante para garantir o apoio da esquerda do partido à neófita política escolhida para ser a "laranja" eleitoral de Lula.
Se os ataques aos meios de comunicação para tentar desqualificar as denúncias que provocaram a demissão da chefe do Gabinete Civil Erenice Guerra produziram inicialmente efeito negativo no eleitorado mais escolarizado e de maior renda, esse efeito hoje já se espalha por todos os setores da sociedade, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, demonstrando que as questões morais e a radicalização política afetam diretamente o setor do eleitorado mais preocupado com o equilíbrio institucional do país.
O elogio da radicalização política que Lula fez no comício de segunda-feira em São Paulo, exaltando o lado guerrilheiro de sua candidata, também incomoda essa classe média, especialmente a ascendente.
O objetivo imediato do presidente parece ser conter uma debandada de parte do eleitorado de esquerda que, desiludido com mais uma leva de escândalos envolvendo a gestão do PT, e mais uma vez no Gabinete Civil no Palácio do Planalto, estaria engrossando as fileiras da candidata verde Marina Silva.
É interessante constatar como a questão moral, que parece nunca atingir o presidente Lula diretamente, alcança inapelavelmente o PT nas últimas campanhas eleitorais.
Em 2006, quase que Lula não encontra ambiente político para se recandidatar por conta do mensalão. No auge do caso, em 2005, a popularidade do presidente caiu vertiginosamente, e as repercussões chegaram até a campanha no ano seguinte.
O caso dos "aloprados" veio apenas relembrar o escândalo do mensalão na reta final da campanha de 2006, provocando a ida da disputa para o segundo turno. Mais uma vez Lula recuperou-se do baque e conseguiu levar sua campanha a uma vitória vigorosa, ainda mais que o candidato tucano Geraldo Alckmin acabou tendo menos votos no segundo que no primeiro turno.
Agora, quando o marasmo da campanha eleitoral parecia levar a uma vitória tranquila no primeiro turno de Dilma Rousseff, dois novos escândalos trouxeram os debates políticos para um campo menos amorfo, fazendo com que setores da sociedade acordassem para o debate político. O presidente Lula escolheu a maneira errada de tentar desqualificar as denúncias contra Erenice Guerra, que pegam diretamente em Dilma Rousseff, sua protetora.
Ao levar para os palanques críticas aos meios de comunicação e garantir à população que as acusações eram mentirosas, Lula incentivou seus "aloprados" a desferir uma guerra contra a imprensa dita tradicional, e uma resposta imediata a favor da liberdade de expressão e da democracia foi articulada por representantes da sociedade civil do calibre de D. Paulo Evaristo Arns e Hélio Bicudo.
O manifesto, que protesta contra diversos indícios de autoritarismo do governo, inclusive a quebra de sigilos fiscais de pessoas ligadas ao candidato oposicionista José Serra, teve uma aceitação alta da sociedade e já tem mais de 50 mil assinaturas pela internet.
A confirmação, ontem, de que também o sigilo bancário do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, foi quebrado no Banco do Brasil remete a métodos utilizados anteriormente por membros do governo contra o caseiro Francenildo Pereira, que teve seu sigilo bancário na Caixa Econômica violado a mando do presidente da instituição na ocasião, Jorge Matoso, para conseguir dados que, supunha, poderiam ajudar na defesa do então ministro da Fazenda Antonio Palocci.
O conjunto da obra é nada edificante para o PT e demonstra publicamente como o aparelhamento da máquina estatal por sindicalistas e filiados ao PT e a partidos aliados ao governo significa, na prática, muito mais que a simples ineficiência do Estado, uma ameaça para os cidadãos. É esse quadro que está mexendo com os votos do eleitorado, em todas as regiões do país e em todas as estruturas sociais.
A candidata oficial, Dilma Rousseff, ainda vence, mas está vendo sua vantagem sobre a soma dos dois outros concorrentes ser reduzida a cada dia nas últimas duas semanas.
Já está caracterizada uma tendência de queda de sua candidatura, ao mesmo tempo em que a candidata do Partido Verde, Marina Silva, tem uma ascensão na mesma proporção, começando a ganhar a simpatia dos indecisos e partindo para ganhar fatias do eleitorado que hoje está com Dilma.
Marina acredita que a onda verde seja forte o suficiente para levá-la para o segundo turno, superando o candidato tucano José Serra.
Para tanto, porém, terá que arrancar do eleitorado de Dilma os pontos necessários, o que a levará a atacar mais fortemente a candidata oficial no último debate, amanhã, na TV Globo.
A reta final de uma eleição que até agora é a mais modorrenta dos últimos tempos tem ingredientes para ser muito excitante.
A diferença de Dilma para Serra ainda é muito grande, mas a subida de Marina pode levar o tucano ao segundo turno, frustrando o eleitorado que a escolheu.
Parte desse grupo é de petistas desgostosos que podem, porém, retornar ao seio governista, como aconteceu em 2006. Se realmente conseguir ir para o segundo turno nessas condições, Serra terá que fazer um amplo acordo com o Partido Verde para viabilizar a vitória.
Terá ainda a seu favor uma mudança de situação nos dois maiores colégios eleitorais, São Paulo e Minas.
Se, como tudo indica, a eleição para governador se resolver no primeiro turno a favor dos tucanos nos dois estados, a máquina governamental dos estados não terá constrangimentos para ajudar o candidato do PSDB, ao contrário do que acontece neste momento.
As atitudes erráticas do presidente Lula nesses últimos dias de campanha eleitoral denotam que os estrategistas da candidata Dilma Rousseff estão tentando digerir as informações contraditórias que chegam com as últimas pesquisas, mostrando uma perda contínua de votos em 15 dias. Ao mesmo tempo em que recuou nos seus ataques à imprensa em determinado momento, diante da constatação de que o clima de animosidade por ele deflagrado estava provocando reações negativas em setores da sociedade, o presidente retornou ao início da campanha, quando valorizar o passado de guerrilheira de Dilma era importante para garantir o apoio da esquerda do partido à neófita política escolhida para ser a "laranja" eleitoral de Lula.
Se os ataques aos meios de comunicação para tentar desqualificar as denúncias que provocaram a demissão da chefe do Gabinete Civil Erenice Guerra produziram inicialmente efeito negativo no eleitorado mais escolarizado e de maior renda, esse efeito hoje já se espalha por todos os setores da sociedade, segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, demonstrando que as questões morais e a radicalização política afetam diretamente o setor do eleitorado mais preocupado com o equilíbrio institucional do país.
O elogio da radicalização política que Lula fez no comício de segunda-feira em São Paulo, exaltando o lado guerrilheiro de sua candidata, também incomoda essa classe média, especialmente a ascendente.
O objetivo imediato do presidente parece ser conter uma debandada de parte do eleitorado de esquerda que, desiludido com mais uma leva de escândalos envolvendo a gestão do PT, e mais uma vez no Gabinete Civil no Palácio do Planalto, estaria engrossando as fileiras da candidata verde Marina Silva.
É interessante constatar como a questão moral, que parece nunca atingir o presidente Lula diretamente, alcança inapelavelmente o PT nas últimas campanhas eleitorais.
Em 2006, quase que Lula não encontra ambiente político para se recandidatar por conta do mensalão. No auge do caso, em 2005, a popularidade do presidente caiu vertiginosamente, e as repercussões chegaram até a campanha no ano seguinte.
O caso dos "aloprados" veio apenas relembrar o escândalo do mensalão na reta final da campanha de 2006, provocando a ida da disputa para o segundo turno. Mais uma vez Lula recuperou-se do baque e conseguiu levar sua campanha a uma vitória vigorosa, ainda mais que o candidato tucano Geraldo Alckmin acabou tendo menos votos no segundo que no primeiro turno.
Agora, quando o marasmo da campanha eleitoral parecia levar a uma vitória tranquila no primeiro turno de Dilma Rousseff, dois novos escândalos trouxeram os debates políticos para um campo menos amorfo, fazendo com que setores da sociedade acordassem para o debate político. O presidente Lula escolheu a maneira errada de tentar desqualificar as denúncias contra Erenice Guerra, que pegam diretamente em Dilma Rousseff, sua protetora.
Ao levar para os palanques críticas aos meios de comunicação e garantir à população que as acusações eram mentirosas, Lula incentivou seus "aloprados" a desferir uma guerra contra a imprensa dita tradicional, e uma resposta imediata a favor da liberdade de expressão e da democracia foi articulada por representantes da sociedade civil do calibre de D. Paulo Evaristo Arns e Hélio Bicudo.
O manifesto, que protesta contra diversos indícios de autoritarismo do governo, inclusive a quebra de sigilos fiscais de pessoas ligadas ao candidato oposicionista José Serra, teve uma aceitação alta da sociedade e já tem mais de 50 mil assinaturas pela internet.
A confirmação, ontem, de que também o sigilo bancário do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas, foi quebrado no Banco do Brasil remete a métodos utilizados anteriormente por membros do governo contra o caseiro Francenildo Pereira, que teve seu sigilo bancário na Caixa Econômica violado a mando do presidente da instituição na ocasião, Jorge Matoso, para conseguir dados que, supunha, poderiam ajudar na defesa do então ministro da Fazenda Antonio Palocci.
O conjunto da obra é nada edificante para o PT e demonstra publicamente como o aparelhamento da máquina estatal por sindicalistas e filiados ao PT e a partidos aliados ao governo significa, na prática, muito mais que a simples ineficiência do Estado, uma ameaça para os cidadãos. É esse quadro que está mexendo com os votos do eleitorado, em todas as regiões do país e em todas as estruturas sociais.
A candidata oficial, Dilma Rousseff, ainda vence, mas está vendo sua vantagem sobre a soma dos dois outros concorrentes ser reduzida a cada dia nas últimas duas semanas.
Já está caracterizada uma tendência de queda de sua candidatura, ao mesmo tempo em que a candidata do Partido Verde, Marina Silva, tem uma ascensão na mesma proporção, começando a ganhar a simpatia dos indecisos e partindo para ganhar fatias do eleitorado que hoje está com Dilma.
Marina acredita que a onda verde seja forte o suficiente para levá-la para o segundo turno, superando o candidato tucano José Serra.
Para tanto, porém, terá que arrancar do eleitorado de Dilma os pontos necessários, o que a levará a atacar mais fortemente a candidata oficial no último debate, amanhã, na TV Globo.
A reta final de uma eleição que até agora é a mais modorrenta dos últimos tempos tem ingredientes para ser muito excitante.
A diferença de Dilma para Serra ainda é muito grande, mas a subida de Marina pode levar o tucano ao segundo turno, frustrando o eleitorado que a escolheu.
Parte desse grupo é de petistas desgostosos que podem, porém, retornar ao seio governista, como aconteceu em 2006. Se realmente conseguir ir para o segundo turno nessas condições, Serra terá que fazer um amplo acordo com o Partido Verde para viabilizar a vitória.
Terá ainda a seu favor uma mudança de situação nos dois maiores colégios eleitorais, São Paulo e Minas.
Se, como tudo indica, a eleição para governador se resolver no primeiro turno a favor dos tucanos nos dois estados, a máquina governamental dos estados não terá constrangimentos para ajudar o candidato do PSDB, ao contrário do que acontece neste momento.
O tom do recado Míriam Leitão
O GLOBO
A pergunta feita a um empresário, numa conversa com várias pessoas, foi: "É verdade que emissários do PT telefonam para empresas avisando que sabem quem não está fazendo doações para a campanha?" O empresário respondeu: "Para mim, telefonaram e foram pessoalmente dizer que notaram que eu não tinha feito doação na última eleição nem tinha feito ainda nesta."
Eu ouvi essa conversa estarrecedora. Esse tipo de encaminhamento do pedido de doação, se estiver generalizado, é uma forma de ameaça. A frase: "Notamos que você não fez doação na última eleição e ainda não fez nesta" pode ser entendida pelo que está embutido: estamos de olho em você.
O Estado, hoje, é quem concede a maioria do crédito; o BNDES aumentou de forma extravagante suas concessões de empréstimo subsidiado e a arbitrariedade de suas escolhas dos "campeões", que o faz negar créditos a alguns e conceder em excesso a outros que, na visão do banco, estão mais aptos a vencer a competição global. A mistura é explosiva: de um lado, um Estado com poder de vida e morte sobre as empresas; de outro, emissários do partido do governo com uma ameaça embutida na formulação do pedido.
Hoje, um dos grandes riscos que a sociedade brasileira corre é exatamente esse poder excessivo do Estado, controlado como donataria pelo partido do governo. O Estado é o grande comprador, o grande financiador, o grande sócio em qualquer empreendimento. Como ficar contra ele? Por outro lado: ficando a favor dele, que grandes vantagens se pode ter! Os empresários só falam mal do governo se seus nomes não aparecerem; todos eles estão sendo beneficiados por alguma grande obra, algum grande contrato, alguma licença; ou sonham ser beneficiados no futuro. Um dos maiores empresários do país foi chamado para uma conversa cheia de ameaças indiretas por ele ter feito declarações contra uma das polêmicas obras que promete ser sorvedouro de dinheiro público.
O governo cooptou movimentos sociais, sindicalistas, parte do movimento cultural, através da distribuição de benesses, patrocínios, contratos e financiamentos. Mas a cooptação dos empresários é mais direta. Algumas empresas não têm capacidade alguma de bancar os empréstimos que recebem, ou outras são viabilizadas por aderirem aos grandes projetos em que todo o risco é público.
Nas sombras de um Estado gigante, tudo viceja, como os intermediários de negócios, mesmo que eles não tenham delegação para entregar o que prometem. Com um Estado todo poderoso, qualquer espertalhão pode dizer que é a ligação direta com quem decide e pedir uma comissão para isso. Mesmo que não houvesse casos de corrupção, comprovadamente ligados ao governo, ainda assim, seria o ambiente certo para a propagação dos casos nebulosos de pedidos de propina.
A redução do tamanho do Estado faz esse favor ao país: diminui os guichês nos quais se oferecem favores com dinheiro público e se pedem em troca comissões para enriquecimento pessoal ou para o partido que está no poder. A privatização tirou do Estado um sem número de cargos de distribuição política em empresas siderúrgicas, concessionárias de serviços de energia e de telefonia. As empresas que o país decidiu manter estatais deveriam ser isoladas das pressões políticas e concederem mais acesso às suas contas e aos critérios de decisão. Essa seria uma forma de reduzir o risco que o contribuinte e o consumidor dos serviços correm hoje com problemas como os dos Correios. Já houve tantos casos nebulosos nos Correios no governo Lula - dos indicados do ex-aliado Roberto Jefferson até os indicados da ex-primeira-amiga Erenice Guerra - que não resta dúvida a esta altura: a melhor forma de produzir um colapso postal no país é continuar entregando os cargos de direção da estatal na mão dos políticos e seus afilhados e evitar a administração profissional da empresa. É um espanto que se consiga em tão pouco tempo provocar tanto extravio numa empresa centenária e que sempre teve reputação de eficiência.
Há quem considere que a melhor forma de evitar constrangimentos como o vivido pelo empresário que cito no começo dessa coluna é o financiamento público exclusivo de campanha. Como ser ingênuo a ponto de achar que, se o Estado der ainda mais dinheiro para os partidos, os que estão hoje viciados em caixa dois fecharão o balcão de pedidos impróprios aos empresários? O que ajuda a resolver o problema é, como tenho escrito aqui, a trindade: punição, fiscalização, transparência.
Nada é panaceia contra a corrupção, mas há formas de reduzi-la e outras de aumentá-la. O gigantismo do Estado é o caminho mais curto para aumentar a corrupção. Quando ele se torna o parceiro inevitável em qualquer negócio, tudo pode acontecer. Quando seu poder é usado para amedrontar as empresas, qualquer doação para campanhas políticas pode ser extorquida. E o que houve nos últimos anos no Brasil foi o crescimento descomunal do Estado, primeiro, à sombra do Plano de Aceleração do Crescimento e, depois, sob o pretexto de que era preciso evitar a crise econômica mundial. Conter esse gigantismo é fundamental hoje, não apenas por razões econômicas, mas para melhorar a qualidade da democracia brasileira.
A pergunta feita a um empresário, numa conversa com várias pessoas, foi: "É verdade que emissários do PT telefonam para empresas avisando que sabem quem não está fazendo doações para a campanha?" O empresário respondeu: "Para mim, telefonaram e foram pessoalmente dizer que notaram que eu não tinha feito doação na última eleição nem tinha feito ainda nesta."
Eu ouvi essa conversa estarrecedora. Esse tipo de encaminhamento do pedido de doação, se estiver generalizado, é uma forma de ameaça. A frase: "Notamos que você não fez doação na última eleição e ainda não fez nesta" pode ser entendida pelo que está embutido: estamos de olho em você.
O Estado, hoje, é quem concede a maioria do crédito; o BNDES aumentou de forma extravagante suas concessões de empréstimo subsidiado e a arbitrariedade de suas escolhas dos "campeões", que o faz negar créditos a alguns e conceder em excesso a outros que, na visão do banco, estão mais aptos a vencer a competição global. A mistura é explosiva: de um lado, um Estado com poder de vida e morte sobre as empresas; de outro, emissários do partido do governo com uma ameaça embutida na formulação do pedido.
Hoje, um dos grandes riscos que a sociedade brasileira corre é exatamente esse poder excessivo do Estado, controlado como donataria pelo partido do governo. O Estado é o grande comprador, o grande financiador, o grande sócio em qualquer empreendimento. Como ficar contra ele? Por outro lado: ficando a favor dele, que grandes vantagens se pode ter! Os empresários só falam mal do governo se seus nomes não aparecerem; todos eles estão sendo beneficiados por alguma grande obra, algum grande contrato, alguma licença; ou sonham ser beneficiados no futuro. Um dos maiores empresários do país foi chamado para uma conversa cheia de ameaças indiretas por ele ter feito declarações contra uma das polêmicas obras que promete ser sorvedouro de dinheiro público.
O governo cooptou movimentos sociais, sindicalistas, parte do movimento cultural, através da distribuição de benesses, patrocínios, contratos e financiamentos. Mas a cooptação dos empresários é mais direta. Algumas empresas não têm capacidade alguma de bancar os empréstimos que recebem, ou outras são viabilizadas por aderirem aos grandes projetos em que todo o risco é público.
Nas sombras de um Estado gigante, tudo viceja, como os intermediários de negócios, mesmo que eles não tenham delegação para entregar o que prometem. Com um Estado todo poderoso, qualquer espertalhão pode dizer que é a ligação direta com quem decide e pedir uma comissão para isso. Mesmo que não houvesse casos de corrupção, comprovadamente ligados ao governo, ainda assim, seria o ambiente certo para a propagação dos casos nebulosos de pedidos de propina.
A redução do tamanho do Estado faz esse favor ao país: diminui os guichês nos quais se oferecem favores com dinheiro público e se pedem em troca comissões para enriquecimento pessoal ou para o partido que está no poder. A privatização tirou do Estado um sem número de cargos de distribuição política em empresas siderúrgicas, concessionárias de serviços de energia e de telefonia. As empresas que o país decidiu manter estatais deveriam ser isoladas das pressões políticas e concederem mais acesso às suas contas e aos critérios de decisão. Essa seria uma forma de reduzir o risco que o contribuinte e o consumidor dos serviços correm hoje com problemas como os dos Correios. Já houve tantos casos nebulosos nos Correios no governo Lula - dos indicados do ex-aliado Roberto Jefferson até os indicados da ex-primeira-amiga Erenice Guerra - que não resta dúvida a esta altura: a melhor forma de produzir um colapso postal no país é continuar entregando os cargos de direção da estatal na mão dos políticos e seus afilhados e evitar a administração profissional da empresa. É um espanto que se consiga em tão pouco tempo provocar tanto extravio numa empresa centenária e que sempre teve reputação de eficiência.
Há quem considere que a melhor forma de evitar constrangimentos como o vivido pelo empresário que cito no começo dessa coluna é o financiamento público exclusivo de campanha. Como ser ingênuo a ponto de achar que, se o Estado der ainda mais dinheiro para os partidos, os que estão hoje viciados em caixa dois fecharão o balcão de pedidos impróprios aos empresários? O que ajuda a resolver o problema é, como tenho escrito aqui, a trindade: punição, fiscalização, transparência.
Nada é panaceia contra a corrupção, mas há formas de reduzi-la e outras de aumentá-la. O gigantismo do Estado é o caminho mais curto para aumentar a corrupção. Quando ele se torna o parceiro inevitável em qualquer negócio, tudo pode acontecer. Quando seu poder é usado para amedrontar as empresas, qualquer doação para campanhas políticas pode ser extorquida. E o que houve nos últimos anos no Brasil foi o crescimento descomunal do Estado, primeiro, à sombra do Plano de Aceleração do Crescimento e, depois, sob o pretexto de que era preciso evitar a crise econômica mundial. Conter esse gigantismo é fundamental hoje, não apenas por razões econômicas, mas para melhorar a qualidade da democracia brasileira.
Marolinha vermelha Marco Antonio Villa
FOLHA DE S. PAULO
Campanha sem ideologia é o que sempre quis o governo; caso ocorra segundo turno, o artifício deverá ter vida curta
A soberba faz mal a política. A eleição não está decidida. A onda vermelha, parece, não passou de uma marolinha.
A avidez dos apoiadores, que já estavam dividindo os cargos do futuro governo, foi contida. A comemoração da vitória, antes do apito final do juiz, pode explicar a violência dos ataques à liberdade de imprensa e à oposição em geral.
É importante para o país uma discussão de programas e propostas. Até o momento, a campanha ficou resumida ao protagonismo de Lula e às graves denúncias envolvendo ministros e aliados do governo. É preciso muito mais que isso.
Os debates entre os presidenciáveis foram inúteis. Viraram monólogos. O enfrentamento democrático entre candidatos acabou se transformando numa repetição enfadonha de promessas, recheadas de números, sem sentido algum.
Ninguém aguenta mais debates que não são debates, onde as grandes questões nacionais são ignoradas. Até os ataques aos adversários são mal elaborados. O cronômetro, indicando que o tempo para a resposta do candidato está terminando, é o melhor aliado do telespectador.
O desinteresse popular é evidente. A ausência de política empobreceu a eleição. A repetição das velhas fórmulas esgotou a paciência do eleitor.
A falsa euforia do corpo a corpo nas ruas, que serve simplesmente para obter imagens para a TV, é a melhor representação de uma campanha pobre de ideias e recheada de marketing vazio.
Para a estratégia do governo é essencial despolitizar a eleição. Transforma-la em um plebiscito. As diferenças políticas devem ser diluídas.
Daí que não causa estranheza a aliança oficial combinar o apoio do empresariado, com os beneficiados pelos programas assistencialistas e os dirigentes sindicais amarelos.
Nesse coquetel infernal deve ser acrescentado o apoio dos oligarcas estaduais. Barbalho, Sarney, Calheiros e Collor servem para obter votos nos burgos podres. Mas é o típico apoio envergonhado: nos grandes centros seriam hostilizados.
Uma campanha sem ideologia sempre foi o desejo do governo. Até este momento conseguiu o seu intento. Caso ocorra um segundo turno, o artifício deverá ter vida curta.
A polarização, com a apresentação de dois projetos para o país, é tudo o que Lula não quer. Os candidatos terão tempos iguais na televisão. E nos debates o confronto será inevitável.
A oposição vai ter um teste de fogo. Terá de apresentar um programa de governo. Mostrar unidade e combatividade. E realizar algo que tinha esquecido nos últimos tempos: fazer política.
Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar
Campanha sem ideologia é o que sempre quis o governo; caso ocorra segundo turno, o artifício deverá ter vida curta
A soberba faz mal a política. A eleição não está decidida. A onda vermelha, parece, não passou de uma marolinha.
A avidez dos apoiadores, que já estavam dividindo os cargos do futuro governo, foi contida. A comemoração da vitória, antes do apito final do juiz, pode explicar a violência dos ataques à liberdade de imprensa e à oposição em geral.
É importante para o país uma discussão de programas e propostas. Até o momento, a campanha ficou resumida ao protagonismo de Lula e às graves denúncias envolvendo ministros e aliados do governo. É preciso muito mais que isso.
Os debates entre os presidenciáveis foram inúteis. Viraram monólogos. O enfrentamento democrático entre candidatos acabou se transformando numa repetição enfadonha de promessas, recheadas de números, sem sentido algum.
Ninguém aguenta mais debates que não são debates, onde as grandes questões nacionais são ignoradas. Até os ataques aos adversários são mal elaborados. O cronômetro, indicando que o tempo para a resposta do candidato está terminando, é o melhor aliado do telespectador.
O desinteresse popular é evidente. A ausência de política empobreceu a eleição. A repetição das velhas fórmulas esgotou a paciência do eleitor.
A falsa euforia do corpo a corpo nas ruas, que serve simplesmente para obter imagens para a TV, é a melhor representação de uma campanha pobre de ideias e recheada de marketing vazio.
Para a estratégia do governo é essencial despolitizar a eleição. Transforma-la em um plebiscito. As diferenças políticas devem ser diluídas.
Daí que não causa estranheza a aliança oficial combinar o apoio do empresariado, com os beneficiados pelos programas assistencialistas e os dirigentes sindicais amarelos.
Nesse coquetel infernal deve ser acrescentado o apoio dos oligarcas estaduais. Barbalho, Sarney, Calheiros e Collor servem para obter votos nos burgos podres. Mas é o típico apoio envergonhado: nos grandes centros seriam hostilizados.
Uma campanha sem ideologia sempre foi o desejo do governo. Até este momento conseguiu o seu intento. Caso ocorra um segundo turno, o artifício deverá ter vida curta.
A polarização, com a apresentação de dois projetos para o país, é tudo o que Lula não quer. Os candidatos terão tempos iguais na televisão. E nos debates o confronto será inevitável.
A oposição vai ter um teste de fogo. Terá de apresentar um programa de governo. Mostrar unidade e combatividade. E realizar algo que tinha esquecido nos últimos tempos: fazer política.
Marco Antonio Villa é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar
Últimas semanas:: Wilson Figueiredo
JORNAL DO BRASIL
Ao fim de uma semana em que os fatos prevaleceram sobre as versões oficiais e ameaçaram deixá-lo em posição insustentável diante do escândalo na edícola em que se transformou sua Casa Civil, o presidente Lula, enfim, se deu conta da conveniência de melhorar a situação criada com os jornais. Não demora, a contagem regressiva estará nos seus calcanhares. Dispõe de três meses para fazer as malas e desfazer situações que não pode deixar como estão. Não quer, ao por os pés fora do governo, que o tempo possa piorar e ele tenha esquecido o guarda-chuva em casa.
No dia seguinte à passagem do poder a outras mãos, o presidente não escapará de experimentar a sensação desagradável de que a famosa roda da história passou a girar ao contrário. Nem sentir o chão fugir-lhe aos pés antes de fazer uma revisão geral da engrenagem que o levou ao poder sem lhe garantir o terceiro mandato. As incógnitas pela frente precisam ser resolvidas.
O primeiro tranco, dado pelo mensalão na Casa Civil, não foi assimilado em toda a extensão. Pela mão de denúncias terceirizadas, o presidente precisou de novo vir a público, no segundo mandato, para se declarar, uma semana depois, enganado pela ex-ministra Erenice Guerra. Já deve ter percebido que perdeu uma das melhores oportunidades de ficar calado quando disse cobras e lagartos dos jornais, sem considerar a precedência histórica do jornalismo, que já existia muito antes dos jornais. Põe tempo na distância. Jornais não existem para louvar governos e muito menos para poupá-los. A prova é que o próprio PT não quis se valer de jornais petistas para servir aos governos com que operou. O cemitério de jornais não tem espaço para mais nenhum periódico que venha a morrer de governismo anacrônico. A Ultima Hora inovou no jeito de servir ao governo de Getúlio Vargas, que foi seu padrinho: Samuel Weiner criou o modelo de expor os ministros e distanciar de fatos desabonadores o presidente. Nem assim. O jornalismo oficial não tinha vacina para imunizá-lo contra o vírus da notícia a favor. Entende-se perfeitamente a razão pela qual, não tendo disposição de investir em jornal próprio, o PT tente cercear a liberdade de informação e as demais dela decorrentes. Freud sempre explica.
Na Casa Civil, na opinião presidencial, “se alguém acha que (...) pode se servir, cai do cavalo”. Evidente que Lula estava falando em tese, pois ali ainda não existem cocheiras, cavalos ou cavaleiros. Quem trabalha com ele sabe que “a pessoa pode me enganar um dia, mas não engana todo mundo todo dia”. Ele pode. Mas omitiu o autor da frase e não citou o pensamento completo do presidente Lincoln, que não quis enganar ninguém nem depois de morto.
Mas o que importa mesmo, além da exportação, é que Lula fala cada vez mais: “Não foi a oposição que derrubou Erenice, mas os indícios de que ela tinha errado no cargo”. Aquele “ela tinha” deixou mal tanto um quanto a outra. A oposição acabou bem. O presidente estava certo quando ressalvou que não foi a oposição que passou o pente fino na Casa Civil, mas injusto com os jornais, por não reconhecer, nas denúncias, contribuição dos empresários à moralidade pública. Aquela pequena história do rapaz que, no segundo dia de trabalho, encontrou sobre a mesa um pacote com 200 mil reais e cometeu a imprudência de perguntar a razão do presente adiantado, é das arábias.
E, insatisfeito com o que diz, Lula propôs outra obrigação ao jornalismo: “os meios de comunicação devem anunciar seus candidatos e partidos”. Alguém por perto poderia tê-lo prevenido de que a maneira indireta e elegante por parte dos jornais é, tanto quanto possível, repartir com equidade o espaço do noticiário de campanhas eleitorais. A preferência fica implícita. Alguns já adotam o modelo dos grandes jornais internacionais e, na véspera da eleição, comunicam em editorial as razões pelas quais recomendam um dos candidatos. Em respeito aos eleitores, o Jornal do Brasil adotou (e se deu bem ) o método de apresentar as razões de contribuir para atender à diversidade de opiniões em proveito da democracia.
A via sindical para o poder Leôncio Martins Rodrigues
O Estado de S.Paulo - 29/09/10
"Eu sou torneiro mecânico e é a única coisa que eu sei fazer... Não tenho pretensões políticas; não sou filiado a partido político e tenho certeza de que jamais participaria da vida política porque eu não sirvo para político." Essas frases são de Lula e foram pronunciadas numa entrevista ao Programa Vox Populi, da TV Cultura, de maio de 1978, quando era ainda presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. O presidente estava sendo modesto na avaliação de sua capacidade para a política. Para a sorte de alguns e azar de outros, não voltou para a fábrica nem para o sindicato.
A trajetória de Lula não é incomum na história do sindicalismo mundial. Quando os sindicatos eram frágeis e frequentemente clandestinos, a atividade sindical era mais uma missão do que uma profissão, missão que poderia dar cadeia e perda do emprego. Mas, na maioria dos países capitalistas, os sindicatos transformaram-se em poderosas, ricas e complexas organizações de massa. Como uma das mais bem-sucedidas instituições das sociedades capitalistas, transformaram-se numa via de ascensão social e econômica e, em alguns casos, de ascensão política para seus dirigentes.
No Brasil, antes de Lula, outros sindicalistas haviam tentado entrar para a classe política. A maioria o fazia pela via do PTB ou do PCB, portanto, de um modo subordinado às chefias partidárias. O caso do PT inverteu o processo: foram os sindicalistas que criaram o partido. Apesar da presença de outros segmentos sociais que ajudaram a viabilizar o PT - como a ala progressista da Igreja Católica e da intelligentsia de esquerda -, os sindicalistas constituíram sempre a facção dominante do partido. Controlavam a Articulação, considerada de direita pela esquerda petista. Dessa facção, à qual Lula pertencia, saíram os principais dirigentes do PT para as diferentes instâncias da estrutura de poder: Presidência da República, Ministérios, governadores, prefeitos e os vários níveis do Poder Legislativo.
Tomemos como exemplo a Câmara dos Deputados. Refletindo o fortalecimento do sindicalismo e dos partidos de esquerda, a bancada sindical cresceu. Na legislatura de 1991-1995 (pelos dados do Diap) havia 25 ex-diretores de sindicatos no Congresso. Na legislatura seguinte, o número foi para 36. Passou em seguida para 44. Na legislatura que resultou da eleição de 2002 (primeira eleição de Lula) chegou a 74. Para o Senado da República, cinco sindicalistas foram eleitos, todos do PT. Pode-se, de outro ângulo, perceber a forte vinculação do PT e do PCdoB com a estrutura sindical no fato de metade dos deputados desses dois partidos ter sido de diretores de sindicatos (53.ª legislatura, 2007-2010).
Mas na eleição de 2006, contrariando a tendência até então observada, nenhum sindicalista foi eleito para o Senado. Para a Câmara o número caiu para 56: 41 eram do PT, seis do PCdoB e três do PDT. Os demais dividiram-se entre PPS, PV (dois cada), PMDB e PSB (um cada). Um dos fatores que explicam esse declínio da bancada sindical foi a queda da votação no PT. Na eleição anterior, 91 petistas tinham sido eleitos. O PT transformara-se no maior partido da Câmara. Contudo, na legislatura seguinte, o PMDB, com 89 deputados, ultrapassou o PT, que ficou com 83. Uma vez que o PMDB está longe de ser um partido de sindicalistas, seu crescimento, acompanhado do pequeno declínio do PT, provavelmente foi uma das razões da diminuição da bancada sindical.
A manutenção da estrutura corporativa, juntamente com o fim dos controles antes exercidos pelo Ministério do Trabalho, transformou a instituição sindical numa via de entrada "por cima" na classe política. Na 53.ª legislatura (eleição de 2006), quase a metade dos parlamentares do PT e do PCdoB que foram diretores sindicais começou a carreira política elegendo-se diretamente para a Câmara. Apenas cerca de um terço teve uma trajetória mais sofrida, começando pela vereança.
Em princípio, a considerar a denominação oficial dos sindicatos brasileiros, além de representantes do povo, todos os ex-sindicalistas seriam representantes dos "trabalhadores". O termo comumente leva a pensar no operário manual. Na década de 1960, a figura que mais comumente o representava era o João Ferrador, que trazia estampada em sua camisa a frase ameaçadora: "Hoje eu não tô bom."
Mas a composição social das classes assalariadas mudou. E também a do sindicalismo. Os sindicatos em que predominavam trabalhadores manuais do setor privado perderam força. Os sindicalistas na Câmara são em sua ampla maioria de classe média, não manuais, do setor público, em que se destacam professores e bancários. Quase 70% dos membros da bancada sindicalista têm curso superior completo.
Não seria possível analisar mais detidamente a influência desse "fator sindical" na política brasileira, mas avancemos sumariamente duas observações. De um lado, ele aumenta o peso político dos segmentos assalariados das classes médias sindicalizáveis, que no momento, em aliança com o PT, empreendem a colonização do aparelho de Estado. Pode, desse ângulo, ser entendido como um fator de democratização social relacionado a uma mudança na elite política e social e na popularização da classe dos políticos profissionais. De outro lado, uma vez que os ex-sindicalistas vêm das estruturas corporativas, num movimento de retroação, a bancada sindical tende a reforçar o peso das instituições, dos interesses e valores corporativos na sociedade brasileira. Ao fim e ao cabo, se todos os demais fatores permanecerem iguais, o fator sindical tende a enfraquecer a democracia representativa, que sempre convive mal com a política de massas e os impulsos populistas que nela despontam.
EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO
"Eu sou torneiro mecânico e é a única coisa que eu sei fazer... Não tenho pretensões políticas; não sou filiado a partido político e tenho certeza de que jamais participaria da vida política porque eu não sirvo para político." Essas frases são de Lula e foram pronunciadas numa entrevista ao Programa Vox Populi, da TV Cultura, de maio de 1978, quando era ainda presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. O presidente estava sendo modesto na avaliação de sua capacidade para a política. Para a sorte de alguns e azar de outros, não voltou para a fábrica nem para o sindicato.
A trajetória de Lula não é incomum na história do sindicalismo mundial. Quando os sindicatos eram frágeis e frequentemente clandestinos, a atividade sindical era mais uma missão do que uma profissão, missão que poderia dar cadeia e perda do emprego. Mas, na maioria dos países capitalistas, os sindicatos transformaram-se em poderosas, ricas e complexas organizações de massa. Como uma das mais bem-sucedidas instituições das sociedades capitalistas, transformaram-se numa via de ascensão social e econômica e, em alguns casos, de ascensão política para seus dirigentes.
No Brasil, antes de Lula, outros sindicalistas haviam tentado entrar para a classe política. A maioria o fazia pela via do PTB ou do PCB, portanto, de um modo subordinado às chefias partidárias. O caso do PT inverteu o processo: foram os sindicalistas que criaram o partido. Apesar da presença de outros segmentos sociais que ajudaram a viabilizar o PT - como a ala progressista da Igreja Católica e da intelligentsia de esquerda -, os sindicalistas constituíram sempre a facção dominante do partido. Controlavam a Articulação, considerada de direita pela esquerda petista. Dessa facção, à qual Lula pertencia, saíram os principais dirigentes do PT para as diferentes instâncias da estrutura de poder: Presidência da República, Ministérios, governadores, prefeitos e os vários níveis do Poder Legislativo.
Tomemos como exemplo a Câmara dos Deputados. Refletindo o fortalecimento do sindicalismo e dos partidos de esquerda, a bancada sindical cresceu. Na legislatura de 1991-1995 (pelos dados do Diap) havia 25 ex-diretores de sindicatos no Congresso. Na legislatura seguinte, o número foi para 36. Passou em seguida para 44. Na legislatura que resultou da eleição de 2002 (primeira eleição de Lula) chegou a 74. Para o Senado da República, cinco sindicalistas foram eleitos, todos do PT. Pode-se, de outro ângulo, perceber a forte vinculação do PT e do PCdoB com a estrutura sindical no fato de metade dos deputados desses dois partidos ter sido de diretores de sindicatos (53.ª legislatura, 2007-2010).
Mas na eleição de 2006, contrariando a tendência até então observada, nenhum sindicalista foi eleito para o Senado. Para a Câmara o número caiu para 56: 41 eram do PT, seis do PCdoB e três do PDT. Os demais dividiram-se entre PPS, PV (dois cada), PMDB e PSB (um cada). Um dos fatores que explicam esse declínio da bancada sindical foi a queda da votação no PT. Na eleição anterior, 91 petistas tinham sido eleitos. O PT transformara-se no maior partido da Câmara. Contudo, na legislatura seguinte, o PMDB, com 89 deputados, ultrapassou o PT, que ficou com 83. Uma vez que o PMDB está longe de ser um partido de sindicalistas, seu crescimento, acompanhado do pequeno declínio do PT, provavelmente foi uma das razões da diminuição da bancada sindical.
A manutenção da estrutura corporativa, juntamente com o fim dos controles antes exercidos pelo Ministério do Trabalho, transformou a instituição sindical numa via de entrada "por cima" na classe política. Na 53.ª legislatura (eleição de 2006), quase a metade dos parlamentares do PT e do PCdoB que foram diretores sindicais começou a carreira política elegendo-se diretamente para a Câmara. Apenas cerca de um terço teve uma trajetória mais sofrida, começando pela vereança.
Em princípio, a considerar a denominação oficial dos sindicatos brasileiros, além de representantes do povo, todos os ex-sindicalistas seriam representantes dos "trabalhadores". O termo comumente leva a pensar no operário manual. Na década de 1960, a figura que mais comumente o representava era o João Ferrador, que trazia estampada em sua camisa a frase ameaçadora: "Hoje eu não tô bom."
Mas a composição social das classes assalariadas mudou. E também a do sindicalismo. Os sindicatos em que predominavam trabalhadores manuais do setor privado perderam força. Os sindicalistas na Câmara são em sua ampla maioria de classe média, não manuais, do setor público, em que se destacam professores e bancários. Quase 70% dos membros da bancada sindicalista têm curso superior completo.
Não seria possível analisar mais detidamente a influência desse "fator sindical" na política brasileira, mas avancemos sumariamente duas observações. De um lado, ele aumenta o peso político dos segmentos assalariados das classes médias sindicalizáveis, que no momento, em aliança com o PT, empreendem a colonização do aparelho de Estado. Pode, desse ângulo, ser entendido como um fator de democratização social relacionado a uma mudança na elite política e social e na popularização da classe dos políticos profissionais. De outro lado, uma vez que os ex-sindicalistas vêm das estruturas corporativas, num movimento de retroação, a bancada sindical tende a reforçar o peso das instituições, dos interesses e valores corporativos na sociedade brasileira. Ao fim e ao cabo, se todos os demais fatores permanecerem iguais, o fator sindical tende a enfraquecer a democracia representativa, que sempre convive mal com a política de massas e os impulsos populistas que nela despontam.
EX-PROFESSOR TITULAR DOS DEPARTAMENTOS DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP E DA UNICAMP, É AUTOR DE "DESTINO DO SINDICALISMO
Por que os escândalos não tiram Dilma do topo José Nêumanne
O Estado de S.Paulo - 29/09/10
Causa perplexidade geral ter a chefe da Casa Civil da Presidência da República sido demitida na reta final da campanha eleitoral sem que isso haja produzido a consequência natural de um escândalo dessas proporções na popularidade do presidente, que a nomeou, nem feito cair do topo da preferência eleitoral sua candidata, que a patrocinou. A falta de proporção de causa e efeito em episódio dessa relevância não se deve apenas à credulidade popular, capaz de aceitar que Lula não assuma a responsabilidade dos atos de sua principal assessora e que Dilma Rousseff se exima de culpa pela ascensão de uma funcionária incapaz de subir na vida por méritos próprios, que ninguém imagina quais possam ser.
É o caso de buscar outras razões para a baixa interferência na preferência do eleitor de notícias de recebimento de propinas ("taxas de sucesso") pelo filho de Erenice Guerra em gabinete a poucos metros do de Dilma, no Palácio do Planalto, onde o chefão dá expediente. Será o caso de admitir que o pleito de 2010 esteja decidido há muito tempo e que será quase impossível mudar tais desígnios? Afinal, a gravidade das acusações que emergiram contra o clã Guerra, que não teriam como não macular a imagem da favorita, supera, com larga vantagem, a das que derrubaram Richard Nixon nos Estados Unidos e Fernando Collor no Brasil e levaram à prisão José Roberto Arruda, que ainda provocou o naufrágio de seu partido, o DEM, da aliança de oposição.
Se assim for, isso se deverá à percepção de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a realidade social e o panorama eleitoral no Brasil real, que domina. Ele mesmo foi a primeira vítima de uma avalanche que, em 1989, se identificou nos dois eles de Collor em verde e amarelo e inverteu as ancestrais relações de hierarquia da política nacional, ao promover aquilo que o último coronel mineiro, Chichico Cambraia, definiu como "estouro da boiada": ao votar no "caçador de marajás", o rebanho pulou cerca e porteira do curral e, para não perdê-lo de vista, os "pastores" saíram correndo atrás. Nesta e em mais duas eleições seguidas perdidas depois, Lula aprendeu que é quase impossível ser eleito presidente da República brasileira sem alianças de peso. E, se extraordinariamente isso ocorrer, nunca será possível governar sem a adesão de grupos poderosos que mandam desde antanho e para sempre nos hoje repovoados currais de votos. Prova-o a defenestração de um dos raros que realizaram a proeza: Collor tentou presidir sem o Congresso, que logo reagiu depondo-o.
Tendo participado da derrubada do adversário que o derrotara, o presidente foi aprendendo ao longo dos anos que ganhar e governar um país deste tamanho exige partilha do butim. Tentou, antes, sem sair da própria esquerda, ao atrair Leonel Brizola para sua chapa, mas deu com os burros n"água. Aceitou, em 2002, por sugestão de José Dirceu, aliar-se a gatos gulosos do PMDB que traíram Serra, cuja vice, Rita Camata, era do partido. Depois, em nome da "governabilidade", loteou o governo para não ser mais um a ganhar e não levar. Como o Fausto da lenda, vendeu a alma aos diabos que antes exorcizava e se deu muito bem. Foi aí que aprendeu a vencer a disputa eleitoral de baixo para cima: abrigou no ninho do poder lideranças locais, prefeitos municipais, deputados estaduais e federais, senadores e governadores. Aí, quando resolveu lançar o "poste" Dilma por achar mais fácil manipulá-la do que se desgastar na luta pelo terceiro mandato, já tinha as bases todas sob controle.
Muita gente boa percebeu a jogada genial do uso eleitoral da Bolsa-Família. Mas nem todos enxergaram o simultâneo fechamento de cofres que irrigam as campanhas políticas com os recursos necessários, favorecendo de banqueiros a empreiteiros de obras públicas, que passaram a ter nele o novo Messias. E ninguém observou que ele tirou do caminho para o palanque adversários que incomodavam. Foram os casos de Cássio Cunha Lima, o tucano da Paraíba, e Jackson Lago, o pedetista do Maranhão, que perderam seu mandato, condenados por crime similar ao de que foi acusado o petista Marcelo Déda, governador de Sergipe, que, no poder, é favorito na disputa por sua sucessão.
Ao contrário de Lula, seu principal adversário, José Serra, não deu sinais de ter aprendido as lições da derrota de 2002. Ao se negar a disputar a indicação em prévias, como pretendia o ex-governador mineiro Aécio Neves, deu-lhe a justificativa de que este precisava para ficar fora da ingrata rinha presidencial. A não insistir com o partido e o próprio Aécio para formar chapa com este, deu outra mostra de que pretendia alcançar o inalcançável: ganhar a disputa pela Presidência sem dever favores. Ao manter fora da campanha um tucano que vencera duas vezes a eleição federal sem disputar segundo turno, Fernando Henrique, emitiu, a quem fosse capaz de entender, o sinal de que não se dispunha a buscar ajuda nem mesmo do próprio passado, e o renegou.
Dilma, cujo currículo desautorizava a aventura de disputar contra um político bafejado pela vitória nas urnas nos maiores município e Estado do País, contou com a ajuda esperada, embora absurda, do adversário. Onze entre dez interlocutores alertaram Serra de que a chave para sua vitória seria manter o presidente popular fora da campanha. Mas ele expôs o retrato de Lula em seu primeiro programa de propaganda na TV e apelidou-se de Zé chamando-o de Silva (de quem terá sido a ideia tola?) no primeiro jingle para rádio. Fez ainda aos adversários o favor de deixar que o atrapalhado presidente nacional de seu partido, Sérgio Guerra (PE), pedisse a impugnação da adversária porque a Receita havia quebrado o sigilo fiscal da filha Verônica.
A possibilidade, aventada pelo Datafolha, do segundo turno pode abalar a empáfia palaciana, mas em nada alterará os fundamentos das evidências citadas. A experiência de 2006 deve ter ensinado aos tucanos que provocar o segundo turno é uma coisa. Mas vencê-lo é outra!
Causa perplexidade geral ter a chefe da Casa Civil da Presidência da República sido demitida na reta final da campanha eleitoral sem que isso haja produzido a consequência natural de um escândalo dessas proporções na popularidade do presidente, que a nomeou, nem feito cair do topo da preferência eleitoral sua candidata, que a patrocinou. A falta de proporção de causa e efeito em episódio dessa relevância não se deve apenas à credulidade popular, capaz de aceitar que Lula não assuma a responsabilidade dos atos de sua principal assessora e que Dilma Rousseff se exima de culpa pela ascensão de uma funcionária incapaz de subir na vida por méritos próprios, que ninguém imagina quais possam ser.
É o caso de buscar outras razões para a baixa interferência na preferência do eleitor de notícias de recebimento de propinas ("taxas de sucesso") pelo filho de Erenice Guerra em gabinete a poucos metros do de Dilma, no Palácio do Planalto, onde o chefão dá expediente. Será o caso de admitir que o pleito de 2010 esteja decidido há muito tempo e que será quase impossível mudar tais desígnios? Afinal, a gravidade das acusações que emergiram contra o clã Guerra, que não teriam como não macular a imagem da favorita, supera, com larga vantagem, a das que derrubaram Richard Nixon nos Estados Unidos e Fernando Collor no Brasil e levaram à prisão José Roberto Arruda, que ainda provocou o naufrágio de seu partido, o DEM, da aliança de oposição.
Se assim for, isso se deverá à percepção de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a realidade social e o panorama eleitoral no Brasil real, que domina. Ele mesmo foi a primeira vítima de uma avalanche que, em 1989, se identificou nos dois eles de Collor em verde e amarelo e inverteu as ancestrais relações de hierarquia da política nacional, ao promover aquilo que o último coronel mineiro, Chichico Cambraia, definiu como "estouro da boiada": ao votar no "caçador de marajás", o rebanho pulou cerca e porteira do curral e, para não perdê-lo de vista, os "pastores" saíram correndo atrás. Nesta e em mais duas eleições seguidas perdidas depois, Lula aprendeu que é quase impossível ser eleito presidente da República brasileira sem alianças de peso. E, se extraordinariamente isso ocorrer, nunca será possível governar sem a adesão de grupos poderosos que mandam desde antanho e para sempre nos hoje repovoados currais de votos. Prova-o a defenestração de um dos raros que realizaram a proeza: Collor tentou presidir sem o Congresso, que logo reagiu depondo-o.
Tendo participado da derrubada do adversário que o derrotara, o presidente foi aprendendo ao longo dos anos que ganhar e governar um país deste tamanho exige partilha do butim. Tentou, antes, sem sair da própria esquerda, ao atrair Leonel Brizola para sua chapa, mas deu com os burros n"água. Aceitou, em 2002, por sugestão de José Dirceu, aliar-se a gatos gulosos do PMDB que traíram Serra, cuja vice, Rita Camata, era do partido. Depois, em nome da "governabilidade", loteou o governo para não ser mais um a ganhar e não levar. Como o Fausto da lenda, vendeu a alma aos diabos que antes exorcizava e se deu muito bem. Foi aí que aprendeu a vencer a disputa eleitoral de baixo para cima: abrigou no ninho do poder lideranças locais, prefeitos municipais, deputados estaduais e federais, senadores e governadores. Aí, quando resolveu lançar o "poste" Dilma por achar mais fácil manipulá-la do que se desgastar na luta pelo terceiro mandato, já tinha as bases todas sob controle.
Muita gente boa percebeu a jogada genial do uso eleitoral da Bolsa-Família. Mas nem todos enxergaram o simultâneo fechamento de cofres que irrigam as campanhas políticas com os recursos necessários, favorecendo de banqueiros a empreiteiros de obras públicas, que passaram a ter nele o novo Messias. E ninguém observou que ele tirou do caminho para o palanque adversários que incomodavam. Foram os casos de Cássio Cunha Lima, o tucano da Paraíba, e Jackson Lago, o pedetista do Maranhão, que perderam seu mandato, condenados por crime similar ao de que foi acusado o petista Marcelo Déda, governador de Sergipe, que, no poder, é favorito na disputa por sua sucessão.
Ao contrário de Lula, seu principal adversário, José Serra, não deu sinais de ter aprendido as lições da derrota de 2002. Ao se negar a disputar a indicação em prévias, como pretendia o ex-governador mineiro Aécio Neves, deu-lhe a justificativa de que este precisava para ficar fora da ingrata rinha presidencial. A não insistir com o partido e o próprio Aécio para formar chapa com este, deu outra mostra de que pretendia alcançar o inalcançável: ganhar a disputa pela Presidência sem dever favores. Ao manter fora da campanha um tucano que vencera duas vezes a eleição federal sem disputar segundo turno, Fernando Henrique, emitiu, a quem fosse capaz de entender, o sinal de que não se dispunha a buscar ajuda nem mesmo do próprio passado, e o renegou.
Dilma, cujo currículo desautorizava a aventura de disputar contra um político bafejado pela vitória nas urnas nos maiores município e Estado do País, contou com a ajuda esperada, embora absurda, do adversário. Onze entre dez interlocutores alertaram Serra de que a chave para sua vitória seria manter o presidente popular fora da campanha. Mas ele expôs o retrato de Lula em seu primeiro programa de propaganda na TV e apelidou-se de Zé chamando-o de Silva (de quem terá sido a ideia tola?) no primeiro jingle para rádio. Fez ainda aos adversários o favor de deixar que o atrapalhado presidente nacional de seu partido, Sérgio Guerra (PE), pedisse a impugnação da adversária porque a Receita havia quebrado o sigilo fiscal da filha Verônica.
A possibilidade, aventada pelo Datafolha, do segundo turno pode abalar a empáfia palaciana, mas em nada alterará os fundamentos das evidências citadas. A experiência de 2006 deve ter ensinado aos tucanos que provocar o segundo turno é uma coisa. Mas vencê-lo é outra!
Mais controle de capitais Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 29/09/2010
Desta vez, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diverge apenas superficialmente do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Não temos uma guerra cambial no mundo, como Mantega sustentara na véspera, mas temos sério problema de câmbio no Brasil, avisou ele ontem. E completou: "O aumento do IOF na entrada de capitais está em aberto."
São declarações que aparentemente dão como inevitável uma elevação do IOF com o objetivo de desestimular a chamada arbitragem com juros. Trata-se de tomada de empréstimos no exterior a juros no chão para trazer os recursos para o Brasil, trocá-los por reais e tirar proveito de juros substancialmente mais altos no mercado interno.
De janeiro a agosto deste ano, haviam afluído US$ 19,9 bilhões em recursos de estrangeiros para investimento em renda fixa, ou 670% a mais do que no mesmo período de 2009 (veja o Confira).
O IOF cobrado na entrada desses capitais é hoje de 2%. Se Meirelles admite aumentá-lo, pressupõe-se que possa ir para 3% ou 4%. Não está claro se esse aperto vai alcançar também as aplicações em ações. O reforço da entrada de capitais para essa finalidade (até agosto) foi irrelevante. Em princípio, aplicações em ações não devem ser desestimuladas porque ajudam a capitalizar a empresa brasileira.
Boa pergunta consiste em saber até que ponto uma paulada com IOF será decisiva para segurar o tombo do dólar no câmbio interno. Em geral, os investidores encontram mecanismos para burlar esse novo imposto. Se os 2% não foram suficientes para conter a valorização do real, o aumento da dose provavelmente também não será. Afora isso, não é apenas o dinheiro que entra no País que faz arbitragem com juros. O que deixa de sair também faz. E sobre esses capitais, que ficam porque os juros estão altos aqui dentro, não incide IOF. Uma filial de empresa estrangeira, por exemplo, pode deixar de remeter lucros e dividendos para sua matriz no exterior para girar esses recursos no mercado brasileiro a fim de aproveitar os juros. De todo modo, algum impacto imediato sobre a entrada desses capitais essa elevação do IOF acabará produzindo.
O mundo está inundado de liquidez. Apenas parte dela é consequência de emissões de moeda (pelos bancos centrais) ou emissões de títulos (aumento de dívida pelos tesouros). Ela provém do excesso de poupança de um punhado de países asiáticos (Japão, China, Coreia do Sul, Taiwan), dos grandes exportadores de petróleo (Arábia Saudita) e, também, da Alemanha. Em contrapartida, os países de alta renda, especialmente os Estados Unidos, vivem um momento de poupança perto de zero. Pode ser vista, também, como o resultado dos enormes desequilíbrios financeiros globais.
Neste momento em que exibe certificado de grau de investimento, e é um dos poucos países que terão forte crescimento em 2010, é natural que o Brasil atraia capitais ciganos. Essa avalanche contribui para valorizar o real, na contramão do que está acontecendo em outros países, que conduzem a política cambial para produzir efeito oposto, ou seja, para desvalorizar sua própria moeda.
Mas ninguém se iluda. O movimento principal não é de valorização do real, mas de aumento do consumo, que estica o rombo das contas externas (déficit em conta corrente) para perto dos 3% do PIB. Não basta tascar IOF. Será preciso conter o consumo com redução das despesas públicas para desacelerar as importações.
Desta vez, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, diverge apenas superficialmente do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Não temos uma guerra cambial no mundo, como Mantega sustentara na véspera, mas temos sério problema de câmbio no Brasil, avisou ele ontem. E completou: "O aumento do IOF na entrada de capitais está em aberto."
São declarações que aparentemente dão como inevitável uma elevação do IOF com o objetivo de desestimular a chamada arbitragem com juros. Trata-se de tomada de empréstimos no exterior a juros no chão para trazer os recursos para o Brasil, trocá-los por reais e tirar proveito de juros substancialmente mais altos no mercado interno.
De janeiro a agosto deste ano, haviam afluído US$ 19,9 bilhões em recursos de estrangeiros para investimento em renda fixa, ou 670% a mais do que no mesmo período de 2009 (veja o Confira).
O IOF cobrado na entrada desses capitais é hoje de 2%. Se Meirelles admite aumentá-lo, pressupõe-se que possa ir para 3% ou 4%. Não está claro se esse aperto vai alcançar também as aplicações em ações. O reforço da entrada de capitais para essa finalidade (até agosto) foi irrelevante. Em princípio, aplicações em ações não devem ser desestimuladas porque ajudam a capitalizar a empresa brasileira.
Boa pergunta consiste em saber até que ponto uma paulada com IOF será decisiva para segurar o tombo do dólar no câmbio interno. Em geral, os investidores encontram mecanismos para burlar esse novo imposto. Se os 2% não foram suficientes para conter a valorização do real, o aumento da dose provavelmente também não será. Afora isso, não é apenas o dinheiro que entra no País que faz arbitragem com juros. O que deixa de sair também faz. E sobre esses capitais, que ficam porque os juros estão altos aqui dentro, não incide IOF. Uma filial de empresa estrangeira, por exemplo, pode deixar de remeter lucros e dividendos para sua matriz no exterior para girar esses recursos no mercado brasileiro a fim de aproveitar os juros. De todo modo, algum impacto imediato sobre a entrada desses capitais essa elevação do IOF acabará produzindo.
O mundo está inundado de liquidez. Apenas parte dela é consequência de emissões de moeda (pelos bancos centrais) ou emissões de títulos (aumento de dívida pelos tesouros). Ela provém do excesso de poupança de um punhado de países asiáticos (Japão, China, Coreia do Sul, Taiwan), dos grandes exportadores de petróleo (Arábia Saudita) e, também, da Alemanha. Em contrapartida, os países de alta renda, especialmente os Estados Unidos, vivem um momento de poupança perto de zero. Pode ser vista, também, como o resultado dos enormes desequilíbrios financeiros globais.
Neste momento em que exibe certificado de grau de investimento, e é um dos poucos países que terão forte crescimento em 2010, é natural que o Brasil atraia capitais ciganos. Essa avalanche contribui para valorizar o real, na contramão do que está acontecendo em outros países, que conduzem a política cambial para produzir efeito oposto, ou seja, para desvalorizar sua própria moeda.
Mas ninguém se iluda. O movimento principal não é de valorização do real, mas de aumento do consumo, que estica o rombo das contas externas (déficit em conta corrente) para perto dos 3% do PIB. Não basta tascar IOF. Será preciso conter o consumo com redução das despesas públicas para desacelerar as importações.
A derrota de Chávez EDITORIAL O Estado de S. Paulo
- 29/09/2010
O autocrata venezuelano Hugo Chávez havia definido a eleição legislativa do último domingo em seu país como um "plebiscito" sobre o seu governo e prólogo do pleito presidencial de 2012, quando disputará o quarto mandato desde 1998. Ele prometeu "massacrar" a oposição e "ganhar por nocaute". Não só não conseguiu nada disso, como sofreu um estrondoso revés político.
É verdade que a legenda chavista, o Partido Socialista Unificado de Venezuela (PSUV), obteve 98 das 165 cadeiras da Assembleia Nacional, ao passo que a oposição, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) constituída por 18 partidos, ficou com 65. Mas esse resultado privou Chávez da maioria de 2/3 que lhe permitiria aprovar leis orgânicas e mudanças constitucionais - e, no limite, governar por decreto.
Era o que vinha fazendo com incontestada desenvoltura desde que a oposição cometeu o erro histórico de boicotar a eleição parlamentar de 2005, para não legitimar o que previa ser uma fraude. Sem adversários - e com um comparecimento às urnas de ridículos 25% -, o caudilho teve às suas ordens um Legislativo 100% chavista, reduzido a uma repartição do Palácio Miraflores, a sede do Executivo. Com o tempo, 10 deputados formaram uma dissidência que, evidentemente, não freou a descida da Venezuela para o regime liberticida do "socialismo do século 21".
Quando se deu conta de que não teria a mesma sorte no pleito seguinte, Chávez preparou uma cama de gato para os adversários. Fez aprovar uma nova demarcação dos distritos eleitorais - o sistema venezuelano é o distrital -, para aumentar a representação das áreas chavistas e vice-versa. Para se ter uma ideia, num Estado rarefeito, de maioria governista, passaram a bastar 20 mil votos para eleger um congressista, ante 400 mil num Estado populoso, simpático à oposição. A mudança nas regras do jogo não foi tudo.
O governo reteve o repasse de verbas para as regiões governadas por oposicionistas, transformou legiões de servidores públicos em cabos eleitorais, com abundante infraestrutura, e deu aos candidatos de seu partido praticamente o monopólio da propaganda nas emissoras estatais. Sem falar na multiplicação de sua presença nos comícios do PSUV, religiosamente reproduzida na TV chavista. Chega a ser uma proeza, portanto, o desempenho eleitoral da oposição, refletindo a erosão do prestígio de Chávez.
Com uma taxa de comparecimento de 67% - um indicador do ânimo mudancista do eleitorado em países, como a Venezuela, onde o voto é facultativo -, a frente de oposição obteve, segundo uma contagem extraoficial, 5,4 milhões dos votos válidos, cerca de 190 mil a mais do que a situação. A manipulação das regras eleitorais explica por que os 46% de votos populares pró-Chávez se transfiguraram em 59% das cadeiras na Assembleia e por que os 48% conquistados pela oposição nas urnas não lhe deram mais de 39% das vagas. Estima-se que apenas a remarcação dos distritos adicionou à bancada chavista 30 deputados.
Não há muito mistério no avanço oposicionista. O governo é um rematado desastre. Na contramão da América Latina, a Venezuela está há 15 meses em recessão. A inflação anual é da ordem de 30% e a acumulada nos 11 anos de chavismo chega a 733%, o desemprego é descomunal (cresceu 42% no último ano e meio) e a desigualdade voltou a se agravar. Faltam energia e alimentos. Sobram corrupção e incompetência: 130 mil toneladas de gêneros importados apodreceram nos portos do país. Por fim, a criminalidade atinge níveis aterrorizantes. A violência mata uma pessoa a cada meia hora.
O que não está claro é o que Chávez vai fazer de sua derrota política. Ele tem uma janela de oportunidade de 3 meses - a nova Assembleia só assumirá em janeiro - para se conter ou desembestar de vez, fazendo aprovar nesse período o que queira. Notadamente, a Lei das Comunas, unidades administrativas ditas autônomas, porém diretamente ligadas ao Executivo. Além da reorganização político-territorial do país, poderá surgir uma "assembleia comunal" para retirar poderes do Legislativo. "Chávez é hoje uma fera acuada", compara um observador estrangeiro em Caracas. "Nessas condições, é ainda mais imprevisível."
O autocrata venezuelano Hugo Chávez havia definido a eleição legislativa do último domingo em seu país como um "plebiscito" sobre o seu governo e prólogo do pleito presidencial de 2012, quando disputará o quarto mandato desde 1998. Ele prometeu "massacrar" a oposição e "ganhar por nocaute". Não só não conseguiu nada disso, como sofreu um estrondoso revés político.
É verdade que a legenda chavista, o Partido Socialista Unificado de Venezuela (PSUV), obteve 98 das 165 cadeiras da Assembleia Nacional, ao passo que a oposição, a Mesa de Unidade Democrática (MUD) constituída por 18 partidos, ficou com 65. Mas esse resultado privou Chávez da maioria de 2/3 que lhe permitiria aprovar leis orgânicas e mudanças constitucionais - e, no limite, governar por decreto.
Era o que vinha fazendo com incontestada desenvoltura desde que a oposição cometeu o erro histórico de boicotar a eleição parlamentar de 2005, para não legitimar o que previa ser uma fraude. Sem adversários - e com um comparecimento às urnas de ridículos 25% -, o caudilho teve às suas ordens um Legislativo 100% chavista, reduzido a uma repartição do Palácio Miraflores, a sede do Executivo. Com o tempo, 10 deputados formaram uma dissidência que, evidentemente, não freou a descida da Venezuela para o regime liberticida do "socialismo do século 21".
Quando se deu conta de que não teria a mesma sorte no pleito seguinte, Chávez preparou uma cama de gato para os adversários. Fez aprovar uma nova demarcação dos distritos eleitorais - o sistema venezuelano é o distrital -, para aumentar a representação das áreas chavistas e vice-versa. Para se ter uma ideia, num Estado rarefeito, de maioria governista, passaram a bastar 20 mil votos para eleger um congressista, ante 400 mil num Estado populoso, simpático à oposição. A mudança nas regras do jogo não foi tudo.
O governo reteve o repasse de verbas para as regiões governadas por oposicionistas, transformou legiões de servidores públicos em cabos eleitorais, com abundante infraestrutura, e deu aos candidatos de seu partido praticamente o monopólio da propaganda nas emissoras estatais. Sem falar na multiplicação de sua presença nos comícios do PSUV, religiosamente reproduzida na TV chavista. Chega a ser uma proeza, portanto, o desempenho eleitoral da oposição, refletindo a erosão do prestígio de Chávez.
Com uma taxa de comparecimento de 67% - um indicador do ânimo mudancista do eleitorado em países, como a Venezuela, onde o voto é facultativo -, a frente de oposição obteve, segundo uma contagem extraoficial, 5,4 milhões dos votos válidos, cerca de 190 mil a mais do que a situação. A manipulação das regras eleitorais explica por que os 46% de votos populares pró-Chávez se transfiguraram em 59% das cadeiras na Assembleia e por que os 48% conquistados pela oposição nas urnas não lhe deram mais de 39% das vagas. Estima-se que apenas a remarcação dos distritos adicionou à bancada chavista 30 deputados.
Não há muito mistério no avanço oposicionista. O governo é um rematado desastre. Na contramão da América Latina, a Venezuela está há 15 meses em recessão. A inflação anual é da ordem de 30% e a acumulada nos 11 anos de chavismo chega a 733%, o desemprego é descomunal (cresceu 42% no último ano e meio) e a desigualdade voltou a se agravar. Faltam energia e alimentos. Sobram corrupção e incompetência: 130 mil toneladas de gêneros importados apodreceram nos portos do país. Por fim, a criminalidade atinge níveis aterrorizantes. A violência mata uma pessoa a cada meia hora.
O que não está claro é o que Chávez vai fazer de sua derrota política. Ele tem uma janela de oportunidade de 3 meses - a nova Assembleia só assumirá em janeiro - para se conter ou desembestar de vez, fazendo aprovar nesse período o que queira. Notadamente, a Lei das Comunas, unidades administrativas ditas autônomas, porém diretamente ligadas ao Executivo. Além da reorganização político-territorial do país, poderá surgir uma "assembleia comunal" para retirar poderes do Legislativo. "Chávez é hoje uma fera acuada", compara um observador estrangeiro em Caracas. "Nessas condições, é ainda mais imprevisível."
terça-feira, setembro 28, 2010
O papel do STF Luiz Garcia
O GLOBO - 28/09/10
Se uma lei é boa, quanto mais cedo entrar em vigor, melhor. Se os objetivos de uma lei atendem ao interesse público, a lei deve impedir que eles sejam desprezados, por meio de farsa ou sofisma.
O parágrafo acima deveria ser desnecessário.
Apenas afirma o óbvio. Mas o óbvio acaba de ir para escanteio, no caso da Lei dos Fichas Limpas. Aprovada graças a uma inédita - e comovente e maravilhosa - mobilização da opinião pública do país inteiro, a lei determina que candidatos a cargos legislativos e executivos não tenham manchas em suas folhas corridas.
Entende-se por mancha a condenação em qualquer órgão colegiado; ou em segunda instância, o que dá no mesmo.
No momento, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal uma questão, digamos assim, simplesmente cronológica: a lei vale para as eleições deste ano? O observador leigo tem todo o direito de achar, também simplesmente, o seguinte: o que é bom, quanto mais cedo, melhor.
O STF interrompeu uma votação sobre isso na semana passada - ou seja, num momento muito próximo das eleições deste ano - por motivos simplesmente (advérbio ainda necessário) medíocres, indignos de um colégio que, em princípio, deveria ser formado por juristas com dedicação integral ao serviço. Mas o tribunal interrompeu a votação sobre a vigência da lei pelo motivo rasteiro de que alguns de seus membros tinham mais o que fazer.
É mais ou menos o mesmo que um bombeiro se recusando a apagar um incêndio porque tem de ir às compras.
Estava em pauta o caso do ex-governador Roriz, de Brasília, candidato a voltar ao cargo. O STF não julgou o processo em que ele é réu por falta de quorum. É verdade que Roriz, pelo sim, pelo não, preferiu abdicar da candidatura, pondo em seu lugar a senhora sua esposa. Não tem sentido imaginar-se que, com isso, ele tornou inócuo o atraso na decisão do STF.
Se a maioria dos ministros cumprisse seu dever de julgá-lo, o fato teria importante e talvez decisivo impacto eleitoral.
Uma vez condenado, Roriz teria alguma dificuldade para ser - por assim dizer - eleito por interposta pessoa.
No fim das contas, o eleitor votará ou não em Roriz, seja o candidato ele ou ela.
Caso os ministros do STF arrumassem um tempinho para decidir sobre a elegibilidade do cabeça do casal, tudo seria bem diferente.
Em outras palavras, o adiamento do julgamento não pode ser visto como um acidente natural de percurso.
O tribunal decidiu não julgar, no momento em que julgar era indispensável.
Assim, influiu - indireta, mas fortemente - no resultado de uma importante eleição.
Não parece ser esse o seu papel.
Os fichas-limpas do país inteiro estão decepcionadíssimos.
Se uma lei é boa, quanto mais cedo entrar em vigor, melhor. Se os objetivos de uma lei atendem ao interesse público, a lei deve impedir que eles sejam desprezados, por meio de farsa ou sofisma.
O parágrafo acima deveria ser desnecessário.
Apenas afirma o óbvio. Mas o óbvio acaba de ir para escanteio, no caso da Lei dos Fichas Limpas. Aprovada graças a uma inédita - e comovente e maravilhosa - mobilização da opinião pública do país inteiro, a lei determina que candidatos a cargos legislativos e executivos não tenham manchas em suas folhas corridas.
Entende-se por mancha a condenação em qualquer órgão colegiado; ou em segunda instância, o que dá no mesmo.
No momento, está em julgamento no Supremo Tribunal Federal uma questão, digamos assim, simplesmente cronológica: a lei vale para as eleições deste ano? O observador leigo tem todo o direito de achar, também simplesmente, o seguinte: o que é bom, quanto mais cedo, melhor.
O STF interrompeu uma votação sobre isso na semana passada - ou seja, num momento muito próximo das eleições deste ano - por motivos simplesmente (advérbio ainda necessário) medíocres, indignos de um colégio que, em princípio, deveria ser formado por juristas com dedicação integral ao serviço. Mas o tribunal interrompeu a votação sobre a vigência da lei pelo motivo rasteiro de que alguns de seus membros tinham mais o que fazer.
É mais ou menos o mesmo que um bombeiro se recusando a apagar um incêndio porque tem de ir às compras.
Estava em pauta o caso do ex-governador Roriz, de Brasília, candidato a voltar ao cargo. O STF não julgou o processo em que ele é réu por falta de quorum. É verdade que Roriz, pelo sim, pelo não, preferiu abdicar da candidatura, pondo em seu lugar a senhora sua esposa. Não tem sentido imaginar-se que, com isso, ele tornou inócuo o atraso na decisão do STF.
Se a maioria dos ministros cumprisse seu dever de julgá-lo, o fato teria importante e talvez decisivo impacto eleitoral.
Uma vez condenado, Roriz teria alguma dificuldade para ser - por assim dizer - eleito por interposta pessoa.
No fim das contas, o eleitor votará ou não em Roriz, seja o candidato ele ou ela.
Caso os ministros do STF arrumassem um tempinho para decidir sobre a elegibilidade do cabeça do casal, tudo seria bem diferente.
Em outras palavras, o adiamento do julgamento não pode ser visto como um acidente natural de percurso.
O tribunal decidiu não julgar, no momento em que julgar era indispensável.
Assim, influiu - indireta, mas fortemente - no resultado de uma importante eleição.
Não parece ser esse o seu papel.
Os fichas-limpas do país inteiro estão decepcionadíssimos.
O Brasil em primeiro lugar Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo - 28/09/10
No domingo, 135 milhões de brasileiros decidirão o que a maioria deseja para o País nos próximos quatro anos. As eleições presidenciais de 2010 adquiriram relevância especial pelo fato de que o Brasil de hoje se modernizou e avançou substancialmente nos campos econômico, social e político, passando a ocupar lugar de destaque no cenário internacional.
O futuro presidente se beneficiará de uma situação especial, pois vai começar seu governo com a economia estabilizada e em forte crescimento, com os principais indicadores macroeconômicos positivos, a classe média fortalecida e a sociedade de bem com a vida. A crescente projeção externa do Brasil completa a herança positiva a ser recebida.
Em decorrência de seu sucesso, o Brasil enfrentará grandes desafios internos e externos, com demandas globais, regionais e nacionais.
No contexto doméstico, apesar das conquistas sociais e da solidez dos fundamentos da economia, obtidas nos últimos 16 anos, serão inevitáveis alguns ajustes, em especial nas contas externas. O novo governo enfrentará uma pesada agenda, politicamente custosa, de reformas estruturais, sobretudo a tributária, necessárias para que o País possa continuar a se manter como uma economia emergente pujante e competitiva. O crescente papel do Estado vai influir no modelo de desenvolvimento e no tratamento a ser dado ao investimento externo no capitalismo brasileiro.
Essas mudanças poderão ocorrer ao mesmo tempo que grandes desafios com data marcada deverão ser enfrentados. A organização da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 e a exploração do pré-sal serão um teste de nossa competência gerencial e da capacidade de obter recursos. A melhora da infraestrutura, em especial dos aeroportos, portos e estradas, reduzirá o custo Brasil e oferecerá grandes oportunidades. Os interesses em jogo são grandes e muitos.
É positiva a expectativa externa em relação ao que poderá ser feito para elevar o País a quinta economia global. As ações do novo governo serão acompanhadas de perto, inclusive quanto ao fortalecimento das instituições e ao respeito aos marcos regulatórios, para que seja confirmada a segurança jurídica e política com vista à manutenção do alto grau de confiança de que goza o País.
O Brasil terá de saber superar as incertezas de um frágil ambiente econômico global. A recuperação da economia norte-americana vai ser longa e os problemas fiscais europeus causarão um crescimento mais lento. A China, sozinha, não poderá ser a locomotiva do mundo e os países em desenvolvimento terão um crescimento menos acelerado.
A voz mais forte do Brasil nos assuntos internacionais obrigará o governo a assumir novas responsabilidades e a afirmar sua liderança, sobretudo nos assuntos de nossa região e nos temas globais de comércio, mudança de clima, energia, democracia e direitos humanos. No âmbito regional, a América do Sul está preparada para bem aproveitar a década 2010-2020. Como mostrou a revista The Economist, estamos tão perto, porém ainda longe desse objetivo. Com 52% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração e para o desenvolvimento econômico dos países da região, a melhora das condições sociais e o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para o País e exigirá uma ação positiva para concretizar a percepção de que desta vez seremos um continente vencedor.
Daí os próximos quatro anos serem tão cruciais para o Brasil deixar de carregar o estigma de "país do futuro" e para se afirmar como uma força econômica e política de fato no cenário global. O mundo estará observando atentamente o que ocorrer por aqui.
O trabalho de dois governos - FHC e Lula - em quase duas décadas de ajustes e reformas colocou nosso país no lugar de destaque que hoje ocupa no cenário internacional. O Brasil transformou-se num país normal, como a maioria, e não mais um exemplo de heterodoxia e de radicalismo político, como uns poucos.
Em artigo que publiquei em dezembro de 2009 neste espaço, assinalei que talvez não fosse utopia nem ingenuidade pensar numa possível ação convergente entre o PSDB e o PT durante os primeiros cem dias de governo, com vista a aprovar uma agenda mínima que, por uma série de razões, vem sendo adiada há mais de 15 anos. Um entendimento desse tipo, no qual os dois partidos deverão fazer concessões, representaria uma vitória de todos e minimizaria o desgaste de medidas impopulares que terão, em algum momento, de ser enfrentadas pelo futuro governo. O PMDB, agora em posição de poder influir ainda mais, e os demais partidos poderiam acrescentar os votos necessários para uma maioria qualificada, sem o custo político e outros em que os governos FHC e Lula tiveram de incorrer. Não se trata de formar um governo de unidade nacional ou de adesão da oposição. Cada partido manteria sua independência, no governo ou na oposição, mas poderia haver uma trégua com prazo definido, com o compromisso de se chegar a um entendimento para aprovação de uma agenda de, efetivamente, interesse para o País.
Depois da dura campanha dos últimos meses, continuo convencido de que, ganhe quem ganhar, os interesses do Brasil devem ser colocados acima de divergências pessoais e partidárias e deveria ser tentado um esforço para avançar numa agenda mínima comum.
O Brasil tem tudo para terminar a década como um país de referência global. Para isso temos de evitar a complacência com o que já se conquistou até aqui, redescobrir o apetite para as reformas e, em nome do interesse nacional, tratar de construir uma convivência política civilizada.
EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)
No domingo, 135 milhões de brasileiros decidirão o que a maioria deseja para o País nos próximos quatro anos. As eleições presidenciais de 2010 adquiriram relevância especial pelo fato de que o Brasil de hoje se modernizou e avançou substancialmente nos campos econômico, social e político, passando a ocupar lugar de destaque no cenário internacional.
O futuro presidente se beneficiará de uma situação especial, pois vai começar seu governo com a economia estabilizada e em forte crescimento, com os principais indicadores macroeconômicos positivos, a classe média fortalecida e a sociedade de bem com a vida. A crescente projeção externa do Brasil completa a herança positiva a ser recebida.
Em decorrência de seu sucesso, o Brasil enfrentará grandes desafios internos e externos, com demandas globais, regionais e nacionais.
No contexto doméstico, apesar das conquistas sociais e da solidez dos fundamentos da economia, obtidas nos últimos 16 anos, serão inevitáveis alguns ajustes, em especial nas contas externas. O novo governo enfrentará uma pesada agenda, politicamente custosa, de reformas estruturais, sobretudo a tributária, necessárias para que o País possa continuar a se manter como uma economia emergente pujante e competitiva. O crescente papel do Estado vai influir no modelo de desenvolvimento e no tratamento a ser dado ao investimento externo no capitalismo brasileiro.
Essas mudanças poderão ocorrer ao mesmo tempo que grandes desafios com data marcada deverão ser enfrentados. A organização da Copa do Mundo em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016 e a exploração do pré-sal serão um teste de nossa competência gerencial e da capacidade de obter recursos. A melhora da infraestrutura, em especial dos aeroportos, portos e estradas, reduzirá o custo Brasil e oferecerá grandes oportunidades. Os interesses em jogo são grandes e muitos.
É positiva a expectativa externa em relação ao que poderá ser feito para elevar o País a quinta economia global. As ações do novo governo serão acompanhadas de perto, inclusive quanto ao fortalecimento das instituições e ao respeito aos marcos regulatórios, para que seja confirmada a segurança jurídica e política com vista à manutenção do alto grau de confiança de que goza o País.
O Brasil terá de saber superar as incertezas de um frágil ambiente econômico global. A recuperação da economia norte-americana vai ser longa e os problemas fiscais europeus causarão um crescimento mais lento. A China, sozinha, não poderá ser a locomotiva do mundo e os países em desenvolvimento terão um crescimento menos acelerado.
A voz mais forte do Brasil nos assuntos internacionais obrigará o governo a assumir novas responsabilidades e a afirmar sua liderança, sobretudo nos assuntos de nossa região e nos temas globais de comércio, mudança de clima, energia, democracia e direitos humanos. No âmbito regional, a América do Sul está preparada para bem aproveitar a década 2010-2020. Como mostrou a revista The Economist, estamos tão perto, porém ainda longe desse objetivo. Com 52% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração e para o desenvolvimento econômico dos países da região, a melhora das condições sociais e o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para o País e exigirá uma ação positiva para concretizar a percepção de que desta vez seremos um continente vencedor.
Daí os próximos quatro anos serem tão cruciais para o Brasil deixar de carregar o estigma de "país do futuro" e para se afirmar como uma força econômica e política de fato no cenário global. O mundo estará observando atentamente o que ocorrer por aqui.
O trabalho de dois governos - FHC e Lula - em quase duas décadas de ajustes e reformas colocou nosso país no lugar de destaque que hoje ocupa no cenário internacional. O Brasil transformou-se num país normal, como a maioria, e não mais um exemplo de heterodoxia e de radicalismo político, como uns poucos.
Em artigo que publiquei em dezembro de 2009 neste espaço, assinalei que talvez não fosse utopia nem ingenuidade pensar numa possível ação convergente entre o PSDB e o PT durante os primeiros cem dias de governo, com vista a aprovar uma agenda mínima que, por uma série de razões, vem sendo adiada há mais de 15 anos. Um entendimento desse tipo, no qual os dois partidos deverão fazer concessões, representaria uma vitória de todos e minimizaria o desgaste de medidas impopulares que terão, em algum momento, de ser enfrentadas pelo futuro governo. O PMDB, agora em posição de poder influir ainda mais, e os demais partidos poderiam acrescentar os votos necessários para uma maioria qualificada, sem o custo político e outros em que os governos FHC e Lula tiveram de incorrer. Não se trata de formar um governo de unidade nacional ou de adesão da oposição. Cada partido manteria sua independência, no governo ou na oposição, mas poderia haver uma trégua com prazo definido, com o compromisso de se chegar a um entendimento para aprovação de uma agenda de, efetivamente, interesse para o País.
Depois da dura campanha dos últimos meses, continuo convencido de que, ganhe quem ganhar, os interesses do Brasil devem ser colocados acima de divergências pessoais e partidárias e deveria ser tentado um esforço para avançar numa agenda mínima comum.
O Brasil tem tudo para terminar a década como um país de referência global. Para isso temos de evitar a complacência com o que já se conquistou até aqui, redescobrir o apetite para as reformas e, em nome do interesse nacional, tratar de construir uma convivência política civilizada.
EX-EMBAIXADOR EM WASHINGTON (1999-2004)
Guerra cambial Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 28/09/2010
Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, queixou-se, com razão, das guerras comercial e cambial que se travam hoje no mundo e de suas graves consequências para a economia brasileira, especialmente para a competitividade da indústria.
E Mantega, também com razão, adverte que o Brasil não pode continuar exposto à flutuação cambial enquanto ao redor do mundo grandes competidores do País mantêm o valor de suas moedas artificialmente desvalorizadas para aumentar seu poder de fogo.
Também ontem, no New York Times, o comentarista Anatole Kaletsky avisou que os principais países asiáticos (e não só a China) praticam protecionismo cambial e que, por isso, "culpar a China não ajuda a economia".
Mantega já não se atreve a segurar o dólar no gogó. Entende que terá de levar o tema para discussão dos líderes globais na próxima reunião do G-20. "O câmbio flutuante é o melhor sistema, desde que seja flutuante para todo o mundo", disse.
Por trás desse problema está a crise financeira que mantém prostrada a economia e que levou os grandes protagonistas para essas guerras. E, num nível mais fundo, está a desordem monetária global que, em 1971, se seguiu à ruptura do sistema de Bretton Woods, erigido em 1944.
Há três conferências do G-20 programadas para este ano. Das duas primeiras (7 de outubro em Washington e 21 a 23 de outubro em Gyeongju - Coreia do Sul) participarão apenas ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais. Na terceira, 11 e 12 de novembro, em Seul, comparecerão os chefes de Estado.
Parece improvável que dessas reuniões saia a nova ordem mundial ou uma política cambial coordenada. Esse é o tipo de doença que precisa piorar muito antes de provocar consenso para o tratamento que leve à cura.
Isso posto, é mais provável que o problema tenha de ser enfrentado na base do cada um por si. Assim, seria preciso criar condições para que o Brasil possa administrar sua política cambial sem colocar em risco a estabilidade da casa.
China, Japão, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan podem se dar ao luxo de defender seu câmbio por meio de compras maciças de moeda estrangeira porque têm alto índice de poupança. Assim, podem usar os recursos em moeda local provenientes dessa poupança sem que esse despejo de moeda na economia produza desordem e inflação.
Os Estados Unidos, por sua vez, mesmo que estejam com a economia desequilibrada por dois rombos, o orçamentário e o de suas contas externas, ainda podem manobrar para desvalorizar o dólar sem provocar uma brutal rejeição, porque detêm a quase única moeda de reserva.
O Brasil não tem essa autonomia. Se tiver de intensificar as compras de dólares, acabará injetando muito dinheiro vivo no mercado. Para que essa dinheirama não produza inflação, terá de vender títulos de dívida pública na mesma proporção para que os compradores desses títulos devolvam os reais para o Banco Central.
Ora, o único jeito de evitar que esse aumento da dívida não provoque rejeição por parte dos credores é desenvolver um programa com dois pontos: (1) impor uma sólida disciplina fiscal que, ao mesmo tempo, reduza a dívida pública e ajude a derrubar os juros; e (2) levar adiante as reformas para baixar o custo Brasil, garantindo mais competitividade para o produto industrializado.
CONFIRA
O dito pelo não dito
Há algumas semanas, o ministro Guido Mantega garantia que a emissão de títulos da dívida pública para transferi-los do Tesouro para o BNDES, de maneira a poder aumentar suas condições de financiamento, tinha acabado definitivamente.
Mais R$ 30 bi
No entanto, ontem, o Tesouro transferiu mais R$ 30 bilhões em títulos públicos para o banco. Desta vez, a operação não foi feita com a intenção de aumentar o volume de recursos do BNDES destinado ao financiamento. Foi feita para que o BNDES comprasse ações da Petrobrás para que a União pudesse aumentar sua participação no capital da empresa.
O trabalhador não pode
Ou seja, o BNDES tomou recursos por empréstimo do Tesouro para que pudesse com eles comprar ações da Petrobrás. Enquanto isso, ao trabalhador não acionista que tem um saldo no Fundo de Garantia não foi permitido que usasse esses recursos para comprar ações da mesma Petrobrás.
Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, queixou-se, com razão, das guerras comercial e cambial que se travam hoje no mundo e de suas graves consequências para a economia brasileira, especialmente para a competitividade da indústria.
E Mantega, também com razão, adverte que o Brasil não pode continuar exposto à flutuação cambial enquanto ao redor do mundo grandes competidores do País mantêm o valor de suas moedas artificialmente desvalorizadas para aumentar seu poder de fogo.
Também ontem, no New York Times, o comentarista Anatole Kaletsky avisou que os principais países asiáticos (e não só a China) praticam protecionismo cambial e que, por isso, "culpar a China não ajuda a economia".
Mantega já não se atreve a segurar o dólar no gogó. Entende que terá de levar o tema para discussão dos líderes globais na próxima reunião do G-20. "O câmbio flutuante é o melhor sistema, desde que seja flutuante para todo o mundo", disse.
Por trás desse problema está a crise financeira que mantém prostrada a economia e que levou os grandes protagonistas para essas guerras. E, num nível mais fundo, está a desordem monetária global que, em 1971, se seguiu à ruptura do sistema de Bretton Woods, erigido em 1944.
Há três conferências do G-20 programadas para este ano. Das duas primeiras (7 de outubro em Washington e 21 a 23 de outubro em Gyeongju - Coreia do Sul) participarão apenas ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais. Na terceira, 11 e 12 de novembro, em Seul, comparecerão os chefes de Estado.
Parece improvável que dessas reuniões saia a nova ordem mundial ou uma política cambial coordenada. Esse é o tipo de doença que precisa piorar muito antes de provocar consenso para o tratamento que leve à cura.
Isso posto, é mais provável que o problema tenha de ser enfrentado na base do cada um por si. Assim, seria preciso criar condições para que o Brasil possa administrar sua política cambial sem colocar em risco a estabilidade da casa.
China, Japão, Coreia do Sul, Cingapura e Taiwan podem se dar ao luxo de defender seu câmbio por meio de compras maciças de moeda estrangeira porque têm alto índice de poupança. Assim, podem usar os recursos em moeda local provenientes dessa poupança sem que esse despejo de moeda na economia produza desordem e inflação.
Os Estados Unidos, por sua vez, mesmo que estejam com a economia desequilibrada por dois rombos, o orçamentário e o de suas contas externas, ainda podem manobrar para desvalorizar o dólar sem provocar uma brutal rejeição, porque detêm a quase única moeda de reserva.
O Brasil não tem essa autonomia. Se tiver de intensificar as compras de dólares, acabará injetando muito dinheiro vivo no mercado. Para que essa dinheirama não produza inflação, terá de vender títulos de dívida pública na mesma proporção para que os compradores desses títulos devolvam os reais para o Banco Central.
Ora, o único jeito de evitar que esse aumento da dívida não provoque rejeição por parte dos credores é desenvolver um programa com dois pontos: (1) impor uma sólida disciplina fiscal que, ao mesmo tempo, reduza a dívida pública e ajude a derrubar os juros; e (2) levar adiante as reformas para baixar o custo Brasil, garantindo mais competitividade para o produto industrializado.
CONFIRA
O dito pelo não dito
Há algumas semanas, o ministro Guido Mantega garantia que a emissão de títulos da dívida pública para transferi-los do Tesouro para o BNDES, de maneira a poder aumentar suas condições de financiamento, tinha acabado definitivamente.
Mais R$ 30 bi
No entanto, ontem, o Tesouro transferiu mais R$ 30 bilhões em títulos públicos para o banco. Desta vez, a operação não foi feita com a intenção de aumentar o volume de recursos do BNDES destinado ao financiamento. Foi feita para que o BNDES comprasse ações da Petrobrás para que a União pudesse aumentar sua participação no capital da empresa.
O trabalhador não pode
Ou seja, o BNDES tomou recursos por empréstimo do Tesouro para que pudesse com eles comprar ações da Petrobrás. Enquanto isso, ao trabalhador não acionista que tem um saldo no Fundo de Garantia não foi permitido que usasse esses recursos para comprar ações da mesma Petrobrás.
O corte inglês Miriam Leitão
O Globo - 28/09/2010
Ed Miliband, o novo líder do trabalhismo inglês eleito nesse fim de semana, depois de árdua luta com outros três competidores, fez um discurso marcante. Admitiu que o partido tinha errado, reconheceu o trabalho dos antigos líderes, mas disse que, a partir daquele momento, uma nova geração estava assumindo o poder no partido e virando uma página.
Foi inevitável pensar no retrocesso político brasileiro, em que o único partido de massas aceitou, sem qualquer sinal de desconforto, que o presidente Lula impusesse uma candidata de sua escolha autocrática. O PT foi o partido brasileiro que se organizou desde as bases. Ele perdeu a bandeira ética quando não reagiu a escândalos, como o do mensalão, e aderiu ao caciquismo neste fim do governo Lula.
— Essa eleição vira uma página, porque uma nova geração dá um passo adiante para servir o nosso partido e, eu espero, que para servir o país. Hoje, o trabalho da nova geração começa — disse Ed Miliband.
Ed é jovem, representou uma facção à esquerda do Partido Trabalhista, é ambientalista e foi um excelente ministro da Energia e Mudanças Climáticas. Disputou com quatro eleições internas e, na última, enfrentou seu próprio irmão, David, que havia sido ministro do Exterior de Gordon Brown. Os dois são filhos de um sociólogo, professor universitário.
Eu entrevistei os dois Miliband em situações diferentes.
Ed é mais carismático, mais simpático, mais antenado com os desafios do século XXI. Quando veio ao Brasil, foi ao Xingu ouvir índios, madeireiros, sobrevoou áreas desmatadas na Amazônia, debateu com ambientalistas e, na entrevista que me concedeu, falou, sem preconceitos, das chances e desafios do Brasil que ele tinha conseguido perceber durante sua visita.
Já David, com quem conversei no Foreign Office, me pareceu mais burocrático que Ed e, na questão climática, alinhado demais à posição americana.
O que a Inglaterra tem agora é um momento único: nos três partidos há lideranças jovens e, no governo, uma situação nova. Líderes de cerca de 40 anos estão chefiando os três partidos.
David Cameron, primeiroministro, e Nick Clegg, vice-primeiro-ministro, vivem uma situação rara, uma coalizão. Cameron e Clegg construíram a coalizão com base numa carta de programa de governo em que cada um cedeu um pouco.
O Partido Conservador teve de aceitar a exigência dos liberais democratas de propor uma reforma política que dê mais chance de representação ao terceiro partido, que é prejudicado pelo sistema distrital.
Depois de 13 anos no poder, o Partido Trabalhista foi derrotado, precisava se reorganizar e, por isso, passou por um tempo de debate interno e eleições para a nova liderança. Como o país é parlamentarista, ser líder é ser candidato a primeiroministro.
Guardadas as diferenças, o fato é que nos três partidos ingleses houve um processo de renovação de lideranças. O Partido Trabalhista que governou o país por 13 anos e perdeu as eleições foi o último a fazer essa renovação e completou nesse fim de semana.
— Nós perdemos a eleição e perdemos feio. Minha mensagem ao país é: nós sabemos que perdemos confiança. Eu sei que precisamos mudar. A nova geração que assumiu o partido entende o coração das mudanças. Eu quero mostrar que nós sabemos que temos de mudar. Eu tenho de unificar o partido, mas há uma coisa que precisamos: inspirar as pessoas com a nossa visão — disse Ed Miliband no seu discurso.
Foi impossível não pensar no PSDB que, ao perder as eleições, nunca fez uma análise sincera dos erros, nunca unificou o país, deixou que lideranças se digladiassem em surdina. Primeiro, José Serra e Geraldo Alckmin em 2006; depois, Serra e Aécio Neves em 2010. Não houve disputa aberta que mobilizasse a militância. De novo, foi um acordo intramuros por um grupo reduzido que cabe numa mesa de restaurante.
Não houve avaliação dos erros nem a consciência de que é preciso inspirar o país, oferecendo um projeto.
A Inglaterra, como todos os países atingidos pela crise bancária de 2008, está às voltas com um enorme déficit público e uma dívida alta. Cameron está cortando os gastos, mas uma das estratégias é a de ter uma meta de redução do déficit de longo prazo para a qual convergir ano a ano. Uma proposta de ir reduzindo ano a ano até zerar o déficit no Brasil, feita em 2005, pelo então ministro Antonio Palocci, foi considerada “rudimentar” pela então ministra Dilma Rousseff.
— Acredito que precisamos reduzir o déficit, mas temos de recriar a capacidade de a economia funcionar e gerar emprego. A Inglaterra é muito desigual, e a desigualdade fere não apenas os pobres, fere a todos — disse Ed, defendendo a proposta social-democrata dos trabalhistas e tentando agradar os sindicatos que o apoiaram.
A Inglaterra tem pilhas de problemas, mas tenta se refazer renovando as lideranças políticas nos três partidos.
Aqui, nos quatro principais partidos — PT, PSDB, PMDB e DEM — não há sinais de renovação. No PT, há um perigoso retrocesso.
Ele está ficando cada vez mais parecido com o vetusto partido peronista da Argentina dos anos 1950.
Ed Miliband, o novo líder do trabalhismo inglês eleito nesse fim de semana, depois de árdua luta com outros três competidores, fez um discurso marcante. Admitiu que o partido tinha errado, reconheceu o trabalho dos antigos líderes, mas disse que, a partir daquele momento, uma nova geração estava assumindo o poder no partido e virando uma página.
Foi inevitável pensar no retrocesso político brasileiro, em que o único partido de massas aceitou, sem qualquer sinal de desconforto, que o presidente Lula impusesse uma candidata de sua escolha autocrática. O PT foi o partido brasileiro que se organizou desde as bases. Ele perdeu a bandeira ética quando não reagiu a escândalos, como o do mensalão, e aderiu ao caciquismo neste fim do governo Lula.
— Essa eleição vira uma página, porque uma nova geração dá um passo adiante para servir o nosso partido e, eu espero, que para servir o país. Hoje, o trabalho da nova geração começa — disse Ed Miliband.
Ed é jovem, representou uma facção à esquerda do Partido Trabalhista, é ambientalista e foi um excelente ministro da Energia e Mudanças Climáticas. Disputou com quatro eleições internas e, na última, enfrentou seu próprio irmão, David, que havia sido ministro do Exterior de Gordon Brown. Os dois são filhos de um sociólogo, professor universitário.
Eu entrevistei os dois Miliband em situações diferentes.
Ed é mais carismático, mais simpático, mais antenado com os desafios do século XXI. Quando veio ao Brasil, foi ao Xingu ouvir índios, madeireiros, sobrevoou áreas desmatadas na Amazônia, debateu com ambientalistas e, na entrevista que me concedeu, falou, sem preconceitos, das chances e desafios do Brasil que ele tinha conseguido perceber durante sua visita.
Já David, com quem conversei no Foreign Office, me pareceu mais burocrático que Ed e, na questão climática, alinhado demais à posição americana.
O que a Inglaterra tem agora é um momento único: nos três partidos há lideranças jovens e, no governo, uma situação nova. Líderes de cerca de 40 anos estão chefiando os três partidos.
David Cameron, primeiroministro, e Nick Clegg, vice-primeiro-ministro, vivem uma situação rara, uma coalizão. Cameron e Clegg construíram a coalizão com base numa carta de programa de governo em que cada um cedeu um pouco.
O Partido Conservador teve de aceitar a exigência dos liberais democratas de propor uma reforma política que dê mais chance de representação ao terceiro partido, que é prejudicado pelo sistema distrital.
Depois de 13 anos no poder, o Partido Trabalhista foi derrotado, precisava se reorganizar e, por isso, passou por um tempo de debate interno e eleições para a nova liderança. Como o país é parlamentarista, ser líder é ser candidato a primeiroministro.
Guardadas as diferenças, o fato é que nos três partidos ingleses houve um processo de renovação de lideranças. O Partido Trabalhista que governou o país por 13 anos e perdeu as eleições foi o último a fazer essa renovação e completou nesse fim de semana.
— Nós perdemos a eleição e perdemos feio. Minha mensagem ao país é: nós sabemos que perdemos confiança. Eu sei que precisamos mudar. A nova geração que assumiu o partido entende o coração das mudanças. Eu quero mostrar que nós sabemos que temos de mudar. Eu tenho de unificar o partido, mas há uma coisa que precisamos: inspirar as pessoas com a nossa visão — disse Ed Miliband no seu discurso.
Foi impossível não pensar no PSDB que, ao perder as eleições, nunca fez uma análise sincera dos erros, nunca unificou o país, deixou que lideranças se digladiassem em surdina. Primeiro, José Serra e Geraldo Alckmin em 2006; depois, Serra e Aécio Neves em 2010. Não houve disputa aberta que mobilizasse a militância. De novo, foi um acordo intramuros por um grupo reduzido que cabe numa mesa de restaurante.
Não houve avaliação dos erros nem a consciência de que é preciso inspirar o país, oferecendo um projeto.
A Inglaterra, como todos os países atingidos pela crise bancária de 2008, está às voltas com um enorme déficit público e uma dívida alta. Cameron está cortando os gastos, mas uma das estratégias é a de ter uma meta de redução do déficit de longo prazo para a qual convergir ano a ano. Uma proposta de ir reduzindo ano a ano até zerar o déficit no Brasil, feita em 2005, pelo então ministro Antonio Palocci, foi considerada “rudimentar” pela então ministra Dilma Rousseff.
— Acredito que precisamos reduzir o déficit, mas temos de recriar a capacidade de a economia funcionar e gerar emprego. A Inglaterra é muito desigual, e a desigualdade fere não apenas os pobres, fere a todos — disse Ed, defendendo a proposta social-democrata dos trabalhistas e tentando agradar os sindicatos que o apoiaram.
A Inglaterra tem pilhas de problemas, mas tenta se refazer renovando as lideranças políticas nos três partidos.
Aqui, nos quatro principais partidos — PT, PSDB, PMDB e DEM — não há sinais de renovação. No PT, há um perigoso retrocesso.
Ele está ficando cada vez mais parecido com o vetusto partido peronista da Argentina dos anos 1950.
Os mundos e fundos do BNDES Vinicius Torres Freire
FOLHA DE SÃO PAULO - 28/09/2010
O governo federal recorreu também ao BNDES a fim de aumentar sua participação no capital da Petrobras. O banco comprou R$ 22,4 bilhões em ações da petroleira, na oferta pública recém-encerrada.
Os motivos para envolver o BNDES na capitalização são confusos e/ou controversos. O que vem ao caso agora é o fato de o Tesouro Nacional emprestar mais R$ 30 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Ou melhor, ao seu braço de investimento, a BNDESPar, que detém e administra as participações do bancão estatal. Trata-se de empréstimo a juros de pai para filho. De um financiamento que a mão direita do governo oferece a sua mão esquerda.
O empréstimo do governo serve, pois, para cobrir o dinheiro que o BNDES vai gastar na aquisição de fatia da Petrobras mais um troco, troco enorme, quase R$ 8 bilhões, que ainda não se sabe qual fim terá.
O papel do BNDES na execução da política econômica do governo é cada vez maior. O BNDES é o destino de uma grossa fatia do novo endividamento do governo federal. Executa muito mais que uma política industrial. Lida com fundos de natureza orçamentária (dívida nova) sem que tais dinheiros sejam objeto de discussão no Congresso ("melhor assim", dirá um cínico, dada a qualidade do Congresso).
O BNDES altera a dinâmica da política de juros. Primeiro, porque suas taxas de juros são menores que as de mercado, por vezes próximas de zero (em termos reais). Segundo, porque afeta de modo arbitrário a oferta de dinheiro na economia -o que pode até ser bom, como se viu em 2009, mas nem sempre o é.
Além do mais, o banco é ou será obrigado a financiar obras disparatadas como a do trem-bala, que não para em pé se julgada de ponto de vista econômico, financeiro ou social (na verdade, a burocracia do banco é contrária ao disparate, de inspiração luliana-dilmiana). Coisa parecida acontece na Petrobras, obrigada a fazer refinarias na qual não vê sentido econômico.
A participação do BNDES no estoque de crédito na economia continua a crescer. As torneiras do banco ainda estão mais abertas do que estavam em 2008 (variação anual, antes da crise). De setembro de 2008, explosão da crise, a agosto de 2010, a fatia do banco no total do estoque de crédito passou de 16% para 21%. Mas, na margem, a fatia é ainda maior. Do total do aumento de estoque de crédito neste ano, o BNDES foi responsável por 30,7%.
O ritmo de crescimento do estoque de crédito dos demais bancos públicos e dos bancos privados nacionais é agora menor que o do início de 2008, pré-crise; a redução da velocidade foi, nos dois casos, da mesma proporção.
Os bancos privados nacionais aceleraram a oferta de crédito no pós-crise. Os públicos pisaram no freio. Os privados estrangeiros continuaram a perder mercado até o trimestre passado. Claro, é preciso notar que os bancos públicos esbarraram no limite de crédito, dado o seu capital, obstáculo que o BNDES não enfrenta graças aos R$ 180 bilhões oferecidos pelo Tesouro desde 2009 (sem contar os R$ 30 bilhões de agora, que não vão para o crédito).
Dados o tamanho do banco, a oferta quase sem limite de recursos do Tesouro e o espraiamento da sua ação, passou da hora de rediscutir o que fazer do BNDES.
O governo federal recorreu também ao BNDES a fim de aumentar sua participação no capital da Petrobras. O banco comprou R$ 22,4 bilhões em ações da petroleira, na oferta pública recém-encerrada.
Os motivos para envolver o BNDES na capitalização são confusos e/ou controversos. O que vem ao caso agora é o fato de o Tesouro Nacional emprestar mais R$ 30 bilhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Ou melhor, ao seu braço de investimento, a BNDESPar, que detém e administra as participações do bancão estatal. Trata-se de empréstimo a juros de pai para filho. De um financiamento que a mão direita do governo oferece a sua mão esquerda.
O empréstimo do governo serve, pois, para cobrir o dinheiro que o BNDES vai gastar na aquisição de fatia da Petrobras mais um troco, troco enorme, quase R$ 8 bilhões, que ainda não se sabe qual fim terá.
O papel do BNDES na execução da política econômica do governo é cada vez maior. O BNDES é o destino de uma grossa fatia do novo endividamento do governo federal. Executa muito mais que uma política industrial. Lida com fundos de natureza orçamentária (dívida nova) sem que tais dinheiros sejam objeto de discussão no Congresso ("melhor assim", dirá um cínico, dada a qualidade do Congresso).
O BNDES altera a dinâmica da política de juros. Primeiro, porque suas taxas de juros são menores que as de mercado, por vezes próximas de zero (em termos reais). Segundo, porque afeta de modo arbitrário a oferta de dinheiro na economia -o que pode até ser bom, como se viu em 2009, mas nem sempre o é.
Além do mais, o banco é ou será obrigado a financiar obras disparatadas como a do trem-bala, que não para em pé se julgada de ponto de vista econômico, financeiro ou social (na verdade, a burocracia do banco é contrária ao disparate, de inspiração luliana-dilmiana). Coisa parecida acontece na Petrobras, obrigada a fazer refinarias na qual não vê sentido econômico.
A participação do BNDES no estoque de crédito na economia continua a crescer. As torneiras do banco ainda estão mais abertas do que estavam em 2008 (variação anual, antes da crise). De setembro de 2008, explosão da crise, a agosto de 2010, a fatia do banco no total do estoque de crédito passou de 16% para 21%. Mas, na margem, a fatia é ainda maior. Do total do aumento de estoque de crédito neste ano, o BNDES foi responsável por 30,7%.
O ritmo de crescimento do estoque de crédito dos demais bancos públicos e dos bancos privados nacionais é agora menor que o do início de 2008, pré-crise; a redução da velocidade foi, nos dois casos, da mesma proporção.
Os bancos privados nacionais aceleraram a oferta de crédito no pós-crise. Os públicos pisaram no freio. Os privados estrangeiros continuaram a perder mercado até o trimestre passado. Claro, é preciso notar que os bancos públicos esbarraram no limite de crédito, dado o seu capital, obstáculo que o BNDES não enfrenta graças aos R$ 180 bilhões oferecidos pelo Tesouro desde 2009 (sem contar os R$ 30 bilhões de agora, que não vão para o crédito).
Dados o tamanho do banco, a oferta quase sem limite de recursos do Tesouro e o espraiamento da sua ação, passou da hora de rediscutir o que fazer do BNDES.
As boquinhas fechadas Arnaldo Jabor
O Estado de S.Paulo - 28/09/10
Estamos vivendo um momento grave de nossa história política em que aparecem dois tumores gêmeos de nossa doença: a união da direita do atraso com a esquerda do atraso.
O Brasil está entregue à manipulação pelo governo das denúncias, provas cabais, evidências solares, tudo diante dos olhos impotentes da opinião pública, tapando a verdade de qualquer jeito para uma espécie de "tomada do poder". Isso; porque não se trata de um nome por outro - a ideia é mudar o Estado por dentro.
Tudo bem: muitos intelectuais têm todo o direito de acreditar nisso. Podem votar em quem quiserem. Democracia é assim.
Mas, e os intelectuais que discordam e estão calados? Muitos que sempre idealizaram o PT e se decepcionaram estão quietinhos com vergonha de falar. Há o medo de serem chamados de reacionários ou caretas.
Há também a inércia dos "latifúndios intelectuais". Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e, por isso, não podem "esquecer um pouco do que escreveram" para agir. Mudar é trair... Também não há coragem de admitirem o óbvio: o socialismo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de "revisionistas", como se tocassem na virgindade de Nossa Senhora.
O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, com o voluntarismo e o populismo antidemocrático. E não abrem mão de utopias - o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula, o símbolo do "povo que subiu na vida", eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um ex-operário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza, como eles acham. Precisam de ajuda, educação, crescimento para empregos, para além do Bolsa-Família. Quem tem peito de admitir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas que velhas ideias generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a História". Mas eles não abrem mão dessa elegância ridícula e antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas encardidas.
Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sérgio Buarque em vez de Florestan Fernandes, em Tocqueville em vez de Gramsci.
A explicação desta afasia e desta fixação num marxismo-leninismo tardio é muito bem analisada em dois livros recentemente publicados: Passado Imperfeito, do Tony Judt (que acaba de morrer), e o livro de Jorge Caldeira História do Brasil com Empreendedores (Editora Companhia da Letras e Mameluco). Ali, vemos como a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do "Front Populaire" da França nos anos 30, pautando as ideias de Caio Prado Jr. e deflagrando o marxismo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros dialogam e mostram como persiste entre nós este sarapatel de teses: leninismo, getulismo desenvolvimentista - e agora, possível "chavismo cordial".
A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários "prêmios Nobel" concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.
Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não-declarado (o aparente engana...), não teremos nada do que a cultura moderna preconiza.
O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá em ciência política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer que "estabilizou" a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos "seus". Fingem de democratas para apodrecer a democracia por dentro.
Lula topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas "forças populares", que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas "boquinhas", através de providências burocráticas de legitimação.
Os sinais estão claros.
As Agências Reguladoras serão assassinadas.
O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam) conseguirem anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e sensatos do partido.
Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna depravação) , será esquecida.
A reforma da Previdência "não é necessária" - já dizem eles -, pois os "neoliberais exageram muito sobre sua crise", não havendo nenhum "rombo" no orçamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.
Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina pública".
Portanto, nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.
Voltará a obsessão do "Controle" sobre a mídia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma profecia autorrealizável.
Leis "chatas" serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, "esquecendo-a" de propósito.
Lula sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma "superioridade" mágica, como se ele estivesse "fora da política", como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro dos aloprados, ouviu-se um "ohhhh!...." escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilégio contra a santidade do operário "puro".
Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio. Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: "Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!"...
Estamos vivendo um momento grave de nossa história política em que aparecem dois tumores gêmeos de nossa doença: a união da direita do atraso com a esquerda do atraso.
O Brasil está entregue à manipulação pelo governo das denúncias, provas cabais, evidências solares, tudo diante dos olhos impotentes da opinião pública, tapando a verdade de qualquer jeito para uma espécie de "tomada do poder". Isso; porque não se trata de um nome por outro - a ideia é mudar o Estado por dentro.
Tudo bem: muitos intelectuais têm todo o direito de acreditar nisso. Podem votar em quem quiserem. Democracia é assim.
Mas, e os intelectuais que discordam e estão calados? Muitos que sempre idealizaram o PT e se decepcionaram estão quietinhos com vergonha de falar. Há o medo de serem chamados de reacionários ou caretas.
Há também a inércia dos "latifúndios intelectuais". Muitos acadêmicos se agarram em feudos teóricos e não ousam mudá-los. Uns são benjaminianos, outros hegelianos, mestres que justificam seus salários e status e, por isso, não podem "esquecer um pouco do que escreveram" para agir. Mudar é trair... Também não há coragem de admitirem o óbvio: o socialismo real fracassou. Seria uma heresia, seriam chamados de "revisionistas", como se tocassem na virgindade de Nossa Senhora.
O mito da revolução sagrada é muito grande entre nós, com o voluntarismo e o populismo antidemocrático. E não abrem mão de utopias - o presente é chato, preferem o futuro imaginário. Diante de Lula, o símbolo do "povo que subiu na vida", eles capitulam. Fácil era esculhambar FHC. Mas, como espinafrar um ex-operário? É tabu. Tragicamente, nossos pobres são fracos, doentes, ignorantes e não são a força da natureza, como eles acham. Precisam de ajuda, educação, crescimento para empregos, para além do Bolsa-Família. Quem tem peito de admitir isso? É certo que já houve um manifesto de homens sérios outro dia; mas faltam muitos que sabem (mas não dizem) que reformas políticas e econômicas seriam muito mais progressistas que velhas ideias generalistas, sobre o "todo, a luta de classes, a História". Mas eles não abrem mão dessa elegância ridícula e antiga. Não conseguem substituir um discurso épico por um mais realista. Preferem a paz de suas apostilas encardidas.
Não conseguem pensar em Weber em vez de Marx, em Sérgio Buarque em vez de Florestan Fernandes, em Tocqueville em vez de Gramsci.
A explicação desta afasia e desta fixação num marxismo-leninismo tardio é muito bem analisada em dois livros recentemente publicados: Passado Imperfeito, do Tony Judt (que acaba de morrer), e o livro de Jorge Caldeira História do Brasil com Empreendedores (Editora Companhia da Letras e Mameluco). Ali, vemos como a base de uma ideologia que persiste até hoje vem de ecos do "Front Populaire" da França nos anos 30, pautando as ideias de Caio Prado Jr. e deflagrando o marxismo obrigatório na Europa de 45 até 56. Os dois livros dialogam e mostram como persiste entre nós este sarapatel de teses: leninismo, getulismo desenvolvimentista - e agora, possível "chavismo cordial".
A agenda óbvia para melhorar o Brasil é consenso entre grandes cientistas sociais. Vários "prêmios Nobel" concordam com os pontos essenciais das reformas políticas e econômicas que fariam o Brasil decolar.
Mas, não; se o PT prevalecer com seu programa não-declarado (o aparente engana...), não teremos nada do que a cultura moderna preconiza.
O que vai acontecer com esse populismo-voluntarista-estatizante é previsível, é bê-á-bá em ciência política. O PT, que usou os bons resultados da economia do governo FHC para fingir que governou, ousa dizer que "estabilizou" a economia, quando o PT tudo fez para acabar com o Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra tudo que agora apregoa como atos "seus". Fingem de democratas para apodrecer a democracia por dentro.
Lula topa tudo para eleger seu clone que guardará a cadeira até 2014. Se eleito, as chamadas "forças populares", que ocupam mais de 100 mil postos no Estado aparelhado, vão permanecer nas "boquinhas", através de providências burocráticas de legitimação.
Os sinais estão claros.
As Agências Reguladoras serão assassinadas.
O Banco Central poderá perder a mínima autonomia se dirigentes petistas (que já rosnam) conseguirem anular Antonio Palocci, um dos poucos homens cultos e sensatos do partido.
Qualquer privatização essencial, como a do IRB, por exemplo, ou dos Correios (a gruta da eterna depravação) , será esquecida.
A reforma da Previdência "não é necessária" - já dizem eles -, pois os "neoliberais exageram muito sobre sua crise", não havendo nenhum "rombo" no orçamento.
A Lei de Responsabilidade Fiscal será desmoralizada.
Os gastos públicos aumentarão pois, como afirmam, "as despesas de custeio não diminuirão para não prejudicar o funcionamento da máquina pública".
Portanto, nossa maior doença - o Estado canceroso - será ignorada.
Voltará a obsessão do "Controle" sobre a mídia e a cultura, como já anunciam, nos obrigando a uma profecia autorrealizável.
Leis "chatas" serão ignoradas, como Lula já fez com seus desmandos de cabo eleitoral da Dilma ou com a Lei que proíbe reforma agrária em terras invadidas ilegalmente, "esquecendo-a" de propósito.
Lula sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma "superioridade" mágica, como se ele estivesse "fora da política", como se a origem e a ignorância lhe concedessem uma sabedoria maior. Em um debate com Alckmin (lembram?), quando o tucano perguntou a Lula ao vivo de onde vinha o dinheiro dos aloprados, ouviu-se um "ohhhh!...." escandalizado entre eleitores, como se fosse um sacrilégio contra a santidade do operário "puro".
Vou guardar este artigo como um registro em cartório. Não é uma profecia; é o óbvio. Um dia, tirá-lo-ei do bolso e sofrerei a torta vingança de declarar: "Agora não adianta chorar sobre o chopinho derramado!"...